Para o movimento popular, o impeachment oferece um caminho para lugar
nenhum
Liberation News
Richard Becker
O aprofundamento do
conflito sobre o impeachment do presidente Donald Trump é uma luta entre
facções da classe dominante capitalista e seu aparato governamental. A luta é
fundamentalmente sobre qual lado exercerá controle sobre o Estado e o governo
com todo o poder e riqueza que confere.
O anúncio de um
inquérito de impeachment foi feito pela presidente da Câmara dos Deputados,
Nancy Pelosi, em 24 de setembro. Foi aberto logo após a revelação de que uma
denúncia havia sido registrada em relação à ligação telefônica de 25 de julho
entre Trump e o presidente da Ucrânia. O denunciante foi posteriormente
identificado como um agente da CIA, mas a denúncia é entendida como um produto
coletivo de vários agentes de inteligência.
Não existe um lado
“progressista” nessa briga. Como foi o caso de Nixon em 1974, a própria
estrutura do impeachment concentra toda a atenção no que está acontecendo
dentro dos chamados “salões sagrados” do Congresso, relegando os movimentos
populares para o lado de fora.
O regime de Trump é
flagrantemente racista, sexista, homofóbico, anti-imigrante, antiambiental,
antitrabalhista, anti-sem-teto e muito mais. Todos os dias, os asseclas de
Trump estão realizando ataques aos direitos populares duramente conquistados e
ao próprio planeta.
No entanto, em vez de
resistir a esses ataques, a liderança do Partido Democrata no Congresso está
concentrando toda a sua energia no impeachment de Trump, com o argumento de que
ele solicitou interferência estrangeira nas eleições presidenciais de 2020. Os
líderes democratas veem isso como uma espécie de linha de menor resistência e
que não exige contestar os interesses corporativos que são representados pelos
principais partidos capitalistas e os financiam.
O que realmente
aconteceu na ligação
Em um telefonema de
25 de julho com o recentemente eleito presidente da Ucrânia, Volodymyr
Zelensky, Trump primeiro reclama que os países da União Europeia não estão
fazendo o suficiente para ajudar a Ucrânia, enquanto os Estados Unidos estão
fornecendo apoio. Em seguida, ele sugere que Zelensky ajude na investigação da
Crowdstrike, empresa privada de segurança cibernética que informou ao FBI que
foram os russos que invadiram os servidores do Comitê Nacional do Partido
Democrata em 2016.
Desde que o relatório
Mueller foi lançado em agosto de 2019 e concluiu que não havia conluio entre a
campanha de Trump-2016 e a Rússia, Trump e o procurador-geral William Barr
embarcaram em uma campanha internacional para descobrir as origens do boato de
cooperação Rússia-Trump. A transcrição do telefonema de Trump e Zelensky,
divulgada pela Casa Branca em 25 de setembro, registra Trump dizendo a Zelensky:
“Gostaria que você nos fizesse um favor, porque nosso país passou por muita
coisa e a Ucrânia sabe muito sobre isso. Eu gostaria que você descobrisse o que
aconteceu com toda essa situação com a Ucrânia, eles dizem Crowdstrike … Acho
que você tem um dos seus ricos … O servidor, eles dizem que a Ucrânia tem.”
Depois de perguntar
sobre a Crowd Strike, Trump pede a Zelensky para ajudar em uma investigação
sobre Hunter Biden e seu pai, o ex vice-presidente Joe Biden. “A outra coisa,
há muita conversa sobre o filho de Biden, que Biden interrompeu a acusação
[relacionada à corporação que deu a Hunter Biden um assento em seu conselho de
administração] e muitas pessoas querem descobrir sobre isso, então o que você
puder fazer com o procurador-geral seria ótimo. Biden se gabou de ter parado a
promotoria, então se você puder investigar … Parece horrível para mim”.
Os democratas
decidiram iniciar um inquérito formal de impeachment contra Trump, na véspera
de uma eleição presidencial, com base nessa ligação.
Os democratas não se
opuseram quando Trump estava pressionando, intimidando e ameaçando outros
chefes de estado a parar de comprar petróleo do Irã ou não reconhecer o governo
eleito da Venezuela ou não importar gás natural da Rússia. Mas nos dizem que
seu “bullying” em Zelensky constitui um abuso de autoridade intolerável e
impensável. É um abuso de autoridade, mas as operações secretas e abertas da
administração Obama para derrubar o governo democraticamente eleito na Ucrânia
em 2014 também foram.
O pedido de Trump para
uma investigação sobre a conduta de Biden na Ucrânia é claramente um abuso de
autoridade, mas provavelmente não deve levar à deposição de Trump, impedindo
revelações mais explosivas. Se Trump fosse impugnado por uma maioria de votos
na Câmara dos Deputados, ele seria julgado perante o Senado. Uma maioria de
dois terços, 67 senadores, teria que votar pela condenação. Atualmente, existem
53 senadores republicanos e 47 democratas.
Trump, os Bidens e a
Ucrânia
Em sua conversa por
telefone com Zelensky, Trump falou no estilo de um governante imperial
abordando um assunto colonial. O sujeito bajulou bastante, elogiando
generosamente o governante e assegurando-lhe que ele havia ficado na Trump
Tower – rede de hotéis da família Trump – quando estava em Nova York.
Como foi que o
governo de Kiev, a cinco mil milhas distante de Washington D.C., se tornou
dependente dos EUA?
A resposta real,
totalmente ausente da cobertura da mídia, é uma acusação grave de Biden e
outros agentes do aparato de segurança nacional durante o governo Obama por
crimes na Ucrânia que excederam em muito os “conflitos de interesse” ou o
bullying.
Em fevereiro de 2014,
o pessoal do Departamento de Estado trabalhou em conjunto com elementos
fascistas e da direita para derrubar o presidente eleito da Ucrânia, Viktor
Yanukóvytch, depois de meses de manifestações cada vez mais violentas em Kiev,
a capital ucraniana. O “crime” de Yanukóvytch foi tentar manter uma posição
neutra entre a Rússia e as potências imperialistas ocidentais, uma posição que era
inteiramente inaceitável para Washington.
Os Estados Unidos
estavam tentando continuar a marcha para leste da OTAN trazendo a Ucrânia.
Muitos países ex-socialistas da Europa Oriental e repúblicas soviéticas já
haviam sido incorporados à aliança liderada pelos EUA, mas a adição da Ucrânia
teria sido de particular importância, colocando as bases e mísseis da OTAN nas
proximidades do coração ocidental da Rússia.
O comandante dos EUA
na operação de mudança de regime era a Secretária de Estado Assistente Victoria
Nuland, trabalhando em estreita colaboração com o embaixador dos EUA na
Ucrânia, Geoffrey Pyatt. Nuland vangloriava-se abertamente de que os Estados
Unidos haviam gastado 5 bilhões de dólares levando a “democracia” para a
Ucrânia. Nomeado para supervisionar o golpe e suas consequências em nome do
presidente Obama, não era outro senão seu vice-presidente, Joe Biden.
A seguir estão
trechos de uma ligação telefônica entre Nuland e Pyatt, algumas semanas antes
do golpe ocorrido em 24 de fevereiro de 2014. O assunto da ligação era quem
Washington estava selecionando para ser o novo líder da Ucrânia após o golpe
planejado.
Victoria Nuland: O
que você acha?
Geoffrey Pyatt: Acho
que estamos no caminho. A peça Klitschko [Vitaly Klitschko, um dos três
principais líderes opositores] é obviamente o elétron complicado aqui.
Especialmente o anúncio dele enquanto deputado candidato a Primeiro Ministro, e
você viu algumas de minhas anotações sobre o problema do casamento agora, então
estamos tentando fazer uma leitura rápida de onde ele está nessa coisa toda.
Mas eu acho que o seu argumento para ele, que você precisará fazer, eu acho que
é a próxima ligação que você precisará fazer, é exatamente a que você fez para
Yats [Arseniy Yatseniuk, outro líder da oposição]. E eu estou feliz que você o
colocou no lugar no qual ele se encaixa nesse cenário. E estou feliz que ele
tenha dito o que ele disse como resposta.
Nuland: Bom. Eu não
acho que o Klitsch deveria estar no governo. Eu não acho que é necessário. Não
acho que é uma boa ideia.
Pyatt: Sim, eu acho…
em termos dele não estar no governo, só deixa ele fora fazendo a lição de casa
política e tal. Eu só estou pensando em termos do processo avançando, nós
queremos manter os democratas moderados juntos. O problema vai ser Tyahnybok
[Oleh Tyahnybok, o outro líder opositor, neonazista] e seus caras, e tenho
certeza que é dessa a parte que o [presidente Víktor] Yanukóvytch está
calculando tudo isso.
Nuland: Eu acho que o
Yats [Arseniy Yatskeniuk] é o cara que tem a experiência econômica, a
experiência de governar. Ele é… o que ele precisa é Klitsch e Tyahnybok do lado
de fora. Ele precisa falar com eles quatro vezes na semana, sabe. Eu só acho
que Klitsch ser colocado ao mesmo nível de trabalho de Yatseniuk não vai
funcionar.
Quanto à tentativa da
União Europeia, um “aliado” dos EUA para negociar o fim do impasse em Kiev,
Nuland diz: “Foda-se a UE”.
Após o golpe e com o
apoio dos Estados Unidos, Yatseniuk realmente se tornou o novo presidente da
Ucrânia.
Biden continuou a
desempenhar um papel fundamental no país após o golpe. Em agosto de 2016, ele
descreveu para a revista Atlantic como ele havia removido o equivalente ao
Procurador-Geral do país um ano antes:
“Ele descreveu, por
exemplo, uma reunião com o presidente ucraniano Petro Poroshenko – a quem ele
chama de ‘Petro’ – em que instou Poroshenko a demitir um promotor geral
corrupto ou ver a retirada de um empréstimo prometido de 1 bilhão de dólares à
Ucrânia. “Petro, você não vai receber seu bilhão de dólares”, lembrou Biden.
‘Tudo bem, você pode manter o procurador-geral. Entenda: não pagaremos se você
o fizer’. Poroshenko demitiu o funcionário”.
Apenas alguns meses
após o golpe de 2014, o filho de Biden, Hunter, foi incorporado ao conselho de
administração de uma grande empresa de gás ucraniana, Burisma, na qual ele
“colaborou” pelos próximos cinco anos. Apesar de não ter experiência no setor de
energia nem na Ucrânia, Hunter Biden recebeu 50 mil dólares por mês. Ele
renunciou ao cargo quando seu pai anunciou sua candidatura presidencial em
2018.
À medida que a crise
de impeachment se aquece, o governo Trump e os democratas estão acusando uns aos
outros de corrupção. Ambos os lados estão certos.
Assim como as
audiências de impeachment de Nixon em 1974 transformaram segregacionistas como
o senador Sam Ervin da Carolina do Norte em heróis liberais, as audiências de
impeachment de Trump já estão tendo o mesmo efeito. Agora, os reacionários
estão sendo elevados, como o presidente do Comitê de Inteligência da Câmara,
Adam Schiff, um firme defensor de Israel, da guerra do Iraque, da guerra dos
EUA e Arábia Saudita no Iêmen, do bloqueio e da proibição de viagens a Cuba,
CIA, NSA etc. A improvável (salvo novas revelações explosivas), condenação de
Trump traria o político de extrema-direita, Mike Pence, à presidência.
Para o movimento
popular, o impeachment oferece um caminho a lugar nenhum.
Fonte: https://www.liberationnews.org/impeachment-road-map-to-nowhere/
Tradução: Partido
Comunista Brasileiro (PCB)
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