Alma Preta, Yahoo Notícias
Para o jornalista, pacote de moro é ameaça aos
brasileiros (Foto: Pedro Borges)
Texto / Nataly Simões | Edição / Pedro Borges
O
jornalista norte-americano e um dos fundadores do site The Intercept Brasil,
Glenn Greenwald, acredita que o pacote de segurança pública proposto pelo
Ministro da Justiça, Sérgio Moro, é uma das perigosas consequências da imagem
construída sobre o ex-juiz responsável pela Operação Lava Jato.
“Nos
últimos cinco anos foi criada uma imagem de que Sérgio Moro é um homem ético e
sem ideologias. Isso o levou a apresentar leis extremas como o pacote
anticrime, que na realidade é uma licença para a polícia matar inocentes sem
consequências”, afirma.
O
mecanismo do projeto de lei de Moro citado por Glenn Greenwald, em entrevista
exclusiva ao Alma Preta, é o chamado excludente de ilicitude.
Pela
legislação atual, o agente policial pode tirar a vida de alguém se alegar
legítima defesa “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta
agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outro”. O texto de Moro inclui
a proposta de que a pena do crime de matar seja reduzida à metade ou, até
mesmo, não aplicada, caso a legítima defesa decorra de “escusável medo,
surpresa ou violenta emoção”.
No
Brasil, 75,4% dos mortos pela polícia no período de 2017 e 2018 eram negros. O
número consta na 13ª edição do Anuário da Violência, divulgado pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FPSP) no dia 10 de setembro.
A
proposta de ampliação do excludente de licitude, entre outros pontos do projeto
de Sérgio Moro, levou a Coalizão Negra por Direitos, frente composta por mais
de 50 entidades da luta antirracismo no Brasil, a denunciar o pacote de segurança
pública à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em fevereiro e
participar de audiência do órgão internacional em maio, em Kingston, na
Jamaica.
De
acordo com o grupo, o projeto apresenta riscos à vida de jovens negros em um
judiciário descrito como racialmente seletivo. A proposta de segurança de
Sérgio Moro segue em tramitação na Câmara dos Deputados.
Vaza Jato
Em
junho deste ano, o site The Intercept Brasil divulgou mensagens atribuídas ao
ex-juiz Sérgio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol. O material obtido por
meio de uma fonte sigilosa inclui mensagens trocadas no aplicativo Telegram, de
2015 a 2018, quando os dois integravam a força-tarefa da Lava Jato.
Nas
conversas, a dupla faz referência a casos como o do processo que culminou com a
condenação e, posteriormente, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), no caso do tríplex no Guarujá, litoral paulista.
Segundo
Glenn Greenwald, as denúncias feitas envolvendo Sérgio Moro enfraqueceram sua
atuação como Ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro.
“Eu
acho que por causa da nossa reportagem o Moro se tornou uma figura mais fraca.
Não só porque revelamos que ele é corrupto, mas também que ele é politizado. É
um homem da direita extremista e as pessoas finalmente entenderam isso”,
explica.
A
Vaza Jato não foi a primeira investigação jornalística de grande repercussão de
Glenn Greenwald. O jornalista também foi responsável pelas reportagens que
revelaram os programas de vigilância usados pelo governo americano para
espionar a população americana. O caso ficou conhecido como arquivo Snowden e
também trouxe à tona o monitoramento dos EUA de vários países da Europa e da
América Latina. Incluindo o Brasil, com a espionagem de conversas da
ex-presidente Dilma Rousseff com seus principais assessores.
Visita a Lula
Cerca
de um mês antes da publicação da “Vaza Jato”, Glenn Greenwald viajou para
Curitiba, no Paraná, para entrevistar o ex-presidente. Lula sustenta que a Lava
Jato foi uma tentativa da elite brasileira para destruir o Partido dos
Trabalhadores.
Segundo
um dos fundadores do site The Intercept Brasil, apesar de os mais ricos terem
sido economicamente beneficiados nos dois mandatos de Lula, o ex-presidente
avalia que as políticas públicas criadas para melhorar as condições de vida da
população negra e pobre incomodaram a elite nacional.
Os
dois mandatos de Lula duraram de 2003 a 2010. Neste período, por exemplo, foi
criado o ProUni, programa de concessão de bolsas de estudo integrais e parciais
a estudantes de cursos de graduação em universidades privadas. O Brasil também
saiu do mapa mundial da fome e a pobreza extrema foi reduzida em 75%.
“Quando
eu estava produzindo a Vaza Jato, busquei compreender a obsessão que havia em
torno da condenação e prisão do Lula. Nesse aspecto, o que ele diz sobre a
operação faz sentido. Ele era um símbolo da mudança que a elite não aceitava”,
conta o jornalista norte-americano.
Diversidade na mídia
Glenn
Greenwald fundou o The Intercept nos Estados Unidos, em 2013. O objetivo do
jornalista era realizar um trabalho representativo e contrário ao da imprensa
tradicional.
No
Brasil, Glenn Greenwald logo percebeu que as redações da grande mídia
brasileira também careciam de representatividade. “Quase todas as pessoas que
assinavam colunas nos grandes veículos eram brancas e raramente oriundas da
favela”, conta. “Como uma mídia pode reportar experiências reais sem
diversidade de opinião?”, questiona.
O
jornalista norte-americano vive no Brasil com o companheiro negro David
Miranda, deputado federal (PSOL-RJ), e os dois filhos, também negros. Ele
lembra que o marido cresceu na Favela do Jacarézinho, na Zona Norte do Rio de
Janeiro, onde a desigualdade social demonstra a importância da diversidade.
“O
jornalismo só tem valor se estiver na luta contra os poderosos e dando voz às
minorias”, finaliza um dos fundadores do The Intercept Brasil.
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