Gado no Norte do Mato Grosso |
O GLOBO - Ana Lucia Azevedo
RIO — A nuvem negra que transformou o
dia em noite em São Paulo em 19 de agosto chamou a atenção do mundo para o
aumento das queimadas na Amazônia, cujas cinzas cobriram o céu da metrópole.
Mas, mais ao norte, em pleno bioma, há sinais ainda mais evidentes da gravidade
da situação da Floresta Amazônica. Ela já apresenta sintomas de que está à
beira do colapso, alerta o editorial desta sexta-feira da "Science Advances",
um dos periódicos científicos mais respeitados internacionalmen-te. O editorial
é assinado pelo climatologista Carlos Nobre e pelo biólogo americano Thomas
Lovejoy.
Há marcas claras do chamado ponto de
inflexão, a transformação da floresta tropical em Cerrado, com consequências
para o clima de todo o continente. Um risco identificado pelo próprio Nobre, em
estudos pioneiros em 1990 e 1991, e previsto para acontecer só por volta do
2050, se as mudanças climáticas não fossem combatidas.
Nobre destaca que a savanização (a
substituição da floresta por campos) mostra estar em curso no norte do Mato
Grosso e no sul do Pará, com a estação seca mais prolongada e quente. A
previsão era de que o processo de savanização poderia ocorrer em meados deste
século.
Mas o desmatamento, do qual as
queimadas são o sinal mais evidente, tem acelerado o processo ao substituir a
cobertura de árvores por pastagens, plantações sem a mesma capacidade de
retenção de umidade ou simplesmente áreas devastadas e abandonadas.
— Temos visto os sinais se
intensificarem a cada ano. Mesmo em unidades de conservação onde não houve
desmatamento nem roubo de madeira, a floresta sofre com alterações causadas
pela perda de cobertura vegetal em outras áreas. Aumentou a mortalidade de
espécies de árvores nativas da úmida Amazônia. Mas sobrevivem as nativas das
zonas de transição com o Cerrado, com maior resiliência à seca. A floresta
morre e o clima sofre — destaca Nobre.
No editorial, Nobre e Lovejoy frisam
que as secas sem precedentes de 2005, 2010 e 2015/16 mostram que o ponto de
inflexão “está aqui” e que a floresta precisa ser restaurada para “recuperar
seu ciclo hidrológico e continuar a servir como motor do clima continental e
parte essencial do ciclo de carbono”. E alertam: “O ponto de inflexão está
aqui. É agora”.
O editorial chega no fim de um ano em
que o desmatamento da Amazônia subiu 29,5%, o maior aumento em duas décadas. Há
11 anos não ocorria tamanha destruição. Foram derrubados 9.762 km², segundo o
Inpe.
A Amazônia abriga quase a metade das
árvores de todas as florestas tropicais do mundo. Tem cerca de 16 mil espécies
de árvores e 10% de todas as espécies conhecidas de plantas e animais da Terra.
Dois hectares amazônicos têm mais espécies de árvores do que toda a América do
Norte.
O gigantismo e a diversidade fazem
com que desempenhe papel essencial no ciclo hidrológico planetário. A floresta
ajuda a regular a chuva em escala local e em todo o continente. É ela que
proporciona condições favoráveis à agricultura na América do Sul, à exceção do
Chile.
A cada dia, a transpiração das
árvores leva 22 bilhões de toneladas de água do solo da floresta para a
atmosfera. Nada menos que cerca de 50% das chuvas têm origem na transpiração da
própria floresta (reciclagem de chuva).
Um estudo apresentado no Sínodo para
a Amazônia, no Vaticano, este ano, mostrou que cerca de 70% do PIB (Produto
Interno Bruto) da América do Sul deriva da zona de influência da chuva
produzida pela Amazônia.
O vapor d’água transportado pelos
ventos da Amazônia — os chamados rios voadores — é crucial para o abastecimento
de água do sudeste da América do Sul e da bacia do Rio da Prata, destaca esse
mesmo estudo.
A Floresta Amazônica também contribui
para amenizar as mudanças climáticas. Ela absorve cerca de 25% das 2,4 bilhões
de toneladas métricas de carbono que as florestas removem da atmosfera por ano.
Toda a Amazônia armazena quase 100 bilhões de toneladas métricas de carbono, ou
uma década de emissões globais.
A Floresta Amazônica devolve para a
atmosfera, que redistribui pelo continente, pelo menos 75% da umidade que
recebe das chuvas. Porém, quando uma área é desmatada, 50% da água da chuva é
perdida no solo e não volta à atmosfera, diz o editorial. “O quanto a floresta
ainda suportará de desmatamento até se converter numa savana tropical?”,
questionam Nobre e Lovejoy.
Segundo Nobre, parte da floresta,
principalmente as regiões afetadas por grandes incêndios florestais,
provavelmente já mudaram para um sistema completamente diferente, que levará
muitas décadas ou séculos para se recuperar.
Dados indicam que a estação seca em
50% da Bacia Amazônica já se prolonga por algumas semanas, principalmente em
áreas desmatadas. Podemos estar muito mais próximos do que o esperado do ponto
de inflexão da savanização de 50-60% da floresta total.
O editorial afirma que o desmatamento
levará ao aparecimento de savanas principal no Leste e no Sul da Amazônia, com
possibilidade de se estender para áreas a Sudoeste e ao Centro, “porque essas
zonas estão naturalmente perto do mínimo necessário de chuva para a floresta se
manter”. Os cientistas advertem ainda que a área desmatada já é significativa e
“assustadora”: 17% de toda a Bacia Amazônica e cerca de 20% na Amazônia
brasileira.
Nobre e Lovejoy afirmam, todavia, que
é possível evitar um desastre. Eles asseguram que é possível construir uma
margem segura por meio de projetos ambiciosos de restauração, “particularmente
nas regiões desmatadas e que hoje são pastagens e área de plantações
abandonadas”. Elas representam 23% da área de floresta destruída.
“Essas áreas, largadas à própria
sorte, são provavelmente a principal razão de que por que a Amazônia já não se
transformou numa savana em expansão”. Os cientistas destacam que as áreas mais
críticas para o reflorestamento com espécies nativas são o Sul e o Leste do
bioma. Lembram que um projeto nessa linha poderia ser feito como parte das
metas assumidas pelo país no Acordo de Paris.
Eles salientam que práticas
econômicas de visão de curto prazo, como as monoculturas de soja, cana de
açúcar e criação extensiva de gado, deveriam ser abandonadas e substituídas
pela bioeconomia, baseada no uso da floresta em pé e na biodiversidade.
“O povo e os líderes dos países amazônicos juntos
têm o poder, a ciência e os instrumentos para evitar um desastre de escala
continental. Juntos podemos mudar a direção a favor de uma Amazônia
sustentável”, afirmam.
EM TEMPO: Enquanto a população não aprender a votar,
pelo menos no melhor candidato, seja de Direita ou de Esquerda, a nossa situação fica cada vez pior. Nas
Eleições de 2018 foram eleitos vários candidatos ruins, inclusive o Presidente
da República (Bolsonaro era membro do "Baixo Clero" - parlamentares despreparados para a função)
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