terça-feira, 28 de abril de 2020

Ministério Público suspeita de interferência indevida de Bolsonaro no Exército


Folhapress, 27 de abril de 2020
Bolsonaro durante coletiva de imprensa no dia 24 de abril (Andressa Anholete/Getty Images).

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O MPF (Ministério Público Federal) abriu procedimento preliminar para investigar possível interferência indevida do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em atos exclusivos do Exército para controle de armas.
   
A apuração mira determinação de Bolsonaro para que o Comando Logístico do Exército (Colog) revogasse três portarias sobre rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e demais produtos controlados no país.

As normas foram canceladas em 17 de abril. No mesmo dia, o presidente escreveu no Twitter que a ordem para isso partiu dele próprio. Justificou que as regras previstas nos textos não se adequavam às suas "diretrizes, definidas em decretos".
Este é o segundo episódio de possível ingerência de Bolsonaro em órgãos federais a vir à tona desde a semana passada.
Na sexta (24), o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, o acusou de interferir na escolha do diretor-geral da Polícia Federal para ter acesso a informações sigilosas de investigações. Também disse que o presidente está preocupado com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal, as quais podem atingir seus filhos e aliados políticos.
A Procuradoria da República no Distrito Federal abriu uma apuração inicial, conhecido como procedimento preparatório, sobre a revogação das portarias, a pedido da procuradora regional da República Raquel Branquinho.
Uma delas estabelecia os procedimentos administrativos para o acompanhamento e o rastreamento de produtos controlados pelo Exército. Outra definia dispositivos de segurança, identificação e marcação das armas de fogo fabricadas no país, exportadas ou importadas. A terceira regulamentava a marcação de embalagens e cartuchos de munição.
Num ofício enviado à Procuradoria, Branquinho sustenta que, por lei, compete ao Exército a fiscalização de produtos controlados.
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Segundo Branquinho, as regras que foram derrubadas, para maior controle de atividades relacionadas ao uso de armas restritas, estão previstas no Estatuto do Desarmamento, lei de 2003, e não contrariam o decreto presidencial que a regulamenta.
Ela diz que, ao mandar revogar as portarias, Bolsonaro viola a Constituição Federal, pois impede a "proteção eficiente de um bem relevante e imprescindível aos cidadãos brasileiros, que é a segurança pública".
A procuradora cita a hipótese de Bolsonaro ter afrouxado o controle para atender parcela de seu eleitorado. O presidente fez campanha com a bandeira da liberação de armamentos no país.
"Os poderes regulamentadores do Presidente da República existem e se fundamentam na Constituição da República e na lei, não havendo espaços, assim, para ideias e atitudes voluntaristas, ainda que pautadas em bons propósitos. No caso, segundo matérias [jornalísticas], as finalidades seriam atender uma parcela de eleitores que entenderam que tais normas de natureza operacional poderiam restringir o exercício do direito à importação dessas armas e munição por colecionadores", escreveu.
"Esse episódio representa uma situação extremamente grave e que coloca em risco e tem o potencial de agravar a crise de segurança pública vivenciada no país, onde, diuturnamente, organizações criminosas são fortalecidas na sua estrutura operacional, abastecidas por armas e munições, cujas origens são desconhecidas pelo Estado brasileiro", prosseguiu.
O ofício da procuradora regional foi noticiado nesta segunda (26) pelo jornal "O Estado de S. Paulo".
Se entender que houve ilegalidade ao fim das apurações, o MPF pode ajuizar uma ação de improbidade administrativa na Justiça Federal contra Bolsonaro, gestores do Exército ou outros envolvidos. Outra hipótese, caso se suspeite da prática de algum crime, é de abertura de inquérito perante o Supremo, uma vez que o presidente tem foro especial perante a corte.
O caso, no entanto, está em fase inicial de apuração.
Em outra frente de atuação, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão vinculado à PGR (Procuradoria-Geral da República), abriu um procedimento administrativo e requereu na segunda (20) ao comandante Logístico do Exército, general Laerte de Souza Santos, que explique os pressupostos norteadores da revogação.
"Essas providências [de controle de armas], imprescindíveis para a fiscalização do uso de armas de fogo e para a investigação de ilícitos com o emprego de armas de fogo, eram reclamadas por especialistas em segurança pública e também pela PFDC e pela 7a Câmara de Coordenação e Revisão, órgãos do MPF", diz ofício enviado ao general.
O documento é assinado pela procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e mais dois colegas.
Eles argumentam que, com base na Constituição, é dever do Estado fundamentar a dar publicidade aos seus atos administrativos. E alertam para as "graves repercussões que as mencionadas revogações acarretam para a segurança pública".
Procurado nesta segunda pela reportagem, o Planalto ainda não comentou o caso.

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