Leonardo Silva Andrada e
Paula Campos Pimenta
Em razão do
comportamento espalhafatoso do presidente e de ausência de reações à altura de
seus atos, por parte dos atores em instituições que deveriam preservar a “ordem
democrática”, se adensa o temor de um golpe de Estado – ou ainda um autogolpe,
perpetrado pelo próprio chefe do Executivo para se livrar dos obstáculos
interpostos por Legislativo e Judiciário a seus interesses.
Diante da
perplexidade, a análise consequente da política nos impele a uma pergunta
fundamental: existem forças materiais interessadas e dispostas a realizar esse
golpe? Paralelamente, como forma de subsidiar respostas possíveis, uma espécie
de pergunta dependente: esses atores institucionais não estão mesmo reagindo à
altura, considerando seu padrão histórico de solução de crises? O tratamento
desses questionamentos só pode ser adequado passando pela identificação de como
estão as forças sociais que representam as classes em relação ao processo. Em
síntese, realizar a análise de conjuntura em cada um de seus componentes: o
processo, os atores em campo e a correlação de forças que estabelecem entre si.
Não é fortuito que a
referência teórica mais amplamente mobilizada para tratar o golpe civil militar
de 64, e o regime autoritário que instaura, tenha sido justamente uma análise
de conjuntura de fôlego, como o 18 Brumário de Marx. No período ditatorial, o
recurso a esse clássico permitia compreender como a burguesia dispensava o
exercício direto do poder, e franqueava apoio a um governo autoritário
comandado por um representante de setores médios, que na prática promovia uma
política econômica que atendia seus interesses. Para além da compreensão
imediata da utilidade dessa obra, Marx oferece uma análise muito mais densa de
como a luta de classes se reflete na forma do Estado e na modalidade de regime
que o administra.
Esmiuçando os atores que representam as classes – jornais,
associações, partidos, instituições – suas posições e comportamentos concretos,
a leitura nos permite compreender como as disputas internas da classe
dominante, sua crise de hegemonia e os temores com uma classe trabalhadora na
ofensiva, levaram ao contexto que permitiu o exercício do poder por “uma
criatura medíocre como Luís Bonaparte”. Diante de caracterização tão
desabonadora do primeiro presidente eleito pelo voto direto na França,
impossível não pensar na validade de tal obra como lente para a atualidade
brasileira.
Enquanto o pensamento
latino-americano se valia do 18 Brumário para entender os golpes militares que
eram produzidos em todo o continente, na Europa, Poulantzas recorria à mesma
obra para avaliar a inadequação da categoria “bonapartismo” para tratar o
fenômeno fascista. Trata-se de posicionamento quanto à validade do rigor histórico
na caracterização de processos políticos em contextos diferentes, não
replicando literalmente todos os elementos originais. Nos últimos anos, muito
se discutiu acerca da pertinência de classificar como “fascistas” os movimentos
e governos que emergiram no cenário político como resposta à crise estrutural
do capitalismo da década passada.
Entretanto, se uma categoria foi mobilizada
para esclarecer um problema concreto e informar a ação, não é próprio
interpretar o que desvia dessa finalidade como rigor teórico. Ao contrário, o
sentido do gesto de distinguir deve ser preservado para não obstar a distinção
necessária. É o caso do vocábulo crise, aqui mobilizado como o momento em que
as contradições do capitalismo atingem os seus beneficiários, os quais se valem
do termo para chamar ao sacrifício os excluídos do modo de produção e impedir o
seu ocaso.
Para a presente discussão, basta admitir que as características do
fenômeno bonapartista elencadas por Poulantzas são relevantes para pensarmos
uma conjuntura crítica que demanda soluções da classe dominante, interessada na
preservação da ordem. Com maior importância, os elementos envolvidos nessa
caracterização nos fornecem pistas para pensar em que condições uma conjuntura
de crise pode desaguar em golpe de Estado e solução autoritária.
O que o autor
greco-francês nos oferece é uma sorte de complementação da noção de equilíbrio
de forças presente no texto original, com as considerações sobre hegemonia
elaboradas por Lênin e desenvolvidas por Gramsci. Na obra de Marx já estão
presentes as indicações de que havia uma fratura na classe dominante, com as
frações industrial, comercial, agrária e financeira incapazes de amealhar
isoladamente força o suficiente para impor seus interesses localizados às
demais, precisando recorrer a uma solução de compromisso que acomodasse a todas
e arbitrasse contendas pelo alto, com um governo forte o bastante para conter
um movimento operário em ascensão.
O aporte de Poulantzas é tentar entender
essa disputa interna em termos de crise de hegemonia, que se manifesta
concretamente como crise ideológica e crise de direção política. O que importa
reter aqui, fundamentalmente, é a ideia forte de frações dominantes em disputa,
como elemento a contribuir com a resposta que orienta essa reflexão.
Cabe uma breve
consideração sobre algumas aproximações equivocadas dos fenômenos atuais com o
fascismo, mesmo suspendendo o rigor histórico para o uso político do termo. O
fascismo não foi simplesmente a violência tornada política de Estado, não foi a
irracionalidade institucionalizada, não foi a “modulação de afetos” para dar
vazão ao ódio e ressentimento. Na conjuntura histórica europeia do pós-I
Guerra, foi uma solução autoritária para impor a dominação do capital
monopolista e financeiro. Emergiu de movimentos de classe média, mas só se
tornou regime dominante ao atender os interesses dessas classes dominantes, que
rapidamente se livraram de pontos programáticos e mesmo lideranças que
representassem sobrevivências de classe que não a do capital.
Não foram
criações de seus líderes, mas a expressão social de crises profundas, que
encontraram nas organizações fascistas formas de se manifestar coletivamente.
Os Camicie Nere, as S.A. e a Falange, recrutavam suas hordas entre militares e
elementos das classes média e baixa, mas sua atividade violenta e
desestabilizadora era articulada em uma organização, que por sua vez estava
submetida ao controle dos respectivos partidos fascistas em questão. Estes
partidos só se viabilizaram como direção de regimes políticos autoritários e
duradouros, na exata medida em que defendiam e avançavam os interesses dos
setores mais pronunciados das classes dominantes. Mais uma vez, fica ressaltada
a importância da ligação entre os movimentos golpistas, por mais violentos que
se apresentem, e setores de classe com força para garantir sua efetividade na
disputa política.
Mais recentemente foi
o italiano Domenico Losurdo quem se ocupou de trazer à luz a categoria de
bonapartismo para tratar os processos políticos coetâneos, sempre fiel à
tradição intelectual à qual se filia, preocupando-se em associar a reflexão
teórica à densa leitura histórica. Diante de uma sinfonia harmônica de teses
que advogavam o fim da história e o triunfo da democracia liberal, Losurdo nos
mostra como esse incensado modelo se constituiu, principalmente nos EUA durante
a I Guerra Mundial, reforçando e encontrando formas institucionais para o
elitismo autoritário que caracteriza o liberalismo desde seu nascedouro.
Seja a
Inglaterra do século XVII, os EUA da independência e a França revolucionária do
XVIII, seja a reflexão posterior aos impactos da industrialização e as massas
proletárias, e finalmente as respostas teóricas aos efeitos da Guerra e da
Revolução Russa, é característica de toda a tradição liberal a preocupação com
mecanismos institucionais de contrapeso ao incontornável avanço do sufrágio
universal. Não sendo mais possível impedir o acesso das massas populares à
arena política, tratava-se de domesticar e controlar sua entrada com o
fortalecimento do executivo, chefiado por um líder carismático.
A eficácia de
um líder de tal tipo depende em larga medida da manutenção das classes
trabalhadoras como “povo-massa”, destituído de organizações que promovam sua
formação política e a articulação de seus interesses como ator autônomo, e da
exportação do conflito para fora da relação entre capital e trabalho e a
exploração que engendra. Dessa contribuição de Losurdo, nos importa reter a
força do executivo e a desarticulação das organizações populares como tática
para perpetuar a “multidão criança”, destituída de orientação ideológica e
alijada de representação de classe, conduzida para um conflito extirpado da
luta de classes.
Diante dessas breves
considerações teóricas, é o caso de recuperar a preocupação central: existem
forças políticas que componham o cenário de um golpe de Estado, como solução
para a crise política que acompanha a versão brasileira da pandemia global? É
possível perceber uma verdadeira fratura no bloco no poder, que justifique a
identificação de uma crise de hegemonia, a cobrar uma solução de ruptura? Que
setores e atores estariam alinhados ao presidente para escorar um autogolpe?
Por fim, trazendo a reflexão abrangente sobre características de golpes no
capitalismo moderno para mais perto de nós: em que condições o andamento da
revolução burguesa no Brasil abdicou do verniz pacífico e optou abertamente
pela ruptura da ordem? Estão presentes agora elementos concretos a se sobrepor
à recorrente negociação, pelo alto, de uma saída sem a instabilidade que traz a
incerteza?
Do ponto de vista das
frações que ocupam o condomínio do bloco no poder, não há motivo para remover
Bolsonaro enquanto ele permanece funcional à realização da agenda política que
atende seus interesses. A garantia de que as reformas trabalhista, da
previdência, administrativa, seriam colocadas na ordem do dia e conduzidas sem
sobressaltos, foi a razão de sua eleição, e tem fiado a sua continuidade. Logo
nos primeiros movimentos da ameaça sanitária tornada crise política, foram eloquentes
os posicionamentos públicos de oposição ao presidente dos governadores de São
Paulo e Goiás. Representam respectivamente a indústria financeirizada e o
agronegócio, frações fundamentais para o movimento que culminou com o golpe
contra Dilma Rousseff, tanto quanto o apoio que garantiu a manutenção de Michel
Temer e a eleição de Jair Bolsonaro.
O presidente, por seu turno, parece
convencido do caráter plebiscitário da eleição majoritária, escorando-se no
apoio popular das urnas e das mídias sociais para esticar o tensionamento com
os atores políticos. À medida em que Bolsonaro foi eleito com o apoio desses
setores e continua atendendo seus interesses, a razão dessa contenda não parece
se localizar em uma real disputa por projetos divergentes, mas no comportamento
que Bolsonaro deriva dessa concepção plebiscitária do poder executivo.
Por
baixo da propaganda aos seus dezembristas de que não se submete à velha
política, busca ocupar os espaços de poder de forma exclusiva, resistindo à
partilha do executivo federal que reflete tanto a representação eleitoral do
Legislativo quanto das expressões regionais plasmadas nos executivos estaduais.
A solução histórica para essa partilha, na trajetória da República brasileira,
é a negociação que cobrou um preço alto dos que resistiram à sua lógica.
Por mais que se
preste a encarnar de forma ainda mais caricata e deprimente os piores adjetivos
que Marx endereçou a Luís Bonaparte, Bolsonaro é acompanhado de um grupo que
realiza a tarefa que ele parece incapaz de cumprir. Articula com aliados
apreensivos a garantia de que a agenda de reformas será cumprida, e desenha uma
estratégia de reforço do apoio dos setores sociais que mantenham a base mínima
necessária para alguma legitimidade.
Parte desse pensamento estratégico, seguindo
diretrizes que orientaram também o ídolo do hemisfério norte, prescreve balões
de ensaio e enfrentamentos encenados, para testar até onde o tensionamento pode
chegar. As mais recentes preocupações quanto à ameaça de autogolpe vêm de uma
manifestação dessa tática, com discursos de apoio mal disfarçado aos
manifestantes que pediam, em frente ao Quartel General do Exército Brasileiro,
o fechamento do Congresso Nacional e a reedição de um AI-5.
Se o posicionamento
público foi um teste, as reações não se fizeram esperar. Poucas horas se
passaram até que ficasse claro o alinhamento de amplo espectro das forças de
centro à direita: o presidente da Câmara, lideranças partidárias, ministros do
STF, representantes do Ministério Público, uma declaração conjunta assinada por
20 governadores. Legislativo, Judiciário, executivos estaduais e entidades
profissionais, todos são agentes políticos que, para além de seus postos
institucionais, sintetizam interesses de classe organizados e politicamente
representados, e recorreram à via imediata de comunicação das redes sociais
para tornar pública sua crítica à atitude do presidente da República.
Uma
sinalização eloquente de que não existem rachas significativos no interior da
classe dominante, que indique a crise de hegemonia que reclame um golpe para
ser solucionada. Mesmo a relação com a lumpen burguesia, que publicamente
endossa o seu comportamento estridente, está abalada. Seus interesses estão
ameaçados com a política econômica que valoriza o dólar e o alinhamento automático
com o imperialismo norte-americano que produz ruídos nas relações comerciais
com a China.
Como um termômetro
das disposições táticas de setores dominantes, para ruptura ou negociação, faz
sentido voltar a atenção para o tratamento dispensado por um importante
modulador ideológico como a Rede Globo. Se é inegável que a penetração das
redes sociais e dos aplicativos de mensagem instantânea rivalizam na
capilaridade das mensagens produzidas, esse peso deve ser ponderado em pelo
menos dois aspectos. O primeiro deles é que o comportamento do conglomerado de
mídia em questão não está sendo apreciado aqui no seu poder de formatação da
opinião das massas, mas como indicativo dos setores da classe dominante cujas
posições defende sob a forma de informação. Em outras palavras, como a
burguesia espera que essa opinião seja formada.
O segundo é que pesquisa
recente nos informa que mesmo com o avanço das tecnologias de difusão de
mensagens, as mídias tradicionais continuam com peso decisivo, particularmente
ao considerar o reconhecimento de sua confiabilidade por maioria esmagadora dos
entrevistados, em comparação com demais fontes de informação. Nesse caso, é
relevante atentar que as críticas ao governo federal produzidas pelo jornalismo
da Rede Globo, ainda que tenha elevado o tom desde o início da crise
político-sanitária, não se compara em intensidade, conteúdo e tempo dedicado à
campanha realizada para consolidar uma “opinião pública” contrária ao governo
Dilma e apoiadora do impeachment.
Não estão em tela ataques de cunho moralista,
destruição da imagem publica, deslegitimação das políticas de governo,
criminalização do partido e de suas lideranças, chamadas para protestos e
cobertura das manifestações públicas em tempo real, com todo o direcionamento
estético da formação de heróis e vilões que essa orientação propagandística
carrega. Note-se, ainda, que em nenhuma das críticas diárias é alvejada a
política econômica e sua agenda de reformas, o fiador desse governo junto às
frações burguesas. A orientação econômica não só é poupada, como indiretamente
associada à ação racionalizante do congresso, que preserva a administração
sóbria da emotividade errática do Executivo.
Restariam ainda
algumas preocupações com os setores cuja adesão ao governo não parece se abalar,
seja com as posições em política econômica e exterior mais exploradas pela
crítica, seja pela estratégia adotada no enfrentamento da pandemia; menos ainda
por atitudes como o apoio a reclamos golpistas, que em verdade se apresenta
como fator de reforço desse apoio. Entre esses trinta e poucos por cento da
população (há um ano variando praticamente na margem de erro), duas categorias
são mais pronunciadas, sendo imediatamente identificadas com a defesa
fundamentalistas do seu “mito”.
Estes são os cristãos mais fervorosos de
diversas denominações, mas particularmente os neopentecostais e católicos da
renovação carismática; se associam aos ressentidos violentos que encontram em
Bolsonaro o líder que legitima sua visão tacanha e preconceitos que, nos
últimos anos, enfrentaram crescente resistência e reprovação social, em razão
da organização de vítimas dessa violência que nunca foi simplesmente simbólica.
A unificá-los, o tradicionalismo que mantém vivo um conservadorismo difuso,
transclassista, mobilizado por grupos no poder que precisam desviar o foco do
conflito central entre capital e trabalho e exporta-lo para inimigos que
unifiquem o povo em torno de um “espírito nacional”.
A estes subgrupos
falta um movimento que os articule em forma de ator político e lideranças que
direcionem a ação. São fatores que realizam a conexão entre a base popular e os
interesses de classes dominantes que, historicamente, sempre foram muito
cuidadosas na garantia da exclusão das classes dominadas dos processos
políticos no Brasil. Tais elementos e lideranças estiveram presentes nas
manifestações de 2013, 14 e 16, quando essa base foi mobilizada para derrubar
Dilma Rousseff. Camuflados como “movimentos espontâneos”, mas organizados,
financiados e garantidos por atores políticos tradicionalíssimos.
Os movimentos
e lideranças que estiveram no processo que levou à remoção de Dilma não estão
mais aliados a essa base de apoio a Bolsonaro porque os atores tradicionais que
se mantinham à sombra, agora se rearticulam em um bloco oposicionista, tendo
percebido que sua estratégia de reconquista do poder de Estado através do
impeachment não foi plenamente cumprido. A direita menos histriônica hospedada
no DEM, no PSDB e no MDB busca recolocar nos trilhos o projeto que pretendia
executar com o golpe, mas escapou ao seu controle ao mobilizar o neofascismo.
Bolsonaro e sua entourage provocam ruídos ao obstar a partilha de poder que
apazigua os operadores da política brasileira, clientes de cargos e orçamento.
Para completar o
quadro, o papel histórico das Forças Armadas como fiel da balança na história
das crises republicanas, reforçado pela forte ligação de Bolsonaro com os
militares. É conveniente lembrar que a corporação militar não é alheia à
estrutura de classes da sociedade, e não atua isolada dos interesses que essa
divisão expressa. Se a penetração do presidente é notória entre recrutas e
baixas patentes, Werneck Sodré atentou para como o alto oficialato é de
extração das classes altas, e atua politicamente em consonância com seus
interesses.
Uma solidariedade de classe que se consolida e fortalece com a
fundação da Escola Superior de Guerra, responsável por elaborar ideologicamente
essa unidade através de uma Doutrina de Segurança Nacional orientadora da
formação de quadros de comando alinhados ao interesse imperialista e seus
sócios minoritários locais. Diariamente é reiterada a versão de que os oficiais
que compõem o governo são os principais responsáveis por moderar as
intervenções do presidente e aplainar as reações opositoras. Retomando a
analogia com o clássico de Marx, ao arremedo brasileiro de Napoleão faltam o
capital e as baionetas.
Sem o papel
fundamental de organização e orientação que essas entidades e lideranças
produzem, e seu papel de ligação com as frações de classe dominantes, a base
popular que ainda se ata fervorosamente ao líder não intervém de forma efetiva
na disputa política. Encaminha-se a reprodução da histórica solução negociada
pelo alto para a composição. No dia seguinte à provocação e às reações
públicas, o Ministério da Defesa proclama sua adesão aos preceitos
constitucionais e a defesa da ordem democrática; os jornais anunciam reuniões
do presidente com os líderes de MDB e DEM, principais forças a controlar os
operários da política no cotidiano legislativo. É sintomático que nesse mesmo
dia, no encontro diário que promove com jornalistas enquanto atiça sua claque,
Bolsonaro tenha sido obrigado a descompor um de seus dezembristas, que gritava
pedidos de fechamento do Congresso.
As últimas notícias especulam a negociação
para mudanças ministeriais que acomodem fontes de apoio, forçando a concessão
de parte do controle da máquina que imaginava monopolizar por mandato
plebiscitário. A Bolsonaro interessa se manter no poder, ainda que a muito
custo precise compartilha-lo. Ao bloco oposicionista formado por frações da
classe dominante, interessa preservá-lo, na medida em que permaneça nos marcos
de sua agenda política. Sua remoção produz instabilidade, podendo comprometer o
andamento estratégico das reformas, e incerteza quanto ao controle rígido da
intervenção popular no processo político. Fica ainda preservada a possibilidade
de transformações não previstas nesse quadro, pois à medida em que um dos
atores se movimenta, os demais buscam responder readequando suas posições. São
dignos de cuidadosa atenção o lugar que ocupam, na dinâmica do governo, seus
grandes catalisadores de apoio.
A análise da
conjuntura e a avaliação histórica, em conjunto, parecem desenhar um cenário de
impossibilidade crônica de mudança de rumos, como se houvesse uma condenação
inescapável à eterna repetição. Contra o fatalismo e o imobilismo que dele
deriva, Gramsci nos ofereceu uma combinação astuta. Aliar o otimismo da vontade
ao pessimismo da razão. O quadro é impactante e desafiador, mas assim está
porque assim foi feito – e isso significa que é possível fazer que seja
diferente. Para dar um andamento histórico distinto, é preciso fortalecer o
órgão que articula e prepara as classes trabalhadoras para atuar de forma
autônoma na defesa de seus interesses na disputa política.
A marca de
passividade do desenvolvimento da revolução burguesa no Brasil não é um
mandamento divino, mas uma construção histórica que atendeu aos interesses das
classes dominantes, dividida em frações incapazes de impor cada uma delas sua
dominação hegemônica, mas em acordo quanto à estratégia de alijar os setores
populares da vida pública. Para sua realização, sempre foi fundamental manter
os subalternos sob controle através da desarticulação político-ideológica,
perseguindo, reprimindo e criminalizando suas entidades de classe, sindicatos e
partidos. O poder popular é a estratégia para que o protagonismo do ator supere
o império dos fatos.
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