Texto extraído do Blog do Magno
Martins.
Com edição de Ítala Alves
Com edição de Ítala Alves
Por Maria Cristina
Fernandes – Valor Econômico
A tese do afastamento do presidente viralizou nas
instituições. O combate à pandemia já havia unido o país, do plenário virtual
do Congresso Nacional ao toque de recolher das favelas. Com o pronunciamento em
rede nacional, o presidente conseguiu convencer os recalcitrantes de que hoje é
um empecilho para a batalha pela saúde da nação.
Se contorná-lo já não basta,
ainda não se sabe como será possível tirá-lo do caminho e, mais ainda, que rumo
dar ao poder em tempos de pandemia. A seguir a cartilha do presidiário Eduardo
Cunha, seu afastamento apenas se dará quando se encontrar esta solução. E esta
não se resume a Hamilton Mourão.
Ao desafiar a unanimidade nacional, no uniforme de
vítima de poderes que não lhe deixam agir para salvar a economia, Bolsonaro já
sabia que não teria o endosso das Forças Armadas para uma aventura que
extrapole a Constituição. Era o que precisaria fazer para flexibilizar as
regras de confinamento adotadas nos Estados. Duas horas antes do pronunciamento
presidencial, o Exército colocou em suas redes sociais o vídeo do comandante
Edson Leal Pujol mostrando que a farda hoje está a serviço da mobilização
nacional contra o coronavírus.
Saída a ser
costurada passa pela anistia aos filhos
Pujol falou como comandante de uma corporação que
tem a massa de seus recrutas originários das comunidades mais pobres do país,
hoje o foco de disseminação mais preocupante para as autoridades sanitárias.
Disse que agirá sob a coordenação do Ministério da Defesa. Em nenhum momento
pronunciou o presidente. Moveu-se pela percepção de que uma tropa aquartelada
hoje é mais segura que uma tropa solta. Na mão inversa do trem desgovernado do
discurso presidencial daquela noite.
Continue lendo
Continue lendo
Quando já estava claro que descartara o papel de
guarda pretoriana, Pujol reforçou a importância do combate ao coronavírus:
“Talvez seja a missão mais importante de nossa geração”. Vinte e quatro horas
depois, o vídeo ultrapassava 500 mil visualizações, mais do que o dobro do
efetivo do Exército.
O distanciamento contaminou os ministros militares
com assento no Palácio do Planalto. “Não quero ter minha digital nisso”,
comentou um deles ao perceber o rumo provocativo que o pronunciamento da noite
de quarta-feira teria. Deixou o Palácio antes da gravação, conduzida sob o
comando dos filhos e da milícia digital do bolsonarismo.
A insistência do presidente na tese esticou a corda
com os governadores e com o Congresso, que amanheceu na quarta-feira colocando
pilha na saída do ministro Luiz Henrique Mandetta. A pressão atingiu o pico do
dia com o rompimento do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), com o
presidente. Aliado de primeira hora de Bolsonaro, presença mais frequente,
entre seus pares, nas solenidades do Palácio do Planalto, Caiado foi um dos
principais padrinhos de Mandetta, um deputado do Mato Grosso do Sul que não
disputou em outubro de 2018 porque temia não se reeleger.
O ministro negaria a demissão numa entrevista em
que citou Caiado, mas não Bolsonaro. O Congresso mantinha a aposta na saída de
Mandetta como mais um tapume no isolamento do presidente quando João Doria, na
reunião de governadores com o presidente, partiu para o confronto. O discurso
de palanque do governador de São Paulo não é unanimidade entre os envolvidos em
busca de uma solução de consenso, especialmente os da farda, mas sua ação
deliberada para levar os governadores a recusar interlocução com o presidente,
caiu como uma luva para a estratégia de levar Bolsonaro ao limite do isolamento.
Para viabilizar o enfrentamento dos governadores, o
Congresso busca meios de manter o acesso dos Estados a recursos com os quais
possam manter suas políticas de combate à doença, hoje confrontadas pelo
Planalto. O pronunciamento acabou por frear a proposta de emenda constitucional
com a qual se pretendia criar um orçamento paralelo para viabilizar as ações de
Bolsonaro no combate à pandemia e calar a tecla com a qual o presidente se diz
impedido de agir pelo Congresso. Cogitou-se até incluir nesta PEC instrumentos
com os quais Bolsonaro poderia ter mais poderes sobre o confinamento e o
confisco de insumos hospitalares, como meio de evitar o Estado de Sítio.
Ainda que Bolsonaro hoje não tenha nem 10% dos
votos em plenário, um processo de impeachment ainda é de difícil de
viabilidade. Motivos não faltariam. Os parlamentares dizem que Bolsonaro, assim
como a ex-presidente Dilma Rousseff, já não governa. Se uma caiu sob alegação
de que teria infringido a Lei de Responsabilidade Fiscal, o outro teria
infrações em série contra uma “lei de responsabilidade social”. Permanece sem
solução, porém, o déficit de legitimidade de um impeachment em plenário
virtual.
Vem daí a solução que ganha corpo, até nos meios
militares, de uma saída do presidente por renúncia. O problema é convencê-lo. A
troco de que entregaria um mandato conquistado nas urnas? O bem mais valioso
que o presidente tem hoje é a liberdade dos filhos. Esta é a moeda em jogo.
Renúncia em troca de anistia à toda tabuada: 01, 02 e 03. Foi assim que Boris
Yeltsin, na Rússia, foi convencido a sair, alegam os defensores da solução.
Não faltam pedras no caminho. A primeira é que não
há anistia para uma condenação inexistente. A segunda é que ao fazê-lo, a
legião de condenados da Lava-Jato entraria na fila da isonomia, sob a alcunha
de um “Pacto de Moncloa” tupiniquim. A terceira é que o Judiciário, agastado
com o bordão que viabilizou o impeachment de Dilma (“Com Supremo com tudo”),
resistiria a embarcar. E finalmente, a quarta: Quem teria hoje autoridade para
convencer o presidente? Cogita-se, à sua revelia, dos generais envolvidos na
intervenção do Rio, PhDs em milícia.
A única razão para se continuar nesta pedreira é
que, por ora, não há outra saída. Na hipótese de se viabilizar, o capitão pode
estar a caminho de encerrar sua carreira política como começou. Condenado por
ter atentado contra o decoro, a disciplina e a ética da carreira militar,
Bolsonaro foi absolvido em segunda instância. Em “O cadete e o capitão”
(Todavia, 2019), Luiz Maklouff, esboça a tese de que a absolvição foi a saída
encontrada para o capitão deixar a corporação. Em seguida, o Bolsonaro
disputaria seu primeiro mandato como vereador no Rio. Trinta e quatro anos
depois, a borracha está de volta para esfumaçar o passado. Desta vez, com o
intuito de tirá-lo da política.
Nenhum comentário:
Postar um comentário