Um desses crimes de
responsabilidade, para nos restringirmos na metodologia weberiana ao
“idealtipo” que denota a gravidade de todo o quadro, ocorreu quando ele
declarou e postou que, se Felipe Santa Cruz, presidente nacional da Ordem dos
Advogados do Brasil, quisesse saber como o seu pai morrera, ele, Bolsonaro,
capitão reformado do Exército, poderia contar.
Fez isso de viva voz
e nos canais digitalizados. O pai de Felipe, Fernando Santa Cruz, foi
assassinado pela ditadura militar porque se opunha a esse regime de exceção e
arbítrio. Bolsonaro inventou a versão de que Fernando fora morto por seus
companheiros de guerrilha. Isso é, sim, crime. E o mandatário vai se corrigir?
Chance zero.
Há uma fronteira
tênue, mas é uma fronteira, a envolver o funcionamento da rede neural entre
impulsividade e compulsão. Fosse uma postagem aqui, outra ali, nas redes
sociais estaria o presidente agindo por impulso. O uso sistemático de tais
redes e a não veracidade de quase tudo o que espalha apontam, porém, para a
compulsão — e pode ela ser definida como um “prazer negativo”, aquele que a
pessoa não consegue interromper. Por exemplo: um fumante inveterado quando
acende o próximo cigarro já não tira da nicotina o prazer que julga poder
tirar, mas apenas alivia a dor biopsíquica do tempo em que ficou sem fumar. Assim é Bolsonaro com suas distorções na redes sociais, e isso não significa
que ele não tenha consciência da manipulação política e populista de sua
atuação.
Bolsonaro vai
acabar tropeçando nos cadarços dos próprios sapatos. Pode, sim, surgirem
pedidos e eventuais processos de impeachment pela frente. E, repita-se, não seriam
inconstitucionais, porque a Constituição do País define tal comportamento como
lesivo à responsabilidade do cargo de presidente da República. Na CPI das Fake
News, a deputada federal Joice Hasselmann afirmou que se montou uma estratégia,
organizada pelo também deputado federal Eduardo Bolsonaro, para colocar em
operação robôs nas redes sociais, remunerando com R$ 20 mil a empresa
responsável pela criação — como se vê, conforme avançamos nos fatos a história
vai ficando mais grave, até porque Bolsonaro desafia, dizendo “paguei sim, R$
40 mil. Recebeu?”. Os mentores das notícias falsas que vão para o WhatsApp, de
acordo com o depoimento de Joice, estão instalados no terceiro andar do Palácio
do Planalto e compõem o chamado “gabinete da raiva”, coordenado pelo vereador
Carlos Bolsonaro.
A produção de
lorotas tem objetivos claros: atingir desafetos e críticos do governo; manter o
presidente e seus filhos na berlinda das redes sociais; e, finalmente,
confundir a população porque é dessa confusão que o populismo e o totalitarismo
se alimentam. Fica evidente, dessa forma, que não é nada irreal quando se fala,
aqui, que existe a perspectiva de um processo que pode afastar Bolsonaro do
cargo.
Além da CPI das
Fake News, a sua vida se complica na investigação eleitoral que descobrirá se
houve crime na campanha presidencial por meio do uso indevido do WhatsApp. A
ação está em mãos do corregedor do TSE, ministro Og Fernandes, que declarou que
convocará especialistas em tecnologia de informação para auxiliá-lo. O jogo é pesado: na
semana passada, o PhD em antropologia da informática David Nemer viajou às
pressas do Brasil aos EUA, onde mora, porque, segundo diz, recebeu ameaças
quanto a sua segurança. O que ele faz? Nemer é pesquisador do WhatsApp
bolsonarista e especialista em fake news nas redes sociais. O vício que o
presidente possui em meios digitais pode facilmente ser mensurado em números.
De 1º de janeiro a
13 de dezembro de 2019, ele postou cento e trinta e sete vídeos no Facebook, na
média de um a cada dois dias e meio — dentre eles, narcisicamente, colocou
imagens que o exibem cortando o cabelo e indo a um dos jogos do Flamengo — como
se nota, fatos da mais alta relevância republicana (aqui vale o irritante,
infantil e abestalhado “kkkk”, já que estamos falando sobre redes sociais). No
primeiro semestre, o presidente fez vinte e uma lives; nos seis meses que se
seguiram, aí disparou para cento e dezesseis.
Porta-voz de si mesmo
Governos populistas
estabelecerem uma linha direta de comunicação com a população, não é novidade
em nenhuma parte do mundo. Cada um a seu modo, os brasileiros presenciaram
diversos deles como mandatários, a exemplo de Getúlio Vargas, Jânio Quadros e
Fernando Collor, para ficarmos em três exemplos. Todos viraram o rosto para o
Congresso, prescindiram de partidos políticos e capricharam na demagogia.
Nenhuma dessas
gestões teve um final feliz: Getúlio se suicidou em meio a um mar de lama;
Jânio renunciou estrategicamente pensando que o povo o reconduziria nos braços
ao poder, calculou mal e acabou confinado pelas Forças Armadas; Collor sofreu
impeachment. O problema maior da
tática populista de Jair Bolsonaro é que ele radicalizou: aboliu praticamente a
comunicação oficial e, ao inflar as redes, age como porta-voz de si mesmo — vai
aí uma boa dose de esquisitice (até que vale outro “kkkk”).
Esse comportamento,
como ficou demonstrado, passa pela compulsão por transmitir informações como
ele quer que sejam passadas, sem se importar com a veracidade factual. Se isso
é perigoso para o futuro do próprio presidente, é perigosíssimo para o presente
da Nação. É bom lembrarmos um detalhe que está passando despercebido no País.
Os parlamentares triplicaram as penas máximas de punição para quem comete crime
de calúnia, injúria e difamação nas redes sociais. Agora, responda rápido: por
que será que Jair Bolsonaro insiste em vetar esse projeto de lei?
EM TEMPO: O que o presidente Bolsonaro faz tem uma dosagem de desequilíbrio, mas funciona como uma "cortina de fumaça" para esconder o remédio amargo, do seu governo, contra os interesses da classe trabalhadora, contra o meio ambiente e o nosso patrimônio
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