Luis Rodrigo (“Azar”) – UJC/SP
O botão vermelho no
gabinete de Trump
Recentemente os
Estados Unidos assassinaram um líder militar iraniano; um episódio altamente
noticiado, e que portanto tem sido muito comentado em diversos círculos. Você
mesmo já deve ter conversado com alguém ou ao menos ouvido comentários sobre o
assunto. Agora quero que você reflita sobre as seguintes perguntas: o general
iraniano era um terrorista? O Irã enquanto país, afinal, é terrorista? Sendo
assim, o ataque ordenado por Trump foi um “ato justo de guerra”? Tome nota: o
parlamento iraniano recentemente declarou as forças armadas estadunidenses como
uma organização terrorista. Eles estão errados? E o mais importante: de quem é
que nós, brasileiros, deveríamos sentir mais medo: do Irã ou dos EUA?
Aqui eu quero
observar que o “senso comum”, a opinião média das pessoas sobre as coisas, se
presta a um papel importantíssimo; um papel político, diga-se. Muitos acreditam
que o senso comum é neutro, que não é determinado por interesses maiores,
vindos de cima; que de alguma forma esse senso comum expressa o pensamento
genuíno e autêntico do povo… bem, o que a ciência social nos tem demonstrado já
há muitas décadas é o contrário, mas neste texto procurarei mostrar com
exemplos simples, da observação cotidiana, que não é nada difícil pôr em xeque
essa noção. Procurarei, assim, levantar algumas reflexões sobre o cuidado que
todos nós devemos ter ao formar o nosso julgamento sobre alguns assuntos.
Quero começar narrando
alguns “causos”, que acho que podem ter grande valor ilustrativo e de alguma
forma servir a uma posterior análise, mais científica, do assunto.
William Bonner, a
forca e as armas químicas
O primeiro deles se
passa na zona rural nordestina. Minha mãe nasceu num povoado no interior do
Maranhão, que não cabe nomear aqui, mas quero ressaltar sobre ele algumas
coisas. Quando eu era muito novo, nos primeiros dos anos 2000, lá não havia luz
elétrica; nas minhas viagens de férias em visita a meus avós, eu, cria da
cidade, conheci a tecnologia do lampião a querosene. Rede de esgoto, então, nem
se fala: era o tempo da fossa. Pois bem, agora você já está um pouco situado na
realidade sobre a qual se desenrola o nosso primeiro “causo”.
O fato é que em
2006 já havia eletricidade e, portanto, televisão e Rede Globo. Dessa época eu
me recordo da ocasião em que o telejornal noticiava o enforcamento de um homem
no outro lado do mundo. O homem era mau, e as pessoas em frente à tevê se
regozijavam com aquela notícia; algumas quase vibravam, porque de alguma forma
a notícia era muito boa.
Talvez você já saiba
que o homem de quem falo era Saddam Hussein. As pessoas do outro lado do
televisor eram em sua maioria trabalhadores rurais, que sobreviviam ou do
próprio pequeno pedaço de terra, ou de diárias que recebiam trabalhando na
lavoura dos que tinham uma terra maior. É claro que a vida dessas pessoas era
perfeitamente a mesma com ou sem a execução de Saddam. Mas, de alguma forma,
eles foram levados a crer que aquilo era algo bom; deviam até saber que o
impacto nas suas vidas seria nulo, mas a sensação de justiça era tamanha que
havia neles a dita satisfação.
Mas qual seria a
origem dessa percepção? Seria a grande e inabalável eloquência da Verdade,
transmitida em toda a sua pureza pelos telejornais e programas de rádio da
época?
Bem, os fatos apontam
que não. Basta lembrar que a execução de Saddam era simplesmente a cereja do
bolo de uma guerra inventada pelos EUA, a qual deixou, segundo as estimativas
mais conservadoras, dezenas de milhares de civis iraquianos mortos. Alguns
estimam centenas de milhares. Do outro lado, cerca de 4 mil soldados
estadunidenses perderam a vida no conflito; por razões óbvias, nenhum civil. A
justificativa? Saddam teria armas químicas, que, 17 anos depois da invasão,
jamais foram vistas. Não resta dúvida hoje de que a motivação dessa invasão
genocida, chamada “guerra” pelo discurso oficial, era controlar os poços de
petróleo daquele país. [1]
Mas a versão dos
Estados Unidos era de que era preciso levar “democracia e liberdade” ao Iraque,
o que supostamente foi alcançado com sucesso pela invasão, cujo ápice simbólico
foi o enforcamento de Saddam. E note que essa versão, não percebida enquanto
versão, mas como verdade nua e simples, era a única presente (e onipresente)
entre aquelas pessoas simples da roça maranhense, que formavam sua opinião
assistindo ao Jornal Nacional, supostamente neutro, ou acompanhando programas
de rádio igualmente “isentos”, etc.
O que fica claro à luz dos fatos é que essa
versão não só não é neutra como é, em verdade, uma grande mentira que
justificou uma ocupação genocida. E é completamente estarrecedor que pessoas
tão humildes, num local um tanto remoto, totalmente alheio ao conflito, são
“naturalmente” levadas a essa única versão. E tome aspas: não há nada de
natural nisso; é preciso questionar e compreender o sistema midiático que
produz e reproduz esse tipo de certeza.
“Bem, mas Saddam não
era um ditador?” Aguardemos: mais adiante outra reflexão nos levará a um ponto
similar. Por ora basta dizer que, para o povo iraquiano, o assassinato do
político não era motivo de comemoração: ainda estava longe de acabar a
violência brutal daquela ocupação que só teria fim em 2011.
Duas rosas, duas
torres
Proponho ao leitor
mais uma pergunta: qual foi o maior atentado terrorista da história? Pense
rápido! Guarde sua resposta. Faça melhor: pergunte às pessoas ao seu redor.
Pergunte na rua, no bar, no seu trabalho. Não é difícil prever o resultado
desse experimento social: “o maior atentado terrorista da história foi o ataque
às Torres Gêmeas em 2001”. Eu perguntei ao Google e confirmei: segundo todas as
fontes, é isso mesmo.
Agora eu vou lhe
contar um episódio histórico que talvez você não conheça. Há algumas décadas
atrás, os Estados Unidos atacaram uma cidade japonesa. Lançaram só uma bomba.
Imediatamente mais de cem mil pessoas estavam mortas. Em segundos, a cidade
deixou de existir. Não satisfeitos, os estadunidenses repetiram a receita em
outra cidade japonesa, três dias depois. Sim, eu fui irônico; você sabe do que
eu estou falando. Quando eu perguntei do maior atentado terrorista da história,
esses dois ataques nucleares ao menos passaram pela sua cabeça?
Imagine o que é matar
mais de 100 mil pessoas em um estalar de dedos. Riscar do mapa uma cidade.
Repetir a dose três dias depois. Agora imagine viver numa cidade japonesa nesse
meio tempo, sabendo o que tinha acontecido em Hiroshima e sabendo que poderia
se repetir, a qualquer momento, em qualquer cidade. É ou não é a própria
definição do terror?
É quase certo que
jamais em toda a história da espécie humana uma quantidade tão grande de
pessoas tenha sido levada à morte num intervalo tão curto de espaço e de tempo.
Isso para não falar dos que morreram soterrados nos escombros, dos que não
sobreviveram aos ferimentos por se encontrarem sem socorro após o ataque, dos
que morreram de câncer por conta da radiação, dos que nasceram com mutações
genéticas…
O maior atentado
terrorista da história da humanidade, sem a menor sombra de dúvidas, foi o massacre
nuclear de Hiroshima. O segundo maior, o de Nagasaki. Isso é um fato.
Para fins de
comparação, o número de vítimas fatais no caso das Torres Gêmeas gira em torno
de 4 mil. Hiroshima e Nagasaki, combinadas, somam um número que varia, conforme
a estimativa, entre 100 mil e quase 300 mil mortos. De qual desses episódios
você sabe inclusive a data?
A coisa só piora
quando se levam em conta as motivações do ataque. Pôr fim à guerra, diziam. Só
que a guerra já estava vencida. Mussolini e Hitler, mortos. De fato o conflito
na Europa tivera fim, e é evidente que a situação no Pacífico já estava
desequilibrada a favor dos Estados Unidos. Não havia resquício de chance de
vitória para o Japão contra a coalizão de todas as chamadas potências aliadas.
Assim mesmo, dirão,
os japoneses se recusavam à rendição. Pois bem… quer dizer que entre os mais
estrelados estrategistas militares do Pentágono não havia um sequer capaz de
desenhar um movimento que forçasse a rendição sem liquidar duas cidades
inteiras?
Aqui vai o segundo
“causo”, não um evento pontual, mas uma memória mais ampla que trago, também,
da infância. Eu estudei num colégio privado de São Luís, muito bem estruturado,
inclusive caro. Lembro-me bem de algumas coisas que ouvia na época em que pela
primeira vez vi professores falando em aula sobre o episódio das bombas
atômicas. (É muito bom poder se referir de forma tão sucinta àqueles ataques –
afinal, nenhuma outra vez na História se lançou armas atômicas contra seres
humanos.) Eu devia ter 11 ou 12 anos.
Era comum ouvir, não sei se diretamente
dos professores ou entre os colegas que teriam ouvido de alguém, que os
bombardeios foram necessários para pôr fim à guerra, e que muito mais pessoas
poderiam ter morrido se esse “recurso” não tivesse sido usado para encerrar de
vez os conflitos. Você provavelmente já ouviu esse “argumento” em algum lugar.
Ele é tido como verdade absoluta. É o que diz o senso comum sobre esse
episódio.
“Ah, mas se não foi
pra acabar com a guerra, por que fizeram isso? Pura maldade?” Claro que não;
isso seria uma leitura maniqueísta da história. O fato é que aquele
aniquilamento de gente foi muito importante para os Estados Unidos. Era preciso
mostrar para o mundo quem ditava as regras do jogo na ordem mundial
reorganizada após a guerra. “Sabe a tal bomba nuclear que a gente tem? Pois é,
ela funciona muito bem.” Liquidar duas populações inteiras era, do ponto de
vista dos interesses do império, apenas um pequeno preço a se pagar. A ser
pago, diga-se, pelos japoneses! É esse o país que hoje se diz polícia do mundo
e anda distribuindo megatons de “democracia” no Oriente Médio.
Inclusive, não é
difícil ouvir alguém se referindo a Hiroshima e Nagasaki como palcos de uma
“tragédia”, uma “catástrofe”, ou qualquer coisa do tipo. Mas o que mostram os
fatos é que essas qualificações são completamente descabidas. Não houve ali
nenhuma tragédia: o que houve foi um crime sem precedentes, um ataque genocida,
um massacre, uma carnificina sanguinária e absolutamente terrorista; ponto
final: não se pode brigar contra a realidade!
Aliás, é curioso que
Harry Truman, mandante do ataque, não é tido na cultura popular ocidental como
um genocida. Entre os estadunidenses, certamente é visto como um patriota,
quiçá um herói. Para nós, talvez mais um homem envolvido “no negócio da guerra
e seus trágicos desfechos”; talvez não uma pessoa santa, mas com certeza não um
genocida. Che Guevara, por outro lado, muitas vezes é chamado de genocida. Qual
dos dois fez riscar do mapa duas cidades inteiras? Qual dos dois tem mais
mortes na conta? Em que pesem todas as mentiras inventadas em cima da memória
de Che, eu garanto que nem os cálculos mais inescrupulosos chegariam perto de
300 mil. Mas nem uma mísera fração disso! [2]
No fim, quem foi
enforcado no próprio país: Truman, que lançou armas nucleares contra centenas
de milhares de civis, ou Hussein, que “tinha” armas químicas invisíveis,
inodoras e insípidas?
“Direitos humanos” e
embargo
Já que tocamos no
assunto cubano, é emblemático também considerar o embargo econômico que o país
tem sofrido por parte dos Estados Unidos. Não é preciso muita pesquisa para
questionar as justificativas do embargo, o qual é condenado pela ONU há mais de
vinte anos. A última resolução de repúdio ao bloqueio econômico foi aprovada em
fins de 2019 pela assembleia geral das nações unidas por 187 votos favoráveis,
com apenas duas abstenções e três votos contrários. Os contrários são óbvios:
EUA, Israel e Brasil. (Sim: sob a chancela de Ernesto Araújo, passamos a
integrar a nata global da reação.) [3, 4]
Isto significa que
187 países do mundo são diplomaticamente contrários ao embargo, e isso inclui
Alemanha, França, Inglaterra, Canadá, Japão – quantos desses você acha que são
comunistas?
Agora, as motivações
do bloqueio seriam, genericamente, violações aos direitos humanos.
Pois bem. Sabe-se que
um dos maiores aliados dos EUA no Oriente Médio é, talvez atrás somente de
Israel, a Arábia Saudita. Esta monarquia teocrática é uma das ditaduras mais
sanguinárias do mundo atualmente, e ninguém discorda disso. A Arábia Saudita
mata gays? Sim. A Arábia Saudita mata jornalistas? Sim. Na Arábia Saudita
existe liberdade religiosa? Não. A Arábia Saudita é uma democracia? De modo algum.
A Arábia Saudita viola os direitos humanos? Hum… [5]
E veja bem, essas
perguntas não são nem um pouco polêmicas. Também não é polêmico que os EUA e a
Arábia Saudita são importantes aliados econômicos e militares. Cadê o bloqueio
econômico à Arábia Saudita, Trump? Será que tem mais perseguição política em
Cuba que na Arábia Saudita? Será que existe um complô marxista cultural entre
todas as potências capitalistas do mundo, exceto os EUA, para condenar o
bloqueio contra Cuba?
Dando liga
O que eu expus até aqui
foi essencialmente uma maratona de fatos e factoides; é bom dar uma pausa e
refletir sobre o porquê disso tudo.
O meu objetivo é lhe
mostrar, em primeiro lugar, que o senso comum não é neutro. A suposta
neutralidade seria sustentada pela ideia de que o senso comum está em
correspondência direta e harmoniosa com a verdade. Mas, como se verifica
facilmente, o senso comum nos dirá que o maior atentado terrorista da história
foi o do WTC; que os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki foram um “desfecho
trágico da violência”, necessário para pôr fim à guerra; que a invasão do
Iraque era para levar liberdade àquele povo e, se não havia de fato armas
químicas, pelo menos um ditador foi deposto; que o bloqueio econômico a Cuba é
apenas uma estratégia pacífica de combate a um regime ditatorial; que Che
Guevara era um assassino, indiscutivelmente uma figura muito mais ingrata que a
de Harry Truman; e por aí vai – apenas para ficar nos exemplos já discutidos.
Já deve estar claro,
a esta altura, que todas essas concepções são falsas.
Igualmente falsa é a
ideia geral, subjacente a todas aquelas, de que os Estados Unidos são guardiões
mundiais da liberdade e da democracia. Talvez haja certa parcela do senso comum
que não chegue ao ponto de acreditar nisso; mas a versão que substitui a mais
ingênua será algo como: o mundo é violento, existem guerras e os EUA vêm
levando a melhor, simples assim.
Isso também é falso.
O que a realidade mostra é que na verdade os EUA têm sistematicamente provocado
guerras, incentivado massacres, promovido a violência e patrocinado golpes de
Estado a nível global, há pelo menos 70 anos, por motivações estritas de
dominação econômica e política. E o discurso (completamente mentiroso) de que
cada um desses episódios encontra razão na defesa dos direitos humanos ou algo
do tipo é necessário para que você, cidadão comum, não veja os EUA como um
estado terrorista, mas sim o Irã, embora nem faça ideia do que se passa neste
último país.
É bom ratificar que o
senso comum não só não é neutro, como também não é aleatoriamente pulverizado
entre diferentes versões deturpadas da realidade. Não: existe um padrão muito
claro e bem estruturado. Esse senso comum quase invariavelmente pende para um
mesmo lado. No nosso caso, como estamos falando essencialmente de geopolítica,
esse lado é o lado dos Estados Unidos da América. Sempre.
Aliás, fique
registrado que é por isso que a esquerda radical não deixa de falar em
imperialismo. Sem esse conceito seria impossível descrever o mundo em que nós
vivemos hoje. E é um erro crasso o fato de certas esquerdas abandonarem essa
noção nas suas análises, substituindo-a por noções esquisitíssimas como “ordem
multipolar” etc. Não há “poder global” contra o poder do Império: vide a
invasão ao Iraque feita por cima do veto do conselho de segurança da ONU. [6]
Mas como pode?
É claro que, feitas
todas essas ponderações, o passo seguinte é compreender como uma miríade tão
grande de mentiras e falsificações pode ter sido transformada sistematicamente
em verdade absoluta, a ponto de uma pessoa num distante vilarejo brasileiro ter
100% de suas opiniões perfeitamente alinhadas com o discurso que melhor convém
à manutenção da dominação global por um único país. Essa visão deturpada da
realidade, feita senso comum a serviço da reprodução do status quo, é a
essência do que os marxistas chamam tradicionalmente de ideologia. O conceito
de ideologia é estudado desde o próprio Marx, e muitos outros autores têm
contribuído à compreensão dos mecanismos pelos quais a ideologia se produz e se
reproduz.
Sendo assim, entender
mais amplamente esses mecanismos demanda um aprofundamento na literatura que já
existe sobre o assunto, mas procurarei passar aqui pelo menos uma ideia do que
esses mecanismos são e, também, do que não são.
Para aquele lavrador
nordestino ter a sua opinião formada a favor dos Estados Unidos, ele passou a
vida toda assistindo a telejornais, ouvindo noticiários no rádio, etc. Num caso
um pouco mais contemporâneo, a internet teria desempenhado importante papel
também. No fundo, isso não faz tanta diferença. O fato central é que, na nossa
sociedade, o poder midiático é tão concentrado quanto o poder econômico como um
todo.
Veja: ninguém está
alegando que Donald Trump se reúne semanalmente na casa branca com os chefes
editoriais de todos os grandes jornais do mundo. Isto certamente não acontece.
Mas não precisa. Há outros meios. Por exemplo, o mercado de notícias
internacionais no mundo é praticamente monopolizado por três agências:
Associated Press, Reuters e France Press. Sobre esse assunto, escreveu muito
bem o camarada Jones Manoel em seu texto sobre a Coreia do Norte. [7]
Tornemos à questão do
Irã. A grande mídia mancheteia o assassinato de um general iraniano. De fato
isso ocorreu. Mas é preciso examinar com um pouco mais de cuidado as notícias
de G1, Estadão, Folha etc. para não passar batida a informação de que o militar
se encontrava em um aeroporto comercial em Bagdá, e que com ele morreram pelo
menos mais oito pessoas. Na matéria do G1 divulgada logo após o ataque, nada se
dizia sobre o perfil dessas pessoas; não deve ser surpreendente que houvesse,
ali, civis. A fonte da notícia? Associated Press.
Em suma, a produção e
circulação de informação é concentrada porque o poder econômico é concentrado.
Poucas pessoas controlam as notícias que chegam a você através dos meios
tradicionais, e todas elas são muito ricas, tendo portanto interesses comuns a
pessoas muito ricas.
Mas será que os donos
desses grandes jornais e canais de televisão realmente controlam o que é
noticiado?
Sim. Paulo Henrique
Amorim, com décadas de experiência no jornalismo dos oligopólios, nos contou
muito sobre isso antes de morrer. [8]
Na prática, boa parte
do poder de penetração desses meios (grande mídia) tem a ver com o fato de as
pessoas já os considerarem neutros. Mas só é esse o caso porque eles, com toda
a massividade e o alcance que têm – e têm por mera consequência do seu poder econômico
–, acabaram se tornando o próprio referencial de neutralidade. Sendo assim, é
considerado aceito numa discussão você apresentar como argumento uma manchete
do G1 ou do Estadão, mas experimente usar a Carta Capital – são de esquerda!
Para ilustrar, um
último exemplo. Nós temos visto, mês após mês, a grande mídia brasileira
noticiar que as taxas de desemprego estão diminuindo. A manchete de sempre:
“desemprego tem nova queda”; entre os mais ousados se lerá “queda tímida”. Mas
não basta ler a manchete para descobrir que a taxa de desemprego só diminui (a
ridículos 0,2% ao mês) porque são considerados empregados os que estão
trabalhando sem carteira assinada no setor privado ou como “autônomos” sem
CNPJ. Ou seja, o que está aumentando é o trabalho informal.
Estes somam, hoje,
39 milhões. Juntamente aos desempregados, batem os 51 milhões. Esta soma não
para de crescer desde Temer. A precarização do trabalho no Brasil só aumenta,
mês após mês: trabalhar de carteira assinada já é um luxo. Percebe que “desemprego
tem nova queda” não é uma manchete tão fiel?
Dá pra pensar muito
além do mercado de notícias propriamente dito. Cinema, escola, Igreja, a
própria família… tudo entra no que chamamos de “aparelhos ideológicos”,
significando, em essência, que essas instituições também transmitem
consistentemente ideias sempre enviesadas para a manutenção desse tal senso
comum que, como você já sabe, cumpre um papel político muito preciso. É
assistindo a filmes de Hollywood que todos nós aprendemos que a derrota de Hitler
foi um triunfo e um mérito do exército estadunidense. Quantos filmes russos
você já viu sobre a Segunda Guerra? Pois é…
Talvez você acredite
que, hoje, você tem um grande poder sobre essa circulação de informações,
porque você tem um smartphone. Mas não se engane. A maior parte das notícias
lidas no Brasil ainda vêm de oligopólios gestados nas mídias tradicionais, como
Globo, Estadão, Folha, R7 etc. As correntes de WhatsApp que você recebe são
muitas vezes geradas por robôs que trabalham para interesses muito específicos
e muito bem pagos. [9]
Eu não pretendo de
forma alguma esgotar a questão com um comentário tão breve, mas apenas indicar
que, num mundo em que tão poucos detêm toda a riqueza, não chega a ser
surpreendente que a sua opinião sobre a maioria dos assuntos seja exatamente a
que os donos do mundo querem que você tenha.
Arremate
“E agora? O que eu
faço com isso tudo?”
É preciso ter clareza
de que este texto é apenas introdutório. Meu principal objetivo era fazer com
que você, leitor, começasse a se questionar sobre contradições que talvez não
tivesse percebido ainda. Numa conversa vulgar sobre a questão do Irã, você
talvez já seja inclinado, antes de se informar, a achar que esses “árabes” são
os terroristas e, portanto, o lado mau da história. (O Irã não é um país
árabe!) Mas, para muitas pessoas no Oriente Médio, os EUA é que são os
terroristas.
Como nós não convivemos diretamente com esse tipo de violência,
nossa opinião é formada através dos meios de comunicação, notadamente os de
massa, a grande mídia. Mas, como vimos, esses meios não são imparciais. E não o
são por razões materiais, concretas, pela maneira como se inserem na sociedade
os seus principais caciques, pelos interesses envolvidos, pela cadeia
internacional de produção e transmissão de informações, etc.
Sendo assim, um bom
primeiro passo é buscar se informar, também, através da mídia chamada
alternativa. Muitas coisas que não são noticiadas na Globo e similares saem em
páginas da internet que se mantém através de financiamento coletivo ou de
grupos que conseguem levantar fundos de maneira autônoma. Muitos movimentos
sociais e partidos políticos também mantém seus veículos de mídia.
Abaixo
trarei uma lista de páginas que podem ser boa fonte de informação, mas não se
pode de forma alguma entender isso como uma solução mecânica. [10-14]
Libertar-se da visão dos fatos deturpada pela ideologia dominante é um processo
que, num certo sentido, não acaba nunca, mas precisa ser sustentado. Procure
usar sempre de senso crítico para pesar a origem das informações, os interesses
por trás de quem as veiculou, etc. (E abandonar de vez o mito da neutralidade
da Rede Globo, ok?)
Mas, para uma
compreensão mais aprofundada, que terá inclusive importante influência sobre a
própria postura no ato de se informar, é importante ter contato com maiores
reflexões acerca da temática da ideologia. Também indicarei mais material
introdutório sobre o assunto. [15-17]
Evidentemente, também
procurei mostrar que os Estados Unidos não estão nem um pouco interessados na paz
mundial, e só estarão se esta se tornar mais lucrativa que a guerra. Refletir
com rigor acerca de qual pode ser a saída, de como se poderia construir uma
ordem mundial em que deixem de imperar esses interesses que levam
inexoravelmente à violência, é também imprescindível para que se forme uma
leitura honesta e coerente das relações de poder no mundo. Sustentamos que a
construção dessa nova ordem passa necessariamente pela solidariedade
internacional entre nações socialistas. Mas essa temática já não cabe neste
texto; sobre isso, e sobre imperialismo, deixarei também mais material para
consulta. [18-20]
Agradeço aos
camaradas e amigos que revisaram criticamente as primeiras versões deste texto.
Referências externas
[1]
http://m.acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,com-justificativa-falsa–iraque-era-invadido-ha-10-anos,8951,0.htm
[2]
https://www.youtube.com/watch?v=2cFscxhhwxE
[3]
https://news.un.org/en/story/2019/11/1050891
[4]
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/11/07/brasil-muda-posicao-historica-e-vota-contra-resolucao-que-condena-embargo-a-cuba-na-onu.ghtml
[5]
https://oglobo.globo.com/mundo/alta-comissaria-da-onu-para-os-direitos-humanos-condena-decapitacao-de-37-homens-pela-arabia-saudita-23619061
[6]
https://www.estadao.com.br/noticias/geral,invasao-do-iraque-sem-autorizacao-da-onu-foi-um-erro,484948
[7]
https://blogdaboitempo.com.br/2019/05/29/sim-eu-apoio-a-coreia-do-norte-notas-sobre-anticolonialismo-imperialismo-e-hegemonia/
[8]
https://www.youtube.com/watch?v=2TF1EYI-Tco
[9] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/09/19/fake-news-pro-bolsonaro-whatsapp-eleicoes-robos-disparo-em-massa.htm
[10]
https://revistaopera.com.br/
[11]
https://operamundi.uol.com.br/
[12]
https://theintercept.com/brasil/
[13]
https://mst.org.br/
[14] https://pcb.org.br/portal2/
[15]
https://revistaopera.com.br/2017/09/15/linguagem-e-ideologia-como-os-jornais-mentem-sobre-a-economia-do-brasil/
[16]
https://pcb.org.br/portal2/8516/violencia-e-ideologia/
[17]
https://www.youtube.com/watch?v=PO42EKGODCA
[18]
https://youtu.be/rW9LaT4u7Y8
[19]
http://www.esquerdadiario.com.br/O-que-e-Imperialismo-Algumas-reflexoes-sobre-sua-influencia-no-Brasil-hoje
[20]
https://portaldisparada.com.br/politica-e-poder/imperialismo-america-do-sul/
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