Marcello
Casal Jr. / Agência Brasil
Sucessor de Marina
Silva no comando do Ministério do Meio Ambiente, Carlos Minc teve uma das
gestões mais bem-sucedidas na pasta nos últimos anos com redução significativa
do desmatamento e a criação do Fundo Amazônia.
Geografo,
professor, economista, ambientalista e atual deputado estadual no Rio de
Janeiro, Minc conversou com o Yahoo Notícias sobre a política ambiental do
governo Bolsonaro e a crise diplomática provocada pela onda de queimadas na
Amazônia.
Para ele, o
momento é triste e o governo atual cultua o obscurantismo.
Yahoo Notícias: Quais são os principais desafios de um
ministro do meio ambiente?
Carlos Minc: Eu fui ministro entre abril de 2008 e abril de
2010. A ministra que me antecedeu foi a Marina Silva que foi uma boa ministra e
reduziu bastante o desmatamento, mas no último ano dela [o desmatamento
aumentou] de 11 mil para 13 mil quilômetros quadrados.
Então a gente
tinha vários desafios. Preparamos um decreto de crimes ambientais sancionado
pelo presidente Lula criando a figura do “perdimento”. Isso permitiu apreender
o boi pirata, a serraria ilegal, o trator que estivesse desmatando terras
indígenas e parques. Criamos grandes operações que envolveram mais de 1000
pessoas em conjunto com o Exército, a Aeronáutica, o Ibama, o ICMBio, a Polícia
Ambiental... Apreendemos 40 mil cabeças de gado que estavam sendo usados para
invadir, destruir e se apossar de terras protegidas.
Esse gado foi
doado para o programa Fome Zero. Mas, só repressão não basta. É preciso também
induzir desenvolvimento sustentável. Então nós fizemos o Pacto da Madeira
Legal, a Moratória da Soja e o Zoneamento Econômico e Ecológico da Amazônia. E
o que era a moratória da soja? Os exportadores tinham que colocar a soja na
Europa e nos Estados Unidos. O governo passou a ceder um selo verde e esses
exportadores se comprometiam a não comprar soja de área desmatada. Isso foi
cumprido em 92% e foi verificado por três satélites. Um do INPE, o satélite da
Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), e um satélite
alugado pelo Greenpeace. A soja deixou de ser um fator relevante no
desmatamento da Amazônia.
O Pacto da Madeira
Legal atendeu a uma demanda do setor madeireiro que alegava que não existia
madeira licenciada e nem plano de manejo. Então a madeira era toda ilegal. E se
fosse proibido iriam demitir milhares de pessoas. Então o governo se
comprometeu a dobrar a quantidade de madeira legalizada. E eles se
comprometeram a comprar madeira só dos produtores licenciados. Isso foi
cumprido em 60%. Não foi tão bom quanto a Moratória da Soja. Também trabalhamos
em parceria com universidades para fazer o Zoneamento Econômico e Ecológico da
Amazônia que serviu para ordenar o território.
Para sinalizar
áreas protegidas, apontar áreas que já foram desmatadas e poderiam abrigar
indústrias e também para identificar áreas de pasto degradado. Então a
orientação do ministério era para recuperar o pasto e ao invés de colocar uma
cabeça de gado por hectare colocar três. Desse modo se aumentava a
produtividade e evitava o desmatamento. Em dois anos nós reduzimos pela metade
o desmatamento da Amazônia. Criamos o Fundo Amazônia –que foi praticamente
destruído pelo Bolsonaro e Ricardo Salles--, o Fundo Clima.
O Brasil foi o
primeiro país em desenvolvimento a adotar metas de redução de emissão de carbono.
Os países desenvolvidos tinham assinado o Protocolo de Kyoto. Achávamos que
isso era coisa só dos ricos. Só que a China passou a ser a maior poluidora.
Índia e Brasil estavam entre os cinco maiores emissores de carbono. Então não
adiantava colocar só a culpa nos ricos –o que é verdade. O Brasil foi o
primeiro país em desenvolvimento a adotar metas de emissão de carbono em 2009 e
foi aclamado.
Hoje o Salles e o
Bolsonaro estão transformando o Brasil na escória ambiental do planeta.
Sinônimo de ameaça aos índios e destruição da floresta. De afetar o aquecimento
global. É uma tristeza ver como tanta coisa boa que demorou tantos anos ser
destruída.
Yahoo Notícias: Como atingir o equilíbrio entre agronegócio e
a preservação do meio ambiente? É uma questão meramente financeira ou passa
também por aspectos de conscientização?
Carlos Minc: É importante ter diálogo. Tivemos muito diálogo
para a aprovação do Código Florestal. Tivemos lutas intensas e chegamos a um
acordo. O ponto central do código era não punir, mas obrigar as áreas
desmatadas e as chamadas áreas de proteção permanente que são as encostas e
margens dos rios.
O senador Flávio
Bolsonaro tem um projeto de acabar com a reserva legal. Isso vai implicar um
desmatamento de 90 milhões de hectares não só na Amazônia, mas também no
Cerrado e na Mata Atlântica. A eminência da destruição de 90 milhões de
hectares corresponde a uma vez e meia toda a emissão de carbono do planeta em
um ano. Estivemos eu e outros ex-ministros do meio ambiente recentemente com o
Rodrigo Maia para propor uma Moratória da Amazônia.
Fomos com
cientistas, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Rodrigo Maia concordou em dar
uma trava em projetos com grande impacto e discutir seriamente esses projetos.
Ele parou com a tramitação de projetos como o, por exemplo, o que abriria
terras indígenas para a mineração. Ele concordou que não era o momento de jogar
gasolina na fogueira da Amazônia. Existe diálogo sim. Os setores mais
prósperos, produtivos e conscientes do agronegócio estão aterrorizados com essa
política do Salles e do Bolsonaro. Isso está prejudicando os produtos
brasileiros.
O boicote já
começou em vários países. Não só do couro. Os setores fortes do agronegócio
afirmam que a agricultura brasileira cresceu muito nos últimos anos em produtividade.
Aumentamos a produção por hectare de carne, grãos e frutas. Os grandes do
agronegócio dizem que não precisam desmatar para aumentar a produção. Podemos
fortalecer a Embrapa que avançou muito no combate biológico as pragas que é uma
ótima alternativa aos agrotóxicos.
O Salles, o
Bolsonaro e a ministra da agricultura Tereza Cristina autorizaram 247
princípios ativos de agrotóxicos dos quais 46 são proibidos na Europa por serem
carcinogênicos e mutagênicos, ou seja, provocam câncer e mutação genética. Isso
já está refletindo em boicote. Atendendo também a certo protecionismo dos
produtores europeus. Mas, como você vai fazer uma loucura dessas tendo
expertise em combate biológico a pragas, agricultura orgânica e plantio direto.
A Embrapa é top de linha. Setores fortes do agronegócio estão indignados com
essa posição que está destruindo a relação com mercados que a indústria
brasileira conquistou.
Yahoo Notícias: Mas, excluindo os maiores
setores do agronegócio, os produtores medianos ainda não se conscientizaram dos
riscos da atual política ambiental...
Carlos Minc: Isso é verdade. Só que com a degradação o setor
mais prejudicado será a agricultura. O Cerrado, por exemplo, é a caixa d’água
do Brasil. Não existe agricultura sem água. Se você desmata fortemente áreas de
preservação terá um efeito direto na agricultura.
Os setores mais
atrasados do agronegócio são predatórios. Não querem ter limites. Então eles
jogam contra eles próprios. Essa história de dizer que combater o desmatamento
econômico é uma mentira. Reduzimos pela metade o desmatamento e crescíamos
3%,4%,5%... Agora estamos desmatando mais.
O país está com 13
milhões de desempregados e a economia patinando. Essa ideia de que combater o
desmatamento prejudica a economia é uma falácia. É uma mentira. As queimadas e
desmatamentos da Amazônia estão aumentando porque o Bolsonaro e o ministro
Salles não acreditam no aquecimento global. Eles desmontaram o Fundo Amazônia
que nós criamos. O maior doador é a Noruega. Quando assinamos o acordo, o
ministro norueguês falou que eles eram um pequeno país perto da Groelândia e
que seriam os primeiros a submergir quando ela derretesse. Para eles era um
seguro de vida.
O fundo era gerido
pelo Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA) que tinha ambientalistas,
empresários, índios e representantes dos governadores. Os países doadores não
tinham nenhuma influência na escolha dos projetos. Nosso único compromisso era
reduzir o desmatamento medido pelo Inpe. Desmontaram a maior iniciativa do
mundo para desenvolvimento sustentável. Esse dinheiro era usado para
ecoturismo, pesquisa, reflorestamento e apoio ao extrativismo sustentável. O
Salles chegou para os noruegueses dizendo que não queria mais nada disso e
queria usar o dinheiro para indenizar os proprietários de terras em áreas de
preservação. Obviamente que eles não aceitaram. É uma tristeza.
Eles tolhem,
esvaziam o Ibama e o ICMBio e incentivam na prática a meterem fogo na Amazônia.
Só o governador do Tocantins emitiu mais de 500 licenças para desmatamento. E
eles para limpar o terreno metem fogo. São os próprios governadores da base do
Bolsonaro que incentivam isso. Quando estivemos com o Rodrigo Maia defendemos o
remanejamento de R$ 1 bilhão recuperados da Petrobrás para o Fundo Amazônia. Só
que esses governadores precisam mudar de atitude. E ele concordou. Não podemos
dar recursos se eles não pararem de incentivar o desmatamento e as queimadas.
Yahoo Notícias: Uma das críticas mais contundentes que se faz
ao atual ministro é a sua agenda de trabalho que privilegia sempre ruralistas.
Esse governo demonstra ter algum compromisso com o meio ambiente?
Carlos Minc: Falo por mim.
Na minha época de ministros eu recebia toda semana produtores rurais e
empresários. Fiz acordos afinados com empresários. Mas, também recebia ongs
sérias como o SOS Mata Atlântica e uma coisa não impedia a outra. Tínhamos
força para negociar com o agronegócio porque tínhamos amplo diálogos com as
ongs. O Fundo Amazônia foi discutido com todos.
O Bolsonaro queria
acabar com o Ministério do Meio Ambiente e deixar o Acordo de Paris. Só que a
pressão foi tanta que ele não conseguiu. O que ele fez? Colocou a frente do
ministério uma pessoa que é contra o meio ambiente. Que é um ruralista. A Folha
de S.Paulo fez uma reportagem que o Salles só recebe ruralistas e fazendeiros.
Como que um ministro do Meio Ambiente não recebe ambientalistas?
O Bolsonaro
conseguiu montar um ministério... Temos um Ministério do Meio Ambiente que o
ministro não gosta de ecologia. Uma ministra das Mulheres que a ministra não
gosta das feministas. Uma secretária da cultura que quer censurar os filmes da
Ancine... Parece um anti-ministério. É um momento triste de obscurantismo.
Yahoo Notícias: Qual a importância do Inpe para coibir o
desmatamento?
Carlos Minc: O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe) tem prestígio internacional. É uma entidade composta por cientistas. Só
consegui diminuir o desmatamento quando ministro por conta do trabalho do Inpe.
Não só nas pesquisas anuais como nas pesquisas semanais. Os dados do Inpe
orientavam as grandes operações de combate ao desmatamento.
Quando criamos o
pacto da Madeira Legal era o Inpe que fiscalizava se as metas estavam sendo
cumpridas. Quando fizemos o Zoneamento Econômico e Ecológico da Amazônia o Inpe
ajudou tremendamente. Não só o Inpe, mas também o Exército. Como o dado do Inpe
demonstrou que o desmatamento havia aumentado o Bolsonaro quis desacreditar a
entidade.
O Inpe, a Fiocruz,
a Amazônia não são do Bolsonaro. Pertencem ao povo brasileiro. Esse governo vai
passar e essas entidades devem perdurar. Não é admissível nessa altura do
campeonato aturar que um governo desqualifique o meio ambiente, a cultura, a
diversidade... Não podemos voltar para a idade média.
Yahoo Notícias: O senhor acredita que existe um aparelhamento
–ou uma tentativa—dessas entidades pelo governo atual?
Carlos Minc: Claro. Eu vou te dar um exemplo. Quando fui
ministro poderia indicar alguém da minha confiança para o ICMBio. Não fiz isso.
Criamos um comitê de busca para identificar o melhor candidato. O que o Salles
fez no ICMBio? Ele demitiu toda a direção e colocou quatro oficiais da PM de
São Paulo. O pessoal até brincava que a entidade passou a se chamar “IPMBio”.
Eu não tenho nada contra a PM. Pelo contrário.
Agora você ter a
disposição um quadro de pessoas preparadas e escolher aparelhar uma entidade
que é responsável por fiscalizar todos os parques nacionais e reservas. Não é
possível é uma brincadeira. Um exemplo disso foi a tentativa de transferir o
biólogo José Martins de Fernando de Noronha. O maior especialista brasileiro em
golfinhos que, por ter dado um parecer contrário ao aumento de transatlânticos
na área dos golfinhos, foi deslocado para o sertão pernambucano aonde não
existe nenhum golfinho. Claro que ele entrou na justiça e voltou a trabalhar em
Fernando de Noronha. Só que isso mostra um obscurantismo. Você pega uma
autoridade internacional no estudo dos golfinhos e manda ele para o sertão? Só
falta acender a fogueira da inquisição e além de queimar a Amazônia, queimar os
livros, os cientistas, os gays e as bruxas feministas. Isso não é admissível.
Yahoo Notícias: Qual a
importância de resguardar a ciência brasileira para preservação do meio ambiente?
Carlos Minc: Na reunião que os ex-ministros do Meio Ambiente
tiveram com o Rodrigo Maia fizemos questão de levar o presidente da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, o físico Ildeu de Castro Moreira. Eles
vão participar das audiências da Câmara e do Senado sobre implicações
ambientais de alguns projetos em tramitação. Levantamos a bola para o
Congresso. Queremos mostrar que enquanto o presidente e alguns ministros
desqualificam a ciência, o Congresso brasileiro recebe cientistas e conversa
com eles demarcando que nem todo o Brasil reza pela cartilha obscurantista do
Bolsonaro.
Yahoo Notícias: Em meio à crise das queimadas, o presidente
Jair Bolsonaro chegou a insinuar que os autores do crime ambiental seriam os
responsáveis pelas ONGs que atuam na região. Como era a sua relação com as ONGs
quanto ministro?
Carlos Minc: Eu conheço bem as Ongs que atuam na Amazônia.
Primeiro que não são muitas como o Bolsonaro tem propagado. Cada uma tem poucas
pessoas. São pesquisadores. Pessoas que dedicam a vida a estudar e defender a
fauna, a floresta e a estudar os princípios ativos das plantas. Muitos desses
princípios ainda desconhecidos... Para você ver... Estamos incinerando um
tesouro de potencialidades desconhecidas. São pessoas que dedicam a vida a
preservar, conhecer, discutir questões ligadas ao bioma, ao ecossistema, as
nações indígenas, a fauna, a flora, as cadeias alimentares etc. Imagina se
essas pessoas vão deixar os seus laboratórios e pegar uma motocicleta para sair
incendiando a floresta? Tocar fogo naquilo que eles dedicam a vida a defender?
É
uma coisa tão sem sentido. O presidente ataca pessoas que dedicam a vida a
defender a floresta sem nenhuma prova. De cara limpa. Isso é uma das coisas que
indignou muita gente em todo o mundo. O Bolsonaro se elegeu dizendo que iria
aproximar o Brasil do Ocidente. Em poucos meses ele criou crises com a França,
com a Noruega, com a Alemanha... É um estelionato eleitoral. É um momento
triste, mas nem por isso nós vamos nos recolher. O Congresso é um contraponto
que vem derrubando várias propostas absurdas do Bolsonaro. A Justiça também tem
barrado várias propostas dele... E vamos continuar resistindo.
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