Sofia Manzano
Avoador
Segundo dados do
IBGE, em 2018, no Brasil, 13,5 milhões de pessoas recebiam menos de R$145,00
por mês, enquanto cerca de 2 milhões de brasileiros receberam, em média, R$
27.744,00 mensais cada um
Recentemente o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou os dados sobre a
pobreza e a desigualdade no Brasil no ano de 2018. E, apesar de serem
extremamente chocantes, para a maioria da população aparecem apenas como mais
um amontoado de números e estatísticas abstratas que não os atinge. Por isso, é
preciso dar atenção a eles, de forma menos abstrata e mais concreta. Devemos
entender o sentido do que isso realmente representa.
Primeiro, é bom
lembrar que o Brasil está entre os dez países que mais produzem riqueza no
mundo. O PIB (Produto Interno Bruto) do nosso país, cálculo de tudo o que foi
produzido durante o ano, em 2018, foi de R$ 6,8 trilhões e, se toda essa
riqueza fosse dividida igualmente entre todos os brasileiros (todos mesmos,
inclusive as crianças, os idosos, os presidiários, os indígenas, enfim, todos
os 209 milhões de brasileiros), cada um receberia R$ 32.535,00 por ano (PIB per
capita), ou R$ 2.711,24 por mês e, considerando uma família de 4 pessoas, a
renda mensal seria de R$ 10.845,00. Podemos nos questionar: quantas famílias
tem essa renda mensal?
É evidente que o PIB
não pode ser simplesmente dividido entre a população, pois tem-se que
considerar o investimento e a reposição dos meios de produção necessários para
a continuidade da produção, no entanto, o PIB per capita é uma medida muito
interessante para verificar o grau de desigualdade de um determinado país.
Passamos agora aos
dados divulgados pelo IBGE. Segundo a pesquisa dos indicadores sociais, em
2018, o Brasil tinha 13,5 milhões de pessoas que recebiam menos de R$ 145,00
por mês (ou R$ 1.740,00 por ano). Um quarto da população, ou seja, 52,5 milhões
de pessoas viviam com menos de R$ 420,00 por mês. Apenas comparando com o PIB per
capita já é possível perceber porque a pobreza no Brasil é uma aberração, uma
questão que deveria deixar todo brasileiro minimamente indignado, uma vez que
este não é, definitivamente, um país pobre.
Na outra ponta da
escala social, o 1% mais rico da população, ou seja, cerca de 2 milhões de
pessoas receberam, em média, R$ 27.744,00 mensais cada um (ou R$ 332.928,00 por
ano).
Quem são os mais
pobres
A pobreza não está
apenas na distribuição da renda entre a população total do país, ela também se
concentra, geograficamente, no Norte e no Nordeste. Historicamente, essas
regiões concentraram a maior parte da população pobre, no entanto, no interior
das mesmas, a desigualdade também é muito significativa e até maior que em
outras regiões. De acordo com o IBGE, se levarmos em conta apenas os
rendimentos médios (o que não inclui a propriedade), no Piauí, por exemplo, os
10% mais ricos recebem 18 vezes mais que os 40% mais pobres.
A diferença de renda
também é extrema entre o campo e a cidade. Enquanto a agricultura produz apenas
5,1% do PIB (o que comprova que o agronegócio não é o trem que carrega o Brasil
em seus vagões), pelo menos 8,5 milhões de pessoas trabalham nessa atividade, o
que representa 9,2% da população do país. É importante notar que esse número deve
ser muito maior, uma vez que estes 8,5 milhões envolvem apenas as pessoas com
14 anos ou mais, que é o critério utilizado pelo IBGE para a pesquisa sobre
emprego e desemprego. No entanto, sabe-se que no campo as atividades produtivas
envolvem as crianças desde a mais tenra idade. A renda média dos ocupados na
atividade agrícola (excluindo os empregadores) foi de R$ 1.300,00. Enquanto
essa mesma faixa de trabalhadores nas cidades atingiu de R$ 3.300,00.
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Outro fato importante
a se destacar sobre os dados divulgados se refere ao emprego doméstico. Esse
tipo de trabalho, tão próprio de países com passado recente escravista,
empregou mais de 6 milhões e duzentas mil pessoas e 72% delas sem carteira
assinada. Além disso, é um trabalho principalmente feminino, pois do total de
6,2 milhões de pessoas, 5,8 milhões são mulheres e apenas 400 mil são homens.
Pode-se, também, considerar sub-calculado, uma vez que a pesquisa é feita no
domicílio e respondida pelos e pelas proprietárias que podem ocultar a
existência de trabalhadoras domésticas vivendo em suas casas, muitas vezes sem
qualquer remuneração. Quando remuneradas receberam, em média, R$ 878,00
mensais. É a menor média entre todas as divulgadas pelo IBGE.
A pobreza tem cor
As atividades
econômicas com as mais baixas remunerações são ocupadas, majoritariamente, pela
população negra. No emprego doméstico, como assinalado acima, 65% são negras e
negros; na construção civil são quase 63% e na agricultura são mais de 60%. Ou
seja, a herança escravista não foi superada e reflete a segmentação racial no
mercado de trabalho. A discriminação racial fica mais evidente quando se leva
em consideração a diferença de remuneração que recebem negros e brancos com os
mesmos níveis de escolaridade. Para todos os níveis, desde os analfabetos até
aqueles com superior completo, os brancos recebem bem mais que os negros,
chegando ao extremo de, entre aqueles com nível superior completo, os brancos
recebem 45% mais que os negros.
Nestas três
atividades, ou seja, serviços domésticos, construção civil e agricultura,
encontram-se também a maioria de trabalhadores informais. Como já ressaltamos
acima, entre as empregadas domésticas, 72% são informais; entre os
trabalhadores na construção civil são 63% e na agricultura são 68% os informais.
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Quando se observa o
rendimento domiciliar per capita, ou seja, somando-se todos os rendimentos da
família e dividindo-se pelo número de pessoas, pode-se perceber que em todos os
critérios de segmentação, a população negra está sempre em pior situação. Em
média, a população branca recebe o dobro da população negra.
As comparações que o
IBGE faz entre os dados coletados em 2018 e os anos anteriores demonstram a
rápida deterioração das condições de vida da população mais pobre do país. Em
todos os elementos constitutivos das condições de existência numa economia
capitalista, ou seja, o acesso à renda monetária, os pobres estão cada vez mais
pobres e não devido à crise, mas, fundamentalmente devido às decisões políticas
que foram tomadas recentemente.
A deterioração no
mercado de trabalho não diz respeito apenas à queda no nível de atividade
econômica, também reflete a reforma trabalhista que fez aumentar a exploração
da força de trabalho e reduzir as garantias legais aos trabalhadores.
A ascensão do
conservadorismo fascista faz piorar as condições de existência de grupos já
tradicionalmente segregados, como as mulheres, os negros, e ainda mais, as
mulheres negras e a população LGBTQ+.
Neste artigo não
tratamos das políticas assistenciais do estado, mas também a retração destas se
faz refletir no aumento da pobreza e na concentração de renda.
Por último, vale
lembrar que há poucas semanas foram divulgados os dados de lucratividade dos
bancos, que alcançou mais de R$ 109 bilhões em doze meses.
Diante desse quadro,
esperamos que os trabalhadores e as trabalhadoras entrem em cena.
*Sofia Manzano é
professora da Uesb, economista (PUC/SP) e mestre em economia (UNICAMP).
Doutoranda em História Econômica (USP), autora do livro Economia política para
trabalhadores (ICP, 2ª ed., São Paulo: 2019) e pesquisadora nas áreas de
trabalho, desigualdade, política econômica e teoria econômica. Além disso, ela
participa do conselho editorial das revistas Crítica Marxista e Novos Temas.
Imagem de capa:
www.debatenews.com.br
https://avoador.com.br/jornalismo-importa/a-pobreza-num-pais-de-ricos/
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