Antônio Augusto de Queiroz
Teoria e Debate
A proposta entrega ao
setor privado, com fins lucrativos, além de bens e serviços produzidos e
prestados por estatais, alguns prestados pela administração direta, como
educação, saúde e Previdência
Depois da reforma da
Previdência e da proposta que se destina à desindexação, à desobrigação e à
desvinculação das receitas e despesas orçamentárias, o governo Bolsonaro
partirá para a chamada reforma administrativa, que consistirá no desmonte do
Estado na prestação direta de serviços à população, inicialmente por intermédio
de organizações sociais e serviços sociais autônomos, e posteriormente pela via
da contratação direta do setor privado lucrativo ou mediante fornecimento de
voucher.
Diferentemente de
governos anteriores, que invocavam a necessidade de eficiência, eficácia e
efetividade para retirar o Estado de alguns serviços públicos, descentralizando
sua realização, o atual promove o ataque ao Estado, a suas organizações,
instituições e servidores públicos com duas motivações: uma político-ideológica
e outra de natureza fiscal.
A primeira motivação,
de natureza político-ideológica, está relacionada à visão de seu governo em
relação ao Estado, que é visto por ele como: inchado, em termos de pessoal;
ineficiente, em termos de desempenho institucional; contrário ao mercado e ao
capitalismo; e capturado ou ocupado pela esquerda/comunistas.
A segunda motivação,
de natureza fiscal, tem a ver com a visão governamental de que o Estado é um
mal em si mesmo, porque: 1) é perdulário e gasta mal; 2) tudo que produz custa
mais do que no setor privado; 3) seus servidores ganham muito e trabalham
pouco; e 4) está associado à corrupção.
E em nome do combate
à corrupção e do desaparelhamento do Estado, bem como da defesa do controle e
do equilíbrio das contas públicas, é que o governo propõe: 1) reduzir a máquina
pública; 2) diminuir a presença do Estado no fornecimentos de bens e na
prestação de serviços e de programas sociais; 3) reduzir a regulação, o controle
e a fiscalização; e 4) expurgar a esquerda do governo.
Nessa perspectiva, o
Plano Plurianual (PPA) é claro ao desenhar o cenário e propor as diretrizes
para o período 2020-2023 com várias metas, entre as quais:
1) o aprimoramento da
governança, da modernização do Estado e da gestão pública federal, com
digitalização dos serviços governamentais e redução da estrutura administrativa
do Estado;
2) a articulação e coordenação com os entes federativos, mediante a celebração
de contratos ou convênios, que envolvam a transferência de recursos e
responsabilidades;
3) a redução da ingerência do Estado na economia;
4) a simplificação do sistema tributário, a melhoria do ambiente de negócios, o
estímulo à concorrência e a maior abertura da economia nacional e ao comércio
exterior.
O método que vem
sendo adotado consiste no desmonte do Estado mediante a redução de sua presença
no provimento de bens e serviços, na desregulamentação de direitos e
regulamentação de obrigações e na privatização dos serviços públicos.
Do ponto de vista do
conteúdo, a ideia geral sobre a reforma administrativa, dentro da lógica do
ajuste fiscal, em conformidade com a visão do governo e as diretrizes do PPA,
consistiria:
1) no enxugamento
máximo das estruturas e do gasto com servidores, com extinção de órgãos,
entidades, carreiras e cargos;
2) na redução do quadro de pessoal, evitando a contratação via cargo público
efetivo;
3) na redução de jornada com redução de salário;
4) na instituição de um carreirão horizontal e transversal, com mobilidade
plena dos servidores;
5) em planos de demissão incentivada ou mesmo colocar servidores em
disponibilidade, em casos de extinção de órgãos, cargos e carreiras;
6) na redução do salário de ingresso dos futuros servidores;
7) no fim das progressões e promoções automáticas, condicionando-as a rigorosas
avaliações de desempenho;
8) na adoção de critérios de avaliação para efeito de dispensa por
insuficiência de desempenho;
9) na ampliação da contratação temporária, em caso de necessidade; e
10) na autorização para a União criar fundações privadas, organizações sociais
e serviço social autônomo – cujos empregados são contratados pela CLT – para,
mediante delegação legislativa, contrato de gestão ou mesmo convênio, prestar
serviço ao Estado, especialmente nas áreas de Seguridade (Saúde, Previdência e
Assistência Social), Educação, Cultura e Desporto, Ciência e Tecnologia, Meio
Ambiente, Turismo e Comunicação Social, entre outros.
Além da redução das
estruturas e de pessoal, bem como da adoção dessas novas modalidades de
contratação, algo que iria absorver as atividades dos órgãos, das entidades e
de carreiras extintos, o governo também pretende:
1) intensificar a
descentralização, mediante a transferência de atribuições e responsabilidades
para estados e municípios;
2) criar programas de automação e digitalização de serviços, especialmente no
campo da Seguridade Social;
3) terceirizar vários outros serviços públicos, inclusive na atividade-fim,
como previsto na Lei no 13.429/2017;
4) regulamentar, de modo restritivo, o direito de greve do servidor público;
5) instituir a pluralidade sindical, matéria que ficará a cargo de um grupo de
trabalho, criado no âmbito do Ministério da Economia, sob a coordenação do
ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho.
As mudanças
propostas, ao contrário da narrativa governamental, não buscam a eficiência, a
eficácia, a efetividade das políticas públicas em favor de populações e
territórios vulneráveis e desassistidos ou no combate às desigualdades
regionais e de renda, mas simplesmente reduzir o tamanho, os serviços e as
despesas do Estado.
O objetivo final é
contratar no setor privado os serviços e produtos atualmente prestados ou
produzidos por instituições estatais, inicialmente por intermédio de
organizações sociais e serviços sociais autônomos, sem fins lucrativos, e
posteriormente por empresas privadas, com fins lucrativos.
Setores como Educação
e Saúde poderão dispensar a própria contratação direta, resolvendo-se o
problema mediante a distribuição ou o fornecimento de voucher à população
carente, para que decida de quem comprar o serviço.
A proposta, embora vá
na mesma linha do Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, elaborado por
Bresser Pereira durante o governo FHC, propondo a administração gerencial em
substituição à burocrática, é mais agressiva porque entrega ao setor privado,
com fins lucrativos, não apenas os bens e serviços produzidos e prestados por
estatais, mas também alguns prestados pela administração direta, como Educação,
Saúde e Previdência.
Antônio Augusto de
Queiroz é jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado do
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e sócio-diretor da
Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais
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