Folhapress, 27 de abril de
2020
Bolsonaro durante coletiva de imprensa no dia 24 de abril (Andressa
Anholete/Getty Images).
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O MPF
(Ministério Público Federal) abriu procedimento preliminar para investigar
possível interferência indevida do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)
em atos exclusivos do Exército para controle de armas.
A apuração mira determinação de
Bolsonaro para que o Comando Logístico do Exército (Colog) revogasse três
portarias sobre rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e
demais produtos controlados no país.
As normas foram canceladas em 17 de
abril. No mesmo dia, o presidente escreveu no Twitter que a ordem para isso
partiu dele próprio. Justificou que as regras previstas nos textos não se
adequavam às suas "diretrizes, definidas em decretos".
Este é o segundo episódio de possível
ingerência de Bolsonaro em órgãos federais a vir à tona desde a semana passada.
Na sexta (24), o ex-ministro da
Justiça, Sergio Moro, o acusou de interferir na escolha do diretor-geral da
Polícia Federal para ter acesso a informações sigilosas de investigações.
Também disse que o presidente está preocupado com inquéritos em curso no
Supremo Tribunal Federal, as quais podem atingir seus filhos e aliados
políticos.
A Procuradoria da República no
Distrito Federal abriu uma apuração inicial, conhecido como procedimento
preparatório, sobre a revogação das portarias, a pedido da procuradora regional
da República Raquel Branquinho.
Uma delas estabelecia os
procedimentos administrativos para o acompanhamento e o rastreamento de produtos
controlados pelo Exército. Outra definia dispositivos de segurança,
identificação e marcação das armas de fogo fabricadas no país, exportadas ou
importadas. A terceira regulamentava a marcação de embalagens e cartuchos de
munição.
Num ofício enviado à Procuradoria,
Branquinho sustenta que, por lei, compete ao Exército a fiscalização de
produtos controlados.
Segundo Branquinho, as regras que
foram derrubadas, para maior controle de atividades relacionadas ao uso de
armas restritas, estão previstas no Estatuto do Desarmamento, lei de 2003, e
não contrariam o decreto presidencial que a regulamenta.
Ela diz que, ao mandar revogar as
portarias, Bolsonaro viola a Constituição Federal, pois impede a "proteção
eficiente de um bem relevante e imprescindível aos cidadãos brasileiros, que é
a segurança pública".
A procuradora cita a hipótese de
Bolsonaro ter afrouxado o controle para atender parcela de seu eleitorado. O
presidente fez campanha com a bandeira da liberação de armamentos no país.
"Os poderes regulamentadores do
Presidente da República existem e se fundamentam na Constituição da República e
na lei, não havendo espaços, assim, para ideias e atitudes voluntaristas, ainda
que pautadas em bons propósitos. No caso, segundo matérias [jornalísticas], as finalidades
seriam atender uma parcela de eleitores que entenderam que tais normas de
natureza operacional poderiam restringir o exercício do direito à importação
dessas armas e munição por colecionadores", escreveu.
"Esse episódio representa uma
situação extremamente grave e que coloca em risco e tem o potencial de agravar
a crise de segurança pública vivenciada no país, onde, diuturnamente,
organizações criminosas são fortalecidas na sua estrutura operacional,
abastecidas por armas e munições, cujas origens são desconhecidas pelo Estado
brasileiro", prosseguiu.
O ofício da procuradora regional foi
noticiado nesta segunda (26) pelo jornal "O Estado de S. Paulo".
Se entender que houve ilegalidade ao
fim das apurações, o MPF pode ajuizar uma ação de improbidade administrativa na
Justiça Federal contra Bolsonaro, gestores do Exército ou outros envolvidos.
Outra hipótese, caso se suspeite da prática de algum crime, é de abertura de
inquérito perante o Supremo, uma vez que o presidente tem foro especial perante
a corte.
O caso, no entanto, está em fase
inicial de apuração.
Em outra frente de atuação, a
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão vinculado à PGR
(Procuradoria-Geral da República), abriu um procedimento administrativo e
requereu na segunda (20) ao comandante Logístico do Exército, general Laerte de
Souza Santos, que explique os pressupostos norteadores da revogação.
"Essas providências [de controle
de armas], imprescindíveis para a fiscalização do uso de armas de fogo e para a
investigação de ilícitos com o emprego de armas de fogo, eram reclamadas por
especialistas em segurança pública e também pela PFDC e pela 7a Câmara de
Coordenação e Revisão, órgãos do MPF", diz ofício enviado ao general.
O documento é assinado pela
procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e mais dois
colegas.
Eles argumentam que, com base na
Constituição, é dever do Estado fundamentar a dar publicidade aos seus atos
administrativos. E alertam para as "graves repercussões que as mencionadas
revogações acarretam para a segurança pública".
Procurado nesta segunda pela
reportagem, o Planalto ainda não comentou o caso.
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