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Por Bruno Fonseca, da Agência Pública
Quase meio bilhão de reais – essa é a
quantia que entidades religiosas devem à Receita Federal. O levantamento,
realizado pela Agência Pública por
meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), revela que 1.283 organizações
religiosas devem R$ 460 milhões ao governo. Desse total, 23 igrejas possuem
dívidas de mais de R$ 1 milhão cada uma.
A maior devedora é a neopentecostal
Internacional da Graça de Deus. A igreja deve, sozinha, mais de R$ 127 milhões,
segundo valores apurados pela Receita em agosto deste ano. Isso é mais de um
quarto de todas as dívidas de entidades religiosas com a União. E a dívida da
igreja vem aumentando: era de R$ 85,3 milhões em 2018, segundo reportagem da Folha de S.Paulo.
O fundador da Internacional, o
missionário Romildo Ribeiro Soares, reuniu-se com o presidente Jair Bolsonaro
ao menos duas vezes este ano: em agosto e em novembro. No primeiro
dos encontros, estavam presentes o secretário da Receita Federal, Marcos
Cintra, e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na data, o presidente defendeu simplificar a prestação de
contas de entidades religiosas e disse querer “fazer justiça para os pastores”.
Nos dois encontros, o presidente Bolsonaro recebeu também o filho de R. R.
Soares, o deputado David Soares (DEM-SP).
Fundada em 1980, no Rio de Janeiro, a
Internacional da Graça de Deus é uma dissidência da Universal – seu criador, o
missionário Romildo Ribeiro Soares, é cunhado de Edir Macedo. Após início
modesto no centro da capital fluminense, a igreja se expandiu pela Baixada
Fluminense, abriu templos em todo o país e atualmente tem ministérios na
Argentina, Peru, Uruguai, Paraguai, Chile, Estados Unidos, México, Portugal,
Espanha, França, Inglaterra, Japão e África do Sul.
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A maior parte da dívida da
Internacional é previdenciária, isto é, de valores não pagos pela igreja sobre
a folha de pagamento dos seus funcionários, como a contribuição patronal ao
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). E, segundo decisões recentes da
Justiça, os próprios pastores da igreja podem ser incluídos nesse grupo de
funcionários sobre os quais a Internacional deve impostos.
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Em abril deste ano, o Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT) reconheceu o vínculo empregatício
de um ex-pastor da Internacional com a igreja. Por unanimidade, o
tribunal decidiu que o antigo ministro de confissão religiosa da Igreja Internacional
da Graça de Deus, deveria ter a carteira de trabalho assinada pela igreja. Ele
recebia salário de R$ 2 mil para ministrar cultos, evangelizar em praças e
prestar assistência espiritual para a comunidade, entre outras atividades.
Na decisão, o tribunal apontou que,
além de trabalhar subordinado à direção da igreja, o pastor precisava cumprir
metas mensais de arrecadação – sob o risco de ser excluído da organização caso
não atingisse os valores. Além de reconhecer o vínculo empregatício ao longo de
mais de oito anos de trabalho para a Internacional, a Justiça determinou que a
Igreja arque com férias não pagas, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), horas extras e outros direitos trabalhistas. A ação foi enviada
ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) em agosto.
A Pública procurou a igreja, que não respondeu até o fechamento
da matéria.
A segunda entidade religiosa que mais
deve à Receita também é evangélica e neopentecostal: a Igreja Mundial do Poder
de Deus, fundada pelo apóstolo Valdemiro Santiago, outro ex-pastor da Igreja
Universal. A Mundial deve mais de R$ 83 milhões à Receita. Desse total, R$ 5,7
milhões são apenas de contribuições não pagas de FGTS pela organização.
Já a terceira maior devedora é a
católica Sociedade Vicente Pallotti, com sede em Santa Maria, no Rio Grande do
Sul. A entidade deve mais de R$ 61 milhões à União, R$ 59 milhões de
contribuições previdenciárias.
A reportagem buscou ambas as entidades,
que não responderam até o momento.
Com dívidas
milionárias, arrecadação de igrejas cresceu 40% em dez anos
Igrejas e organizações evangélicas
são a maioria entre as entidades religiosas que devem à Receita – elas
representam mais de 87% do total. Em seguida, vêm grupos católicos, com cerca
de 6%. A dívida das entidades evangélicas também é maior: juntas, elas devem
mais de R$ 368 milhões, cerca de 80% do total em dívidas. As católicas reúnem
cerca de 18% do valor devido.
Assim como ocorre com a Igreja
Internacional da Graça de Deus, a maior parte das dívidas das entidades
religiosas com a Receita é previdenciária: mais de 82% da dívida total das
organizações se refere a valores não pagos em relação aos seus funcionários, como
a contribuição ao INSS. Isso coloca as igrejas em um padrão diferente das
dívidas das empresas não religiosas, nas quais a maior parte dos débitos não é
previdenciária, como o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e a Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Apesar das dívidas, a arrecadação das
instituições religiosas vem crescendo ano após ano. Segundo dados obtidos pela Pública, também por meio da LAI,
a arrecadação dessas entidades bateu R$ 674 milhões em 2018. Em dez anos, a quantidade
de dinheiro que as igrejas arrecadaram cresceu cerca de 40%, já corrigida a
inflação no período.
A principal fonte de renda das
entidades religiosas no país tem sido a doação de particulares e transferências
governamentais, como, por exemplo, contratos para comunidades terapêuticas e
obras de assistência social – segundo o Globo, em 2019 o governo destinou R$ 153,7 milhões a centros
terapêuticos religiosos. De acordo com dados da Receita, entre 2006
e 2016 mais da metade de tudo que igrejas arrecadaram veio dessas duas fontes –
a Receita não especificou quanto provém de cada origem. Além das doações e
contratos com o governo, as entidades religiosas têm ganhado dinheiro com a
venda de bens e serviços e aplicações financeiras.
A quantidade de entidades registradas
na Receita também tem crescido anualmente. Em 2018, o número de instituições
religiosas no país passou de 25 mil. Em 2005, não chegavam a 15 mil.
Igrejas tentaram
anistia de dívida, apesar de já contarem com uma série de imunidades
A dívida milionária das entidades
religiosas com o governo quase teve um fim em 2017. Na época, a bancada
evangélica havia conseguido incluir as igrejas nas organizações que teriam
anistia de dívidas, na votação da Medida Provisória do Refis.
Segundo reportagem do UOL,
foi o deputado Alberto Fraga (DEM-DF) o responsável por acrescentar igrejas no
texto da medida. “Fiz isso porque os deputados evangélicos do meu partido me
pediram e eu concordo com a ideia. Se as empresas poderiam aderir ao Refis, não
vejo motivos para que as igrejas não possam”, disse o deputado à reportagem. A
cláusula, contudo, foi derrubada pelo Senado.
Neste ano, o governo Bolsonaro flexibilizou a
prestação de contas de entidades religiosas. Igrejas que arrecadem
menos de R$ 4,8 milhões não precisam mais enviar dados financeiros à Receita
pela Escrituração Contábil Digital (ECD). Antes, qualquer igreja que
arrecadasse mais de R$ 1,2 milhão precisava enviar seus dados dessa forma.
As entidades religiosas já possuem
uma série de benefícios tributários, como explica o professor de direito da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Paulo Roberto Coimbra.
O primeiro deles é a imunidade de
impostos: “A Constituição prevê uma imunidade de impostos para templos de
qualquer culto. Os templos não pagam IPTU [Imposto Predial e Territorial
Urbano]. Se prestarem algum tipo de serviço, normalmente de assistência social
ou humanitária, esses serviços não estão sujeitos ao Imposto Sobre Serviços, o
ISS. E as arrecadações de dízimos e ofertas destinadas a essas entidades também
não estão sujeitas ao imposto sobre a renda”, explica.
Além disso, igrejas podem se
beneficiar de imunidade tributária caso se enquadrem como entidades sem fins
lucrativos e tenham ações de assistência social e educação, ou também se forem
enquadradas como entidades beneficentes. Esses “benefícios” não são
automáticos, e as igrejas precisam cumprir uma série de requisitos, como, por
exemplo, não remunerar seus dirigentes. “Quando essas entidades deixam de
atender os requisitos previstos em lei, aí sim essa imunidade não é reconhecida
e os tributos que deixaram de ser pagos são cobrados pela União”, acrescenta
Coimbra. Parte das dívidas inscritas na União é justamente de igrejas que
consideram cumprir esses requisitos, mas são contestadas pela Receita e pela
Procuradoria da Fazenda.
Um terceiro ponto é que a legislação
prevê isenção de tributos para ministros de organizações religiosas que vivam
em “razão da fé”, isto é, que recebam apenas uma ajuda de custo da igreja para
manter os custos básicos de vida. “Não é toda pessoa que trabalha em uma igreja
que teria essa isenção. Se um religioso recebe valores que são notadamente
muito superiores àqueles necessários à sua subsistência, aí nós podemos ter
questionamentos”, define Coimbra.
Dessa forma, os R$ 460 milhões de
dívidas de entidades religiosas com a Receita são apenas as que não foram
enquadradas em nenhuma dessas três situações. E, como ressalta a professora
Tathiane Piscitelli, da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas de São
Paulo, as organizações podem recorrer da decisão da Receita de inscrever suas
dívidas no cadastro, além da possibilidade de brigar na Justiça para ampliar a
imunidade em relação às atividades das igrejas.
“Há um debate sobre a conveniência de
se manter essa imunidade sobre os templos. Há quem aponte que ela protege a
liberdade religiosa, mas há entidades que têm estrutura empresarial e não são
tributadas. Muito facilmente você constrói uma narrativa que a televisão ou
outra atividade é essencial para a propagação da religião. E é exatamente esse
o ponto de quem critica a imunidade, porque ela pode abrir brecha para
situações de abuso”, avalia.
Tathiane cita o embate jurídico entre
a Igreja Universal (que deve R$ 222 mil à Receita) e o estado de São Paulo e a
Receita: a igreja foi contra o pagamento de quase R$ 2 milhões de ICMS e outros
impostos sobre a importação de pedras de Israel para construção do Templo de
Salomão, no centro de São Paulo. “Houve um grande debate no Judiciário e o STJ
reconheceu a existência da imunidade porque se destinava à construção do
templo”, conta. A universal teria gasto cerca de R$ 400 milhões com o Templo de
Salomão.
Como uma dívida
entra no cadastro do governo
Uma dívida entra na lista ativa da União após o
responsável pelo débito não pagar o valor espontaneamente, o que leva a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a entrar com processo de execução
fiscal. Enquanto não é paga, a dívida é atualizada mensalmente pela taxa Selic.
Pessoas e empresas que estão no cadastro de dívidas não conseguem certidão de
regularidade, o que as impede de tomar financiamentos públicos. A cobrança
eventualmente chega à Justiça, que pode penhorar bens dos devedores, como imóveis
e veículos, para cobrir o valor devido.
EM TEMPO: Jesus está mal representado, aqui na terra, com milhões de pecadores, devedores e exploradores da fé dos irmãos. E agora presidente Bolsonaro, vai, ou não, apresentar a "arminha" para os "irmãos" pagarem o que devem?
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