IHU – UNISINOS
“21 Terras
Indígenas com registros da presença de povos isolados estão invadidas:
seja por madeireiros, garimpeiros, grileiros, caçadores, pescadores e
extrativistas vegetais”, afirma o Conselho Indigenista Missionário –
Cimi em nota publicada em seu portal, 12-11-2019.
Eis a nota.
Está em curso
o extermínio programado dos povos indígenas livres ou
em situação de isolamento voluntário no Brasil. Não se trata tão
somente de uma omissão do governo federal, mas de sua ação deliberada para
permitir que esses povos sejam massacrados. Faz parte desse plano criminoso e
genocida a desconstrução de todo o sistema de proteção da Fundação
Nacional do Índio (Funai), ao mesmo tempo que, ora de forma velada, ora de
forma explícita, respalda os invasores de seus territórios.
Segundo os dados
coletados entre janeiro e novembro deste ano pelo Relatório Violência
Contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), 21 Terras Indígenas com registros da presença
de povos isolados estão invadidas: seja por madeireiros, garimpeiros,
grileiros, caçadores, pescadores e extrativistas vegetais. O levantamento não
engloba os territórios com a presença desses povos onde não há nenhuma
providência em termos de demarcação e proteção de suas terras. No total existem
no Brasil registros de 114 povos indígenas isolados, dos quais apenas
28 são confirmados pela Funai.
A estratégia
de extermínio e genocídio se torna ainda mais evidente sabendo que o
governo conhece muito bem a situação de vulnerabilidade em que se encontram
esses povos, a fragilidade que têm para se defender e a liberdade de ação de
criminosos em regiões sem a presença protetiva do Poder Público.
Os povos
indígenas isolados, assim como os demais povos indígenas e comunidades
tradicionais, a própria Floresta Amazônica e tudo que nela habita e
seus aliados e defensores, não só são considerados como obstáculos, mas como
inimigos a serem combatidos, vencidos ou destruídos, na medida em que
atrapalham ou oferecem resistência aos planos governamentais.
Por isso, o governo
convenientemente fecha os olhos e favorece a ação de assassinos e criminosos
ambientais que se encarregam do serviço sujo. Uma vez “limpo” o caminho, estão
dadas as condições para a apropriação das terras por latifundiários para a
produção de commodities agrícolas e para que empresas promovam o saque das
riquezas naturais da região, como a exploração mineral, inclusive pelo garimpo,
que o governo pretende liberar nas terras indígenas. Essa lógica perversa, que
permite o extermínio da sociobiodiversidade da Amazônia para
satisfazer a ganância de poucos, precisa ser parada.
Na Terra
Indígena Vale do Javari (AM), concentração do maior número de povos
indígenas isolados no país, com 18 registros, de dezembro de 2018 até o momento
já aconteceram cinco ataques a tiros contra a Base de Proteção
Etnoambiental do Rio Ituí-Itacoaí denunciados pela União das Nações
Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e confirmados pelos funcionários da
Funai que trabalham nessas bases.
Em setembro deste
ano, o servidor da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado
em Tabatinga, no Amazonas, provavelmente devido ao seu trabalho de
fiscalização na Base do Rio Ituí-Itacoaí. Além disso, missionários
fundamentalistas, inclusive estrangeiros, estão entrando na TI Vale do
Javari sem autorização dos povos indígenas e desrespeitando as medidas de
proteção da Funai, colocando em sério risco a sobrevivência desses povos
isolados.
A situação se espelha
país afora. Paulo Paulino Guajajara, guardião da floresta, foi assassinado
a tiros, em 1 de novembro, numa emboscada executada por invasores no interior
da Terra Indígena Arariboia (MA), habitada
pelo povo Guajajara e grupos isolados Awá-Guajá. Laércio
Guajajara, que acompanhava Paulo Paulino, sofreu uma tentativa de
homicídio ao ser atingido por dois tiros: um no braço e outro nas costas. A
Terra Indígena sofre com a invasão de madeireiros e caçadores há anos. São
indivíduos que se sentem à vontade para atacar os indígenas no interior de suas
terras e são uma grande ameaça aos grupos isolados.
Na Terra
Indígena Inãwébohona, localizada na Ilha do Bananal, no dia 9 de outubro,
foram avistados oito indígenas isolados por um brigadista
do PrevFogo durante ação de combate a um grande incêndio florestal,
confirmando as informações de indígenas da região e do Cimi com
insistentes pedidos e repasses à Funai para que as necessárias
medidas de proteção fossem adotadas. As autoridades, apesar do evidente risco
que corre esse povo isolado devido ao grande número de invasores explorando as
riquezas naturais nessa Terra Indígena e dos grandes incêndios
no período seco, e mesmo provocadas a agir pelo Ministério Público
Federal (MPF), se mantêm em silêncio.
Na carta divulgada no
dia 06 de novembro, dirigida “à sociedade brasileira e às autoridades
competentes”, o conjunto de servidores lotados nas Frentes de Proteção
Etnoambiental (FPEs) da Funai manifestam sua preocupação diante
desse quadro assustador de ameaça a vida dos povos indígenas
isolados e revelam sua angústia e impotência porque não são oferecidas as
devidas condições de trabalho, a segurança e o respaldo para exercerem o seu
papel de fiscalização dos territórios.
Os povos indígenas isolados,
que se deslocaram para os lugares mais inacessíveis da Amazônia para
fugir da violência das frentes de expansão econômica capitalista e para manter
a sua liberdade, têm direito à vida, a seus territórios e o respeito à opção
que fizeram, assegurados pela legislação brasileira e pelos Tratados e
Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário. A
ninguém cabe desrespeitá-los, muito menos aqueles a quem foi confiado a
responsabilidade de zelar pelo seu cumprimento.
Trazemos aqui um
trecho do documento final do Sínodo da Amazônia: “a ganância pela terra
está na raiz dos conflitos que levam ao etnocídio, além do assassinato e
criminalização dos movimentos sociais e de seus líderes. A demarcação e
proteção da terra é uma obrigação dos estados nacionais e seus respectivos
governos”.
Conforme disse
o papa Francisco em Porto Maldonado, no Peru, em janeiro de 2018, os
povos indígenas “são os mais vulneráveis entre os vulneráveis (…) continuem
defendendo esses irmãos mais vulneráveis. Sua presença nos lembra que não
podemos dispor dos bens comuns ao ritmo da avidez do consumo”.
Brasília, 12 de
novembro de 2019.
Conselho Indigenista
Missionário (Cimi)
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/594318-nota-do-cimi-sobre-o-exterminio-programado-dos-povos-isolados-ao-menos-21-terras-indigenas-estao-invadidas
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