EL PAÍS - Afonso Benites
Jair Bolsonaro inaugura no Planalto a arte de ignorar
solenemente investigações ou denúncias de má conduta contra seus assessores. Pouco
importa o que a imprensa, tida como inimiga de antemão, publica ou mesmo o que
as autoridades apontam. Não era assim nas gestões anteriores, quando havia
diferentes graus de constrangimento, pressão da base, preocupação “com a
opinião pública”.
Sob Bolsonaro, que fez campanha tendo como bandeiras a ética
e o combate à corrupção, só perde a função quem não tiver mais a confiança do
presidente ou a de seus três filhos
que estão na política. Essa é a única
regra que vale, como mostram a saída de Gustavo Bebbianno e o general Carlos
Alberto dos Santos Cruz (sem falar do descarte de Joice Hasselmann da liderança
do Governo na Câmara).
É seguindo a toada
que Bolsonaro decidiu manter na ativa, ao menos por ora, mais um de seus
assessores contra quem pesa dúvidas: o secretário de Comunicação da Presidência
da República, Fábio Wajngarten.
Nesta semana, o jornal Folha de S. Paulo revelou
que a empresa da qual Wajngarten detém 95% das ações, a FW Comunicação, recebe
dinheiro de pelo menos duas emissoras de TV (Record e Band) e de três agências
de publicidade contratadas pela Secretaria de Comunicação, por ministérios e
por estatais federais. Cabe à Secom distribuir a verba de propaganda da
Presidências e criar as normas para as contas dos demais órgãos da União. Além
disso, o secretário nomeou como seu número dois na secretaria o irmão do
profissional que o substituiu na administração da FW assim que assumiu o cargo
público.
Em sua
defesa, Wajngarten diz que não há conflito de interesses porque
os contratos eram anteriores ao cargo que ocupa. O secretário recorreu à
fórmula tão usada por seu chefe Bolsonaro: quando emparedado, atacar a imprensa
e tentar desacreditá-la. Nesta semana, o presidente mandou até uma repórter
calar a boca, numa escalada de virulência sem precedentes. Um levantamento
da Federação Nacional
dos Jornalistas (Fenaj)
mostra que 2019 registrou 208 ataques a veículos de comunicação, sendo que 58%
deles, ou 121, foram feitos pelo presidente. Em 114 dessas ocasiões Bolsonaro
tentou desacreditar o trabalho dos jornais e dos jornalistas.
Um dos motivos da
desenvoltura é o que discurso contra a imprensa reverbera entre seus
apoiadores, uma base longe de ser a maioria, mas bastante inflamada,
constantemente estimulada e coesa. Uma amostra são os que aplaudem qualquer
grosseria que sai da boca presidencial na frente do Palácio da Alvorada quase
diariamente.
No plano político,
também há explicações para esse novo modus operandi. Antes, na hora
de compor seu gabinete, qualquer ocupante da cadeira presidencial levava em
conta a coalizão que lhe dava suporte. Se um ministro de um partido X ou Y era
investigado ou denunciado por determinado delito, começava seu processo de
fritura e algum tempo depois, ele caía. Agora, numa gestão sem base
congressual, sem partidos políticos para agradar, o presidente se vê livre para
fazer o que bem entender com quem lhe serve. Ainda que para isso se baseie em
teorias conspiratórias e ignore fatos claros, documentados.
Antes de Fábio Wajngarten, o presidente já havia garantido no ministério
Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), denunciado pelo Ministério Público por um
esquema de candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais. Há um reconhecimento
quanto à lealdade de Marcelo. Quando foi esfaqueado, em Juiz de Fora, o
ministro estava ao seu lado e ajudou a socorrê-lo.
O caso de Sergio
Moro (Justiça), cuja atuação na Lava Jato foi questionada após vazamentos publicados pelo site The Intercept mostrarem
uma incomum proximidade com procuradores, é diferente. O presidente o manteve
por perto porque sabe que boa parte do apoio que possui depende do ex-juiz, um
dos políticos mais populares do país atualmente. Mais do que isso, Moro é um
dos ativos que Bolsonaro ainda tem para se apresentar como um paladino
anticorrupção —um equilíbrio que só durará, claro, enquanto o ex-juiz estiver
disposto a dar demonstrações públicas de lealdade quase cega.
Wajngarten parece possuir essas credenciais. Apoiador da
campanha presidencial em 2018, o secretário chegou ao cargo sustentado pelo
vereador Carlos Bolsonaro, que queria destituir da função Floriano Amorim, um
antigo assessor de seu irmão, o deputado Eduardo Bolsonaro.
Carlos é o ideólogo
do presidente nas redes sociais e sempre teve influência sobre o pai. Nos
últimos meses, contudo, Wajngarten perdeu apoio de Carlos porque se aproximou
do advogado Frederick Wassef, defensor do senador Flávio Bolsonaro no caso das
“rachadinhas” na Assembleia do Rio de Janeiro. Carlos e Flávio não se dão bem.
Consecutivamente, o secretário se aproximou de Flávio e ouviu as seguintes
palavras do presidente: “O que eu vi até agora, está tudo legal com o Fábio.
Vai continuar. É um excelente profissional. Se fosse um porcaria igual alguns
que tem por aí, ninguém estaria criticando ele”. No bolsonarismo pode se
considerar quase uma comenda.
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