domingo, 3 de novembro de 2019

Governo não tem compromisso de enfrentar óleo no Nordeste, diz Marina


© JUAN BARRETO (AFP) Marina Silva discursa em conferência na Universidade de Bogotá.




 Thais Carrança, Valor Econômico.

Em evento em São Paulo, ex-ministra afirma que não é momento de pensar em eleição, mas de unir forças contra 'situação muito delicada' O governo brasileiro tem uma atitude de completo desrespeito à população e ao meio ambiente no caso do vazamento de óleo que atinge as praias do Nordeste, afirmou nesta quinta-feira Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata à Presidência.
"Agiram tardiamente, do mesmo jeito que agiram em relação às queimadas”, disse a jornalistas, após sua fala em evento promovido pela revista “The Economist”. “Foram mais de 50 dias para começarem a tomar uma atitude em relação às queimadas e mais de 40 dias em relação à mancha de óleo.”
A ambientalista lembrou que o governo não acionou o Plano Nacional de Contingência e afirmou que não estão sendo dadas orientações adequadas aos governos regionais e à população, que já começa a sofrer as consequências de manipular um produto altamente tóxico. Segundo Marina, o vazamento deve gerar prejuízos gravíssimos para a biologia marinha e para a economia e o turismo das regiões atingidas.
Agiram tardiamente, do mesmo jeito que agiram em relação às queimadas
É um governo que desestruturou o Ministério do Meio Ambiente e todos os órgãos de fiscalização, controle e gestão da política ambiental brasileira e agora não tem o que fazer diante de situações como essas”, afirmou, acrescentando que o governo não tem capacidade técnica nem compromisso ético para enfrentar o problema.
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Segundo ela, é preciso descobrir a origem do material. “Mas o fato de ainda não sabermos a origem não isenta o governo de não estar tratando adequadamente para prevenir que novas praias sejam contaminadas, para conter a mancha de óleo e tomar as medidas de mitigação”.
Questionada sobre as críticas do governo à diferença de reação de ambientalistas e da opinião pública internacional nos casos das queimadas na Amazônia e das manchas de óleo no Nordeste, Marina disse que os ambientalistas estão fazendo seu papel. “Quem não está fazendo sua parte é o governo federal.”
A ex-ministra voltou a fazer críticas sobre a inexistência de política ambiental do atual governo. O discurso de Bolsonaro em sua campanha, segundo ela, já estimulava a grilagem de terra e desmatamento ilegal. Depois, quando o presidente assume e diz que vai acabar com indústria da multa, isso também teve efeito prejudicial.
Marina lembrou ainda de uma série de projetos de lei, como aquele que pretendia acabar com a reserva legal em propriedades na Amazônia, acabar com o licenciamento para desmatamento, para legalização de mineração em terras indígenas e a proposta do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de que terras públicas invadidas poderiam ser regularizadas mediante autodeclaração.
“Essas são sinalizações que dão para os contraventores uma expectativa de impunidade e a sinalização de que aqueles que cometeram crimes ambientais poderiam ter um prêmio.” Segundo ela, essa é a grande diferença do momento atual, em relação a outros momentos em que o desmatamento cresceu.
Para Marina, o desafio que está posto é pensar em um projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. “Podemos manter mecanismos de prevenção e controle, mas se não muda a fonte do desmatamento, que é o modelo de desenvolvimento, continua-se com o mesmo problema”, afirmou.
Segundo a ex-ministra do Meio Ambiente durante o governo Lula, propostas nesse sentido não faltaram. Ela lembrou do Plano Amazônia Sustentável, criado na sua gestão e posteriormente abandonado. E da proposta Amazônia 4.0, coordenada pelo cientista da USP Carlos Nobre, que visa criar uma bioeconomia, onde se agrega valor à biodiversidade, com base em sistemas agroflorestais e em uma economia comunitária, utilizando o saber científico e das comunidades.
“Precisamos inventar um novo modelo de industrialização da Amazônia”, defendeu Nobre, também presente ao evento, citando a fabricante de cosméticos Natura como um exemplo nesse sentido.
Em sua fala inicial, Nobre voltou a alertar que o desmatamento da Amazônia está próximo de um ponto sem volta, que seria atingido quando o desmatamento chegar a 20% a 25% da região, conforme estudos. “Estamos com 17% na Amazônia como um todo e 20% na Amazônia brasileira”, afirmou, alertando para o risco de savanização da região. “Estamos à beira do precipício.”
Candidatura
Sobre se considera voltar a se candidatar diante da atual conjuntura, Marina disse que o momento é de unir forças com todos que têm compromisso com a democracia, a proteção do meio ambiente e a justiça social, independentemente de candidatura.
“O Brasil está vivendo uma situação muito delicada. Estamos à risca de atravessarmos a linha divisória de uma democracia ocidental, não estamos vivendo uma situação de normalidade”, afirmou, citando a falta de compromisso da atual gestão com a proteção de populações indígenas, de negros e de pessoas LGBT.
“Nesse momento, o que temos que fazer é juntar as pessoas, independente da polarização e da disputa eleitoral”, afirmou. “Agora não é uma questão de eleição, é uma visão de país. O Brasil não pode cruzar a linha divisória de uma democracia ocidental.”
Quanto a uma possível reeleição de Jair Bolsonaro, Marina disse que a sociedade brasileira terá uma curva de aprendizado sobre o que está sendo feito pelo governo. “Ele se elegeu iludindo que iria combater a corrupção e o que nós vemos é um enfraquecimento inclusive das instituições que podem ajudar nessa finalidade.”
A ex-senadora e ex-ministra voltou a fazer críticas sobre a inexistência de uma política ambiental do atual governo. Segundo ela, uma série de ações tangíveis e intangíveis do governo Jair Bolsonaro estimulam o desmatamento da Amazônia, ao fazer com que os desmatadores se sentissem empoderados pela expectativa de impunidade e pensarem que seriam premiados com a legalização do dolo.
A ambientalista apontou uma série de fatores por trás do avanço do desmatamento em 2019. O primeiro deles foi o abandono do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento. Segundo ela, o plano começou a arrefecer já a partir de 2012, quando houve uma retomada do aumento do desmatamento, após um período de queda que durou dez anos e reduziu o desmatamento em 83%.

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