Letícia Mori - Da BBC News Brasil em
São Paulo
Panelaço estava
marcado para as 20h30 desta quarta-feira (18), mas começou mais cedo em
diversos bairros da capital paulista.
Presente em
protestos contra a ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, a médica Natália
Freire, de 45 anos, participou também de panelaços contra o presidente Jair
Bolsonaro na quarta-feira, em sua casa em Bragança Paulista, no interior
paulista.
"Vi que em
São Paulo está bombando, queria estar aí", disse a médica à BBC News
Brasil poucos minutos depois do fim do panelaço — que estava marcado para às
20h30, mas começou mais cedo em diversos bairros da capital paulista.
Em São Paulo, a
cirurgiã Juliana Pacheco, de 35 anos, compartilha do descontentamento da colega
do interior com as decisões do presidente. Em seu prédio no bairro do Ipiranga
— onde está em isolamento em casa por suspeita de coronavírus — ela
disse que ouviu muita gente gritando.
"É um
momento em que precisamos ter pessoas serenas na governança do país e a gente
não tem. O pessoal começou a cair a ficha mesmo", disse.
Eleitora de
Bolsonaro em 2018, a cirurgiã conta que ainda se considerava uma apoiadora até
alguns dias atrás — quando o presidente compareceu a uma manifestação a favor
do governo e cumprimentou diversos seguidores pouco tempo depois do Ministro da
Saúde ter aconselhado as pessoas a evitarem aglomerações.
"Eu fui me
decepcionando com ele gradualmente desde a eleição, mas para mim a gota d'água,
como profissional de saúde, foi ver ele apoiando os protestos do dia 15",
conta a BBC News Brasil.
"Muitas
pessoas ainda têm receio de aderir às medidas sanitárias de urgência porque ele
criou essa narrativa de que não é nada demais, de que é histeria. Porque apesar
de ele negar, ele incentivou sim, quando foi lá e quando disse que o povo é
valente (por ir às ruas). Ele debochou dos médicos e da saúde pública",
afirma Juliana.
A médica
paulista Elisa Freitas conta que foi a favor do impeachment, fez campanha
por Bolsonaro em 2018 e
agora "foi obrigada a volta a bater panela".
"Eu já não
gostava da grosseria, dos discursos, mas achei que o Bolsonaro teria políticas
melhores do que o PT porque tinha um bom time, como o Sérgio Moro e o Paulo
Guedes", diz Elisa.
"(A forma)
como ele desrespeitou o próprio ministro (da Saúde, Luiz Henrique Mandetta)
mostra que não está preocupado com a crise (do coronavírus), que sua atitude é
só política."
As duas médicas
não são as únicas ex-apoiadoras a mudar de opinião diante da resposta do
presidente à crise. Diversas figuras públicas da base do presidente, como a
deputada Janaína Paschoal, criticaram sua postura, e uma análise da Diretoria
de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-DAPP) mostra
que o apoio a Bolsonaro perdeu espaço nas redes nos últimos dias.
Segundo o
monitoramento da FGV de 12,5 milhões de postagens no Twitter, o eixo de apoio a
Bolsonaro, que antes dos protestos reunia 12% das interações, caiu para 6,5% de
participação até quarta (18).
A FGV diz também
que identificou 370 mil tuítes entre as 18h de quarta (18/3) e as 2h de quinta
(19) associados aos "panelaços" mobilizados tanto por críticos quanto
por apoiadores do presidente.
"As
hashtags de engajamento contra o presidente geraram, nesse período, 220,5 mil
tuítes, enquanto as menções pró-Bolsonaro acumularam 152,4 mil
publicações", diz a análise da FGV-DAPP.
Entre os perfis
a favor de Bolsonaro, a mobilização foi organizada a partir da hashtag
#panelaçocontraaesquerda, que teve 126,5 mil tuítes.
'Obrigação de dar o
exemplo'
"Como
médica (quando eu vi o presidente na multidão), meu sentimento foi de ultraje a
angústia, a repulsa", diz Juliana Pacheco, que desde sexta (13) ela está
com sintomas leves da doença e diz que ao menos oito colegas, também médicos,
estão na mesma situação.
"Como chefe
de Estado, Bolsonaro tem a responsabilidade de dar o exemplo. As pessoas são
influenciadas pelo discurso dele. (Isso) vai aumentar a demanda na saúde, (a
contaminação) podia ser pra menos pessoas, menos grave", afirma.
Juliana diz que
seus sintomas são leves e que sua grande preocupação é com os colegas que vão
estar na linha de frente do atendimento.
"Minha
maior preocupação é em relação aos meus colegas médicos, enfermeiros,
profissionais de saúde", diz Juliana. "Li um artigo (da Ordem dos
Médicos de Portugal) que diz que 20% das pessoas infectadas são profissionais
de saúde. Esses profissionais vão estar expostos à doença em ambiente com
pessoas com uma alta carga viral, altamente infectado, sob estresse e privação
de sono, que diminui a imunidade."
Juliana diz que não
concorda com as decisões políticas de Bolsonaro, por isso parou de apoiá-lo
Sua colega de
profissão de Bragança, Natália Freire, afirma que a resposta do presidente à
crise agrava a situação.
"A postura
dele frente à pandemia, só posso dizer que é um absurdo. Me parece que ele não
tem consciência mesmo do nível de influência que ele tem sobre as pessoas.
Parece que nem imagina o quanto sua opinião ou seu comportamento influencia a
nação e o mundo. Se ele sabe e continua fazendo, é digno de uma avaliação
psiquiátrica mesmo", afirma Natália Freire.
"A atitude
dele estimulou um bando de gente a não levar a sério os riscos. Assim que ele
decidiu descer para cumprimentar, endossou esse estímulo", diz ela.
Elisa Freitas
diz que ficou descontente logo nos primeiros meses de governo e já havia parado
de defender o governo há bastante tempo, mas que agora está ativamente
protestando contra. "Essa atitude irresponsável diante de uma crise séria
de saúde pública é o fim, o fim."
Em foto do último
domingo (15), o presidente cumprimentou diversos seguidores em meio a pandemia
de coronavírus
Contra Dilma e
contra Bolsonaro
Natália Freire
conta que nunca foi apoiadora de Bolsonaro, mas, assim como Juliana e Elisa,
está no grupo de pessoas que estiveram nos protestos contra Dilma e agora
engrossam o coro contra Bolsonaro.
Natália diz que
foi às ruas em 2016 contra Dilma e Lula por achar que o ex-presidente petista é
"um dos piores bandidos que tem no Brasil".
"Ele mente
muito, ele manipula muito e, naquela época, e antes, para colocar a Dilma, ele
incentivou muito o ódio entre as classes sociais, entre sudeste e
nordeste", diz ela, que afirma reprovar Bolsonaro da mesma forma.
"Eu não
gosto de nenhum dos dois", afirma ela.
Natália, no
entanto, diz que dessa vez não quer um impeachment. "Participei do
panelaço como protesto, não como pedido de impeachment. Mourão como presidente
não dá não", afirma.
Já Elisa diz ter
batido panela principalmente por desejar um impeachment. "Fora Bolsonaro
não é força de expressão! Antes era contra porque não seria bom para a
economia, mas diante dessa crise (de saúde), a economia já vai sofrer. Melhor
termos um presidente sério."
Juliana também
apoia um impeachment, mas explica que é crítica da postura do presidente
individualmente, e considera que parte da administração está fazendo um bom
trabalho.
"Eu tenho
apreço pelo Ministro da Saúde, que está fazendo um trabalho exemplar. No
pronunciamento de hoje ele tentou moralizar o presidente, mas quando ele
recebia o microfone parecia uma pessoa totalmente irracional", diz.
"Quando
você tem algo como uma pandemia, dessa proporção, uma ameaça real, um chefe de
Estado não pode relativizar a importância, ter espaço no discurso para ficar
atacando. (Bolsonaro) está totalmente fora do compasso do que está acontecendo",
diz ela.
EM TEMPO: Existe um ditado popular
que diz: “um dia é o dia do caçador, outra dia é o da caça”
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