JOELMIR TAVARES, Folhapress
SÃO PAULO, SP
(FOLHAPRESS) - Crítico da Lava Jato, o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo
Tribunal Federal), fez reparos à operação e exaltou a divulgação de mensagens
trocadas por membros da força-tarefa, nas quais foi mencionado.
Sem citar nomes,
ele reiterou ataques ao ex-juiz e hoje ministro Sergio Moro (Justiça) e a
procuradores do Ministério Público Federal.
Em relação aos
procuradores, vocês têm visto tudo aquilo que se fala: perseguição, combinação.
Obter vantagens, oferecer palestras, ganhar dinheiro, monetizar a Lava Jato.
Imagine isto, disse o ministro a jornalistas, nesta sexta-feira (09.08.2019),
em São Paulo.
Estado de Direito
é um modelo em que não há soberanos. Todos estão submetidos à lei. Portanto
esse modelo que se desenhou, essa chamada ”República de Curitiba”, isso não
tem abrigo na Constituição.
Agora se revela,
a despeito do bom trabalho que tenha feito, essa grande fragilidade da Lava
Jato, comentou o ministro, antes de participar de evento da Aasp (Associação
dos Advogados de São Paulo).
Um grupo de cerca
de dez pessoas fez um protesto em frente ao local da palestra, em um prédio na
região da avenida Paulista. Elas gritavam fora Gilmar e diziam que é a população quem paga o
salário do magistrado.
Uma participante
do ato usava uma capa preta ao estilo do STF. Outros, vestidos de verde e
amarelo, manifestavam apoio à Lava Jato e a Moro.
Vamos encerrar
com esse ciclo de falsos heróis, disse Gilmar aos repórteres. Vamos
reconhecer que as pessoas têm virtudes e defeitos. A democracia convive com
isto. Indagado se fazia referência a Moro ou ao procurador Deltan Dallagnol,
falou que não iria fulanizar o debate.
Certamente, juiz
não pode ser chefe de força-tarefa. Ele não pode se integrar numa força-tarefa,
afirmou Gilmar, emendando uma ironia. Daqui a pouco alguém dirá: ele trabalhou
tanto que pode até reivindicar salários na Justiça do Trabalho, acumulou
funções.
Ele reiterou que a
situação é a maior crise que se abateu sobre o aparato judicial no Brasil
desde a redemocratização e que nada é comparável às revelações agora feitas.
Afirmou, contudo, acreditar que o Brasil vai sair mais forte disso.
Em algum momento,
essas pessoas que se envolveram nesses malfeitos terão que prestar contas. Terão
que contar o que fizeram mesmo, para que a gente possa, inclusive, no futuro,
fazer as devidas correções.
Quem, às
escondidas, praticou atos indevidos tem que prestar conta deles, completou.
Para ele, a
revelação feita pela Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (8) sobre o
comportamento do então corregedor-geral do Ministério Público Federal,
Hindemburgo Chateaubriand Filho, em relação a Deltan, ilustra a conduta
problemática de membros da força-tarefa.
O próprio
corregedor, embora não [tenha] cumprido devidamente suas funções, diz: Vocês
estão monetizando, vocês estão ganhando dinheiro com a Lava Jato. E isso
obviamente é vedado, assinalou o magistrado.
Está escrito na
Constituição. Eu não posso usar a função pública para ganhar dinheiro fora
daquilo que eu já ganho. Como mostrou a reportagem, Deltan escreveu a
Hindemburgo que a reprimenda seria acatada, mas a contragosto de membros do
MPF.
Para Gilmar, o STF
poderá ter que se debruçar sobre a validade das mensagens obtidas pelos hackers
como provas em processos judiciais. Isso é um debate que a corte já teve em
alguns casos e que certamente será renovado agora.
Segundo ele, o uso
de uma eventual prova de caráter ilícito pela defesa de réus como o
ex-presidente Lula (PT) em tese pode ser reivindicado, mas a validade
dependerá de uma análise mais aprofundada.
"Há uma
jurisprudência, em alguns casos, em que se diz: a prova, mesmo ilícita, serve
para isentar determinada sanção ou inocentar alguém. Isso terá que ser
examinado", disse. A toda hora vem esse tipo de consideração: Ah, qual
será a anulação?. A mim me parece que o efeito já é deslegitimador dessas
sentenças.
E prosseguiu: Quando
a gente vai para o exterior, as pessoas perguntam: mas como vocês fizeram isso?
Vocês que lograram um sistema de combate à corrupção agora estão com a
credibilidade do sistema afetada. Como que um juiz sai para integrar um governo
que é de oposição àquele que está preso?.
Citado em
conversas de procuradores da Lava Jato reveladas na terça-feira (6), o ministro
cobrou de imediato providências da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre
o caso e disse ver um quadro de desmando completo.
Segundo publicação
do jornal El País com base em mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil,
procuradores da força-tarefa em Curitiba discutiram coletar dados e informações
sobre Gilmar para tentar afastá-lo de processos e até pedir seu impeachment.
Questionado nesta
sexta sobre o tema, o integrante do STF afirmou ser necessária uma reforma
institucional. Certamente a procuradora-geral [Raquel Dodge], se for
reconduzida, ou um novo procurador-geral vai ter um encontro com o Congresso no
sentido da reinstitucionalização.
Ele sinalizou que
a autonomia dos membros pode estar associada aos abusos agora conhecidos. Em
alusão ao episódio envolvendo Hindemburgo e Deltan, o ministro disse: Esse
modelo autonomista, em que o corregedor tem constrangimento de fazer correição
em relação a um procurador, tem que ser superado. Isso está levando a um modelo
de soberanos.
Gilmar não quis
comentar a sucessão na PGR, sob a justificativa de que a indicação cabe ao
presidente da República.
Na palestra, para
uma plateia de advogados e representantes de classe da categoria, o ministro
falou sobre um assunto técnico, a questão da repercussão geral em ações
judiciais e a repetição de recursos no STF.
TRANSFERÊNCIA DE
LULA
Gilmar comentou
também o pedido de transferência do ex-presidente Lula, que está preso em
Curitiba, brecado na quarta-feira (7) pelo STF. "Ali houve coisas
estranhas", disse o magistrado. "O tribunal interpretou que havia
sinais de desvios e abusos e, por isso, fez aquela suspensão rápida."
Na palestra aos
advogados, ele ironizou a tentativa de transferência e disse que parlamentares
enxergaram no caso oportunismo político.
"Na
quarta-feira, por vicissitudes que não vale a pena agora discutir, se decide,
talvez para que não houvesse conversa no final de semana tratando de Intercept
ou coisa do tipo, se decidiu transferir o presidente Lula [...]. E em pouco
tempo o tribunal estava cercado por parlamentares, de todos os partidos."
Na
saída, indagado por jornalistas, voltou ao tópico: "Vocês não veem o
Supremo Tribunal Federal dar resposta tão célere como foi nesse caso. Em
questão de horas, o tribunal fez aquela reunião especial e deliberou sobre o
tema, porque entendeu que de fato se estava diante de uma decisão de forte teor
político e que tinha repercussões negativas, talvez inclusive sobre a própria
paz social".
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