Marina Silva na COP 25, em Madri./ Divulgação |
EL PAÍS - Afonso Benites
Ex-senadora,
ex-ministra do Meio Ambiente, candidata derrotada à Presidência da República e
ativista ambiental, Marina Silva, 62 anos,
transitou nessa sexta-feira pela Conferência do Clima em Madri (COP 25)
vestindo uma camiseta com os dizeres: “Na luta desde pirralha”. Era uma
provocação ao presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que chamou a ativista Greta Thunberg de
pirralha, por ela ter se solidarizado com a morte de dois indígenas Guajajara no
Maranhão ocorridas no dia 7. Nesta sexta-feira, mais um foi assassinado,
Erisvan Soares Guajajara, 15 anos.
Enquanto
acompanhava os eventos de encerramento do encontro, Marina concedeu uma
entrevista por telefone ao EL PAÍS e disse que a COP 25 teve resultados
insignificantes, criticou a gestão Bolsonaro-Salles no meio
ambiente, afirmou que o aumento da violência contra indígenas ocorre porque os
criminosos sentem-se impunes e declarou que permitir a mineração na Reserva Nacional do Cobre e
Associados (Renca) no Norte do Brasil seria um crime de
lesa-pátria.
P. Qual o balanço a senhora faz da COP 25?
R. Ainda não temos o veredito final. Mas pelo decorrer das coisas,
vamos sair daqui com resultados bastante insignificantes diante da magnitude do
problema que temos. Essa COP tem uma característica particular. Diferentemente
da COP de Paris, onde havia um acordo a ser assinado, e que cada país deveria
dar o seu sim ao acordo, nessa são acordos mais pulverizados.
Infelizmente, o contexto dessa COP é bastante delicado.
P. Em que sentido é delicado?
R. A União Europeia sempre teve um papel importante na
alavancagem do debate. E o Brasil também. Com o Brexit não temos mais o tripé,
França, Alemanha e Reino Unido. No meu entendimento, isso enfraqueceu a
liderança da União Europeia na negociação. Também eles têm o problema do avanço
do populismo. Os Governos têm de se deparar com as lideranças populistas que
são contrárias ao debate sobre a mudança climática. Os Estados Unidos também
saindo do Acordo de Paris significam
um enfraquecimento enorme. A Rússia e a China também não fazem os esforços
necessários. O resultado aqui não será promissor. Só haverá uma mudança de
contexto, em termos políticos mais amplo, se os democratas elegerem o
presidente e a maioria do Congresso nos Estados Unidos. Só isso criará uma nova
força gravitacional para que uma próxima COP possa avançar. Se tivermos a
eleição de um Governo como o do Donald Trump, só teremos dificuldades.
P. Mas nessa reunião não houve um aumento da
participação da sociedade civil?
R. Essa é uma contradição. No ritmo que estamos não
atingiremos a meta de conter as emissões de CO2 em um ano e meio, dois. Ter
esse aumento de desmatamento, governos negacionistas, que é o caso de Trump e
Bolsonaro, é algo muito preocupante. Por outro lado, tivemos, sim, uma forte
participação da sociedade, com indígenas, jovens. E tudo em um contexto em que
a sociedade defende os esforços para amenizar as alterações climáticas, mas
parece que as grandes empresas e os Governos não querem.
P. Qual a avaliação que pode ser feita sobre a participação
do Brasil nessa COP 25?
R. Este é um governo negacionista, que nega a mudança climática. Eles vieram para a COP
muito mais para dificultar do que para contribuir. O Brasil vinha contribuindo
positivamente desde o protocolo de Kyoto, da ECO 92, da Rio +5, da Rio +20.
Viemos de um ano com resultados muito negativos, com aumento de desmatamento,
das queimadas. O Brasil não vai alcançar suas metas de redução na emissão de
gases. Temos um aumento da violência, aumento de assassinatos de indígenas e
lideranças de comunidades. Além de não ter querido sediar a COP. O Brasil foi
um mercenário, que prometeu só fazer os esforços de redução das emissões, do
desmatamento e das queimadas, se os países ricos pagarem para que se faça isso.
Ou seja, o Brasil teve uma atitude mercenária na COP. Quando fui ministra, nós
reduzimos em 83% o desmatamento, evitando 4 bilhões de CO2 serem lançados na
atmosfera não foi porque alguém nos pagou, mas porque essa era nossa obrigação,
era nossa contribuição em uma atitude multilateral.
P. O discurso do Governo Bolsonaro é o de que a
questão da Amazônia tem de levar em conta a soberania nacional.
Qual a sua opinião sobre essa postura?
R. Eu costumo dizer o seguinte: ninguém cuida do
próprio filho somente se alguém lhe pagar. Posso até receber uma ajuda para
educar meu filho melhor, para dar uma moradia ou um transporte melhor para o
meu filho. Mas eu não condiciono cuidar do meu filho, por mais precária que
seja a minha condição, se alguém me pagar para isso. É certo, a Amazônia é de
nossa inteira soberania. Mas soberania implica em responsabilidade. Não posso
dizer que sou soberano, mas só cuido daquilo que eu sou soberano, se alguém me
pagar. Somos inquestionavelmente soberanos sobre a Amazônia brasileira, assim
como o Peru é sobre a peruana, a Bolívia sobre a boliviana. Quando fui ministra
cumprimos com a nossa responsabilidade.
P. A senhora usou durante a COP uma camiseta em alusão
à fala de Bolsonaro sobre a ativista
Greta Thunberg [Com os dizeres “Na luta desde pirralha”].
Discursos radicais como o do presidente acabam reforçando a necessidade de se
discutir o tema ambiental?
R. Eu comecei meu ativismo quando tinha 17 anos, junto com o Chico
Mendes. Estou, de fato, na luta desde pirralha. Ele está no posto mais elevado
de um país e fazendo discursos que são deseducativos, porque são inoportunos e
agressivos. A Greta havia se solidarizado com a tribo Guajajara, com o
assassinato de dois índios. E o presidente, ao invés de atacar os criminosos
com investigações e punições justas, ele ataca uma adolescente que está se
solidarizando com as vítimas. É uma regressão civilizatória. Um presidente da
República agredindo uma adolescente, uma criança, é a coisa mais
anticivilizatória que eu já vi.
P. Qual é o balanço que a senhora faz da gestão Ricardo Salles no
Meio Ambiente?
R. É a gestão da desconstrução, do desmonte da
política ambiental brasileira. Como se não bastasse ele ter feito toda a
desconstrução, ele veio para a COP igualmente, naquilo que ele podia,
desconstruir os esforços multilaterais. Em menos de um ano ele conseguiu
desmontar o que foi feito ao longo de mais de três décadas. Ele abandonou o
plano de combate ao desmatamento, enfraqueceu o Ibama, o ICMBio, desmontou todo
o trabalho que havia sendo feito pelo Inpe do ponto de vista da gestão com [cientista] Ricardo Galvão. Como eu
sou uma mulher de fé, Deus e a Justiça dos homens são tão bons porque o Ricardo
Galvão foi atacado pelo Bolsonaro e está agora entre os dez melhores cientistas
do mundo, de maior influência. Bolsonaro agride uma adolescente e ela é a personalidade do ano da
revista Time.
O Bolsonaro vai na contramão de tudo
o que tem a ver com avanço. Esse desmonte que eles fizeram é algo que vai cada
vez mais aumentar. Neste ano tivemos quase 30% de desmatamento, com a medida
provisória da grilagem, o enfraquecimento do Ibama e do ICMBio, a falta de
suporte da Polícia Federal com inteligência, a falta de apoio do presidente e
do ministro com os funcionários que lidam com a agenda ambiental, vai fazer com
que o desmatamento no ano que vem seja incomparavelmente maior. E as queimadas
também.
Aqui na COP, nem a
presença do Brasil teríamos mais, se não fossem as ONGs com um espaço. Dentro
do pequeno escritório que era apenas do Governo, tinha uma alusão ao
agronegócio dizendo que eles eram os amigos da proteção ambiental. E os índios
sendo assassinados, as ONGs sendo criminalizadas, intimidadas e caluniadas. Os
cientistas sendo desmoralizados e as estruturas sendo desmontadas.
P. Dados da Comissão Pastoral da Terra mostram que 2019 já bateu o
recorde de mortes de indígenas no país na última década. Foram oito mortes até
o momento. Por que tem ocorrido tantos casos?
R. Os criminosos estão se sentindo empoderados. Eles
apostam na impunidade. O discurso de ódio, de descaso feito contra os índios,
que nunca havia sido feito por nenhum Governo, estimula essas milícias rurais e
florestais. Como se não bastassem as milícias urbanas agora temos as milícias
rurais e florestais que assassinam pessoas com requintes de crueldade.
P. A resposta que o Governo tem dado aos últimos casos
de assassinatos indígenas, com o envio da Força Nacional ao Maranhão, por
exemplo, foi satisfatória?
R. Acaba de ser assassinado um adolescente indígena
com a Força Nacional no Estado. Mas só vamos ver a violência arrefecer quando
se investigar e punir os mandantes e os executores dos crimes. Tem de se passar
uma mensagem de que não haverá mais qualquer expectativa de impunidade. Fazer
um trabalho de inteligência para identificar esses grupos organizados que estão
orquestrando esses crimes contra os índios e contra as populações locais que
resistem contra o desmatamento e a exploração ilegal de madeira.
P. E no caso da prisão dos brigadistas de Alter do Chão.
Há uma tentativa de criminalizar a atuação de ONGs, na sua opinião?
R. É algo que precisa ser acompanhado com todo o rigor pelas
organizações de Direitos Humanos e pela imprensa. Porque as investigações,
tanto da Polícia Federal quanto do Ministério Público Federal, apontavam um
grupo de grileiros e criminosos que desmatavam a terra. Não havia qualquer
indício de envolvimento daqueles jovens. No entanto, o delegado e o juiz
prenderam aqueles jovens. O risco é de que, com a visão autoritária do Governo,
eles estejam fabricando fatos para dar credibilidade às suas narrativas.
Inventam narrativas e podem depois estar construindo fatos para dar base a
elas. As pessoas estão se sentindo intimidadas, perseguidas, injustiçadas.
P. O que podemos esperar para o meio ambiente em 2020?
Consegue ver algo positivo?
R. Se o Congresso Nacional suspender a tramitação de
todos os projetos contrários ao meio ambiente e aos índios, pode ser algo
positivo. O projeto de mineração em terras indígenas passará pelo Congresso,
assim como a medida provisória da grilagem, as leis que tentam reduzir reserva
legal e diminuir unidades de conservação também. Se os presidentes da Câmara e
do Senado não admitirem retrocessos, eles podem retirar da pauta esses projetos
antiambientais. Isso será uma coisa boa. Mas só isso não basta, porque o
Governo continuará com a prerrogativa de enfraquecer as ações do Ibama, do
Inpe, do ICMBio, sem dar apoio a fiscais e gestores ambientais. Essa é a
primeira vez que temos um Governo e um ministro antiambientalistas.
P. O Governo Bolsonaro estuda reeditar o decreto de Michel Temer
que extinguiu a Renca. Qual
é a sua opinião sobre esse movimento?
R. Na época do Temer ele tentou e a mobilização da
sociedade o impediu. Espero que a mesma sociedade ajude a impedir. E a Justiça
sobretudo faça esse impedimento. Se ele reeditar o decreto, haverá um conjunto
de ações. Se chegar a esse ponto, a Justiça brasileira pode cumprir um grande
papel. Como já o fez quando impediu que a Funai saísse do Ministério da Justiça
e fosse para o Ministério da Agricultura. Mineração na Renca é um crime de
lesa-pátria porque será um grande prejuízo ambiental para aquela imensa área
preservada.
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