O presidente Jair Bolsonaro Foto: Pool / Getty Images |
ÈPOCA - Natália Portinari e Vinicius Sassine
Conselho Nacional dos Direitos Humanos, um
colegiado independente que funciona no âmbito do Ministério da Mulher, Família
e Direitos Humanos, identificou 36 violações; suspensão da reforma agrária e
ampliação da liberação de agrotóxicos são algumas delas
Ações concretas do governo de
Jair Bolsonaro, como portarias, memorandos, decretos e medidas provisórias,
permitiram a violação de direitos humanos no primeiro ano da gestão. É o que
aponta o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), um colegiado
independente que funciona no âmbito do Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos.
Das 36 violações mapeadas pelo
conselho, oito se restringiram a declarações do presidente. As demais foram
fruto de atos de governo. Entre as violações estão a suspensão da reforma
agrária, a ampliação da liberação de agrotóxicos, a extinção de cargos do
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – um grupo de peritos
independentes fundamental para a detecção de tortura em presídios, por exemplo
– e uma portaria que permitiu a deportação sumária de imigrantes.
Segundo um parecer encomendado
pelo conselho, as medidas adotadas nestes primeiros 12 meses afetaram a
política de combate à desigualdade e violência e a promoção de educação e
cultura.
"As únicas ações concretas
na área de direitos humanos são a desconstrução do que tinha", diz
Leonardo Pinho, presidente do conselho. "Teve uma ação (de Damares Alves,
ministra da Mulher) com um cabeleireiro para denunciar a violência contra
mulheres. Depois, teve alguma ação com salões de beleza para denunciar
violência, alguma política pública? Não. Ela foi à ilha do Marajó dizendo que
ia combater a violência sexual, falou que ia gerar postos de trabalho lá. O
conselho ficou em cima, para ver se haveria alguma ação. Não teve. O perfil do
atual governo é de destruir", acusa.
A Comissão Arns e o Coletivo de
Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) entraram com uma representação no
Tribunal Penal Internacional (TPI) no fim de novembro.
Segundo eles, Bolsonaro
incentivou a violência contra indígenas e desmontou as políticas públicas que
os protegiam. "Na ditadura militar, a gente não tinha instituições para
proteção (dos direitos humanos), mas havia a mesma sensação de insegurança. É a
sensação de que não haverá proteção para as minorias que forem agredidas",
diz Belisário Jr., fundador da Comissão Arns.
Em junho, um decreto do governo
exonerou todos os peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura. O órgão, também ligado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos, é responsável por investigar a prática de tortura e outras violações
aos direitos humanos em penitenciárias, hospitais psiquiátricos e abrigos de
idosos.
O Subcomitê das Nações Unidas
para a Prevenção da Tortura emitiu um comunicado, em novembro, repreendendo a
medida. Segundo o órgão, o decreto viola um protocolo de prevenção à tortura
assinado pelo Brasil e por outros países em 2002.
A Justiça Federal do Rio de
Janeiro suspendeu o decreto em agosto.
'ZERO A ZERO' NO TRABALHO ESCRAVO
Os auditores-fiscais do trabalho
passaram o ano apreensivos com a possibilidade de o governo flexibilizar o
combate ao trabalho escravo, uma iniciativa que tem um arcabouço legal e uma
sistemática própria – e exitosa – há quase 25 anos.
Desde 1995, quando o governo
passou a reconhecer o trabalho escravo e a combatê-lo por meio de grupos móveis
de fiscalização, 55 mil homens e mulheres foram resgatados dessa condição.
Bolsonaro passou a questionar a atuação dos auditores.
Numa cerimônia dentro do Palácio
do Planalto, em julho, o presidente criticou as regras que caracterizam o
trabalho análogo à escravidão. Bolsonaro se referiu especificamente a uma autuação
a um empresário em razão da falta de banheiro para cortadores da carnaúba.
A partir daquele momento,
auditores do trabalho passaram a esperar um afrouxamento das regras, a exemplo
do que ocorreu com normas de segurança do trabalho. Até o fim do primeiro ano
de governo, essas mudanças não ocorreram.
"Acabamos o ano comemorando
o zero a zero", resume um auditor. A lista suja do trabalho escravo foi
publicada dentro dos prazos. A quantidade de trabalhadores resgatados de
condições análogas à escravidão em 2019 deve ficar entre 900 e 1 mil, bem
próximo da quantidade do ano passado, 1.154.
A pressão, porém, segue na
comissão tripartite montada pelo governo para discutir a flexibilização de
normas de segurança. Representantes de empregadores, por exemplo, aproveitaram
o embalo do discurso do presidente para defender que, em frentes de trabalho
com menos de 20 homens no campo, não seja necessário oferecer banheiro aos
trabalhadores.
A discussão é feita no âmbito da
norma de segurança que trata de trabalho rural. Na minuta da nova norma, a
proposta não foi contemplada. Até agora.
'O PRAZER EM DIRIGIR' E MAIS ACIDENTES
Assunto caro ao presidente, que
diz querer a volta do “prazer em dirigir”, a fiscalização eletrônica em
rodovias federais foi diretamente impactada pelo desejo de Bolsonaro. Radares
fixos e móveis foram desligados até a Justiça Federal em Brasília determinar
que eles fossem religados.
No intervalo, aumentou a
quantidade de acidentes graves e mortes nas estradas. Por meio de um projeto de
lei no Congresso, Bolsonaro tenta ainda flexibilizar o Código de Trânsito
Brasileiro.
Em novembro, o presidente editou
uma medida provisória que extingue o DPVAT a partir de 2020, o que deixaria
vítimas de acidente de trânsito sem indenização e cobertura médica e
hospitalar. A iniciativa terá um efeito imediato para o Sistema Único de Saúde
(SUS).
Somente em um ano, mais de R$ 2
bilhões arrecadados para o DPVAT tiveram o financiamento do SUS como destino.
"O seguro é a única proteção para a maioria da população que se envolve em
acidentes de trânsito e é notório que as pessoas de menor poder econômico
recorrem apenas ao DPVAT para buscar uma indenização. Ressalte-se também o expressivo
volume de recursos do DPVAT destinados ao SUS", disse em nota o Conselho
Nacional de Secretários de Saúde.
Num julgamento no plenário
virtual concluído na sexta-feira, 20, a maioria dos ministros Supremo Tribunal
Federal (STF) decidiu suspender a MP que acaba com o DPVAT.
Os efeitos da ampliação do acesso
a armas de fogo e das tentativas de isentar de punição policiais que matam em
serviço ainda são difíceis de mensurar. Um fato é o esvaziamento das
investigações sobre a atuação de grupos de extermínio, a cargo da Polícia
Federal (PF).
A paralisia começou no governo de
Michel Temer e encontrou eco na blindagem a PMs encampada por Bolsonaro.
ALFABETIZAÇÃO ESTACIONADA
A educação é outra área em que o
governo é criticado por não propor novos projetos, e apenas criticar o que já
existia. Durante a campanha, Bolsonaro prometeu “expurgar a ideologia de Paulo
Freire” das escolas. O patrono da educação brasileira, assim declarado por lei
de 2012, chegou a ser chamado de “energúmeno” pelo presidente.
Em abril, Bolsonaro postou que
“professor tem que ensinar e não doutrinar” e agora, em dezembro, não renovou o
contrato com a TV Escola alegando que os programas da grade horária eram
influenciados novamente pelo pedagogo Paulo Freire — ao encerrar o convênio com
a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), o governo pôs em
xeque também o futuro da TV INES, para surdos, gerando indignação das associações
de pessoas com deficiência física.
Em setembro, o ministro da
Educação, Abraham Weintraub, enviou ofício para as secretarias de educação dos
governos estaduais com orientações sobre respeito a crenças religiosas,
pluralismo de ideias e sobre o veto de propagandas partidárias em sala de aula.
São temas que remetem ao que é
preconizado pelo Escola sem Partido, movimento que quer formalizar a proibição
a uma suposta doutrinação de esquerda nas escolas em um projeto de lei federal.
Na época, Weintraub disse que colocaria os canais de comunicação do MEC à
disposição para receber denúncias de casos que fossem considerados extremos.
Apesar desses acenos, no meio do
ano, o criador do movimento "Escola sem Partido" anunciou o fim das
atividades do grupo, e disse que esperava mais apoio de Bolsonaro — o projeto
de lei não foi para frente na Câmara dos Deputados. O que o governo fez de mais
propositivo foi sugerir um novo modelo de escolas cívico-militares. A previsão
é de que 216 unidades entrem no programa até 2023, número tímido perto das 140
mil escolas que existem no território brasileiro.
"É inegável que o governo
federal tem uma importância grande para políticas de educação. E houve uma ausência
do MEC durante todo o ano", afirma Lucas Fernandes Hoogerbrugge, gerente
de estratégia política do movimento Todos Pela Educação. Ele diz que o MEC
prometeu uma ênfase em programas de alfabetização, mas não entregou. "Tem
muita declaração de intenção, mas concretamente não teve muita coisa e, quando
teve, de forma atrasada. Tudo é muito tardio. Quando isso chega, demora a
aparecer nas redes, para então começar no ciclo escolar. Existe uma chance
muito grande de vermos algo do programa de alfabetização somente em 2021."
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