© JUAN BARRETO (AFP) Marina Silva discursa em conferência na
Universidade de Bogotá.
Thais Carrança, Valor Econômico.
Em evento em São Paulo, ex-ministra afirma que não
é momento de pensar em eleição, mas de unir forças contra 'situação muito delicada'
O governo brasileiro tem uma atitude de completo desrespeito à população e ao
meio ambiente no caso do vazamento de óleo que atinge as praias do Nordeste,
afirmou nesta quinta-feira Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e
ex-candidata à Presidência.
"Agiram tardiamente, do mesmo jeito que agiram
em relação às queimadas”, disse a jornalistas, após sua fala em evento
promovido pela revista “The Economist”. “Foram mais de 50 dias para começarem a
tomar uma atitude em relação às queimadas e mais de 40 dias em relação à mancha
de óleo.”
A ambientalista lembrou que o governo não acionou o
Plano Nacional de Contingência e afirmou que não estão sendo dadas orientações
adequadas aos governos regionais e à população, que já começa a sofrer as
consequências de manipular um produto altamente tóxico. Segundo Marina, o
vazamento deve gerar prejuízos gravíssimos para a biologia marinha e para a
economia e o turismo das regiões atingidas.
Agiram tardiamente, do mesmo jeito que agiram em
relação às queimadas
É um governo que desestruturou o Ministério do Meio
Ambiente e todos os órgãos de fiscalização, controle e gestão da política
ambiental brasileira e agora não tem o que fazer diante de situações como
essas”, afirmou, acrescentando que o governo não tem capacidade técnica nem
compromisso ético para enfrentar o problema.
Segundo ela, é preciso descobrir a origem do
material. “Mas o fato de ainda não sabermos a origem não isenta o governo de
não estar tratando adequadamente para prevenir que novas praias sejam contaminadas,
para conter a mancha de óleo e tomar as medidas de mitigação”.
Questionada sobre as críticas do governo à
diferença de reação de ambientalistas e da opinião pública internacional nos
casos das queimadas na Amazônia e das manchas de óleo no Nordeste, Marina disse
que os ambientalistas estão fazendo seu papel. “Quem não está fazendo sua parte
é o governo federal.”
A ex-ministra voltou a fazer críticas sobre a
inexistência de política ambiental do atual governo. O discurso de Bolsonaro em
sua campanha, segundo ela, já estimulava a grilagem de terra e desmatamento
ilegal. Depois, quando o presidente assume e diz que vai acabar com indústria
da multa, isso também teve efeito prejudicial.
Marina lembrou ainda de uma série de projetos de
lei, como aquele que pretendia acabar com a reserva legal em propriedades na
Amazônia, acabar com o licenciamento para desmatamento, para legalização de
mineração em terras indígenas e a proposta do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) de que terras públicas invadidas poderiam ser
regularizadas mediante autodeclaração.
“Essas são sinalizações que dão para os
contraventores uma expectativa de impunidade e a sinalização de que aqueles que
cometeram crimes ambientais poderiam ter um prêmio.” Segundo ela, essa é a
grande diferença do momento atual, em relação a outros momentos em que o
desmatamento cresceu.
Para Marina, o desafio que está posto é pensar em
um projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. “Podemos manter
mecanismos de prevenção e controle, mas se não muda a fonte do desmatamento,
que é o modelo de desenvolvimento, continua-se com o mesmo problema”, afirmou.
Segundo a ex-ministra do Meio Ambiente durante o
governo Lula, propostas nesse sentido não faltaram. Ela lembrou do Plano Amazônia
Sustentável, criado na sua gestão e posteriormente abandonado. E da proposta
Amazônia 4.0, coordenada pelo cientista da USP Carlos Nobre, que visa criar uma
bioeconomia, onde se agrega valor à biodiversidade, com base em sistemas
agroflorestais e em uma economia comunitária, utilizando o saber científico e
das comunidades.
“Precisamos inventar um novo modelo de
industrialização da Amazônia”, defendeu Nobre, também presente ao evento,
citando a fabricante de cosméticos Natura como um exemplo nesse sentido.
Em sua fala inicial, Nobre voltou a alertar que o
desmatamento da Amazônia está próximo de um ponto sem volta, que seria atingido
quando o desmatamento chegar a 20% a 25% da região, conforme estudos. “Estamos
com 17% na Amazônia como um todo e 20% na Amazônia brasileira”, afirmou,
alertando para o risco de savanização da região. “Estamos à beira do
precipício.”
Candidatura
Sobre se considera voltar a se candidatar diante da
atual conjuntura, Marina disse que o momento é de unir forças com todos que têm
compromisso com a democracia, a proteção do meio ambiente e a justiça social,
independentemente de candidatura.
“O Brasil está vivendo uma situação muito delicada.
Estamos à risca de atravessarmos a linha divisória de uma democracia ocidental,
não estamos vivendo uma situação de normalidade”, afirmou, citando a falta de
compromisso da atual gestão com a proteção de populações indígenas, de negros e
de pessoas LGBT.
“Nesse momento, o que temos que fazer é juntar as
pessoas, independente da polarização e da disputa eleitoral”, afirmou. “Agora
não é uma questão de eleição, é uma visão de país. O Brasil não pode cruzar a
linha divisória de uma democracia ocidental.”
Quanto a uma possível reeleição de Jair Bolsonaro,
Marina disse que a sociedade brasileira terá uma curva de aprendizado sobre o
que está sendo feito pelo governo. “Ele se elegeu iludindo que iria combater a
corrupção e o que nós vemos é um enfraquecimento inclusive das instituições que
podem ajudar nessa finalidade.”
A ex-senadora e ex-ministra voltou a fazer críticas
sobre a inexistência de uma política ambiental do atual governo. Segundo ela,
uma série de ações tangíveis e intangíveis do governo Jair Bolsonaro estimulam
o desmatamento da Amazônia, ao fazer com que os desmatadores se sentissem
empoderados pela expectativa de impunidade e pensarem que seriam premiados com
a legalização do dolo.
A ambientalista apontou uma série de fatores
por trás do avanço do desmatamento em 2019. O primeiro deles foi o abandono do
Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento. Segundo ela, o plano começou a
arrefecer já a partir de 2012, quando houve uma retomada do aumento do
desmatamento, após um período de queda que durou dez anos e reduziu o
desmatamento em 83%.
Nenhum comentário:
Postar um comentário