Fardas e armamentos da ROMU são bastante parecidas com as das tropas de elite das polícias do Rio e de SP (Foto: Yan Boechat) |
Grupo
ostensivo da GCM, cena cada vez mais comum na Grande São Paulo (Foto: Yan
Boechat)
Por Yan Boechat - Yahoo Notícias
Mãos na parede
chapiscada, olhos para o chão, pernas abertas num quase espacate. O jovem rapaz
tremia quando ouviu o som metálico da pistola 380 sendo engatilhada. Na
estreita viela formada por casas que de tão grudadas parecem caoticamente
geminadas, o silêncio tenso amplificou o barulho que antecipa o primeiro
disparo.
“Ouviu, né? Se correr vai tomar tiro”, disse o
homem, uniforme azul, colete a prova de balas e uma intimidadora boina ornada
com uma caveira.
O menino, então,
chorou. Pediu perdão aos guardas por ter fugido ao encontrá-los de repente nos
pequenos corredores dessa comunidade de casinhas simples em Osasco, na Grande
São Paulo. “Sou ajudante de pedreiro, não mexo com droga, senhor”, repetia ele,
quase aos soluços. Um segundo homem aproximou-se do adolescente de 17 anos,
segurou sua camisa com força na altura da nuca, e avisou. “Fica na sua pra não
ficar ruim pra você”. Com a boca já quase encostada no ouvido do rapaz, lembrou
de uma dessas regras que nunca se quebram: “Homem não chora”.
A cena, tão comum
no cotidiano de incontáveis favelas brasileiras, não foi protagonizada por
policiais militares, quase sempre os responsáveis por abordar traficantes em
áreas potencialmente perigosas nas grandes cidades do País. Naquela manhã
ensolarada e especialmente quente do início de agosto, os responsáveis por
invadir a íngreme comunidade conhecida como “inferninho” eram homens da Guarda
Municipal de Osasco.
Treinados pela ROTA,
a violenta tropa de elite da PM paulista, desde o início desse ano eles têm
como missão atuar exatamente em regiões e em ações que até pouco tempo eram de
responsabilidade exclusiva da Polícia Militar. Abandonaram as típicas rondas
escolares, o patrulhamento comunitário e as guardas patrimoniais. Agora caçam
bandidos e traficantes pela cidade da Grande São Paulo e passaram a adotar um
estilo cada vez mais próximo de seus colegas militares.
Circulam pela
cidade com escopetas calibre 12, viaturas de grande porte que se parecem com as
usadas pelas tropas táticas da PM e ostentam no uniforme a tal boina adornada
com uma caveira e um braçal no ombro direito no qual se lê em letras grandes a
sigla ROMU: Rondas Ostensivas Municipais. “Somos a Rota da GCM, estamos na
linha de frente contra o crime”, me conta um dos guardas, orgulhoso por sua
nova função.
Osasco foi a
última cidade da Grande São Paulo a criar uma tropa de elite para sua Guarda
Civil Municipal. Segue uma tendência que vem se espalhando por todo o país de
forma acelerada. Prefeituras de um crescente número de cidades em diferentes
regiões vêm investindo quantias consideráveis de recursos na criação de tropas
especializadas, bem armadas e com treinamento quase militar para oferecer a
seus cidadãos uma alternativa ao combate à crescente criminalidade. “Esse não é
um movimento exatamente novo, mas que estamos vendo se espalhar e se acentuar
com bastante frequência pelo país em meio a essa onda de militarização que
ganhou força nos últimos anos no País e que culminou, de certa forma, com a
eleição do presidente Jair Bolsonaro”, diz a pesquisadora Juliana Martins, do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Hoje em
praticamente todas as cidades da região metropolitana de São Paulo há uma tropa
de elite nas Guardas Municipais. Elas variam no formato, no treinamento, na
maneira como se comportam e até mesmo na maneira como se vestem. Mas todas tem,
em comum, a ideia de que são um complemento necessário à atuação da Polícia
Militar em um cenário em que a percepção é violência crescente, mesmo com os
índices de homicídio atingindo os menores valores da história em São Paulo .
“Os interesses são
múltiplos em fazer esse investimento”, diz Denis Viana, secretário de Segurança
Pública da cidade de Embu das Artes. “Há uma necessidade efetiva de ampliar o
patrulhamento na cidade, que muitas vezes fica deficitário por conta das
prioridades da Polícia Militar, que costuma pensar de forma muito mais estadual
do que local”, diz ele, um guarda municipal de carreira. “E há, claro, uma
questão política, a prefeitura mostra de forma efetiva que está atuando no
combate à violência”.
A Romu de Embu das
Artes foi criada há dois anos pelo prefeito Ney Santos (PRB), político que já
foi alvo de diferentes investigações e chegou a ser acusado de ter participação
em um esquema de lavagem de dinheiro do PCC. Ao contrário da maior parte das tropas
de elite das GCMs da Grande São Paulo, a Romu de Embu preferiu buscar
inspiração no BOPE do Rio de Janeiro e não na ROTA, a tropa que serve de
espelho para a maior parte das GCMs paulistas. “Buscamos algo mais amplo, mais
efetivo e que pudesse preparar nossos homens para qualquer situação”, diz Marco
Viana, o comandante da Guarda de Embu. “Nossa inspiração foi o filme Tropa de
Elite”.
Tem
sido corriqueiro que guardas municipais tenham executado ações parecidas com as
que se vê apenas policiais militarem exercendo (Foto: Yan Boechat)
Por lá, os homens
da sua própria tropa de elite abandonaram o azul tão característico das guardas
municipais e adotaram o preto que caracteriza grupos táticos como o BOPE. Os
guardas usam calças típicas de grupos combate, coturnos e boinas, um uniforme extremamente
semelhante ao temido batalhão especial da PM fluminense. “E não é só isso não,
nosso treinamento é tão pesado quanto o deles, são 15 dias intensos, em que nós
fazemos de tudo para que o candidato que não tem preparo toque o sino e
desista”, conta Viana.
A preparação para
ter o direito de ser um Romu de Embu das Artes envolve situações extremas, como
passar 48 horas sem sono e com quase nenhuma alimentação. Treinamento físico
intenso e situações de tensão extrema. Na última turma, apenas 13 dos 21
candidatos que iniciaram o curso conseguiram completá-lo. “Muitas vezes eu tive
vontade de tocar o sino, não é fácil, mas a recompensa de ser um Romu vale a
pena, vale o sofrimento”, diz Jesus Santos, um baiano de 26 anos de Gongogi, na
Bahia, que passou a integrar a tropa de elite da GCM de Embu das Artes a pouco
mais de seis meses.
Santos é o
responsável por carregar a escopeta calibre 12 de sua equipe formada por outros
três guardas. Circula pela cidade com os olhos atentos a qualquer atividade
suspeita, sempre deixando à mostra o cano da espingarda que tem a capacidade de
arrancar a cabeça de um homem se disparada a curta distância. “Não estou aqui
por dinheiro, não ganhamos nada a mais por isso, estou aqui por amor, por uma
vocação”, conta ele, sob a anuência de seus colegas.
Os guardas de Embu
levam tão à sério a lógica das tropas de elite que implantaram uma auto-punição
para aqueles que cometem erros bobos, como deixar a arma em um lugar não
autorizado, estar com a boina fora do lugar ou chegar atrasado. Em geral,
aqueles que cometem os deslizes precisam tomar um banho frio, com farda e
coturnos, e trabalhar as 12 horas de seu turno molhados. Na terça-feira, 30 de
julho, três deles tiveram que enfrentar uma madrugada gelada com as roupas
absolutamente molhadas.
Um
dos castigos por 'má conduta' é trabalhar um turno de 12 horas com as roupas
molhadas; na imagem, policiais castigados (Foto: Yan Boechat)
Vistos até pouco
tempo como atores menores no intrincado e complexo universo da segurança
pública, a criação das tropas de elite das GCMs também tem servido para elevar
a moral dos guardas. “Todo esse aparato, esses uniformes, essas boinas, esses
braçais servem para aumentar a auto-estima desse profissional”, diz o
presidente da Federação Nacional das Guardas Municipais, Clovis Roberto
Pereira, que acumula o cargo de presidente do sindicato dos guardas municipais
da cidade de São Paulo, onde não há uma ROMU. “São Paulo até criou algo
semelhante quando o Paulo Maluf foi prefeito, mas ela foi extinta pela Luísa
Erundina”, conta ele, que prefere não emitir uma opinião contumaz sobre a nova
tendência que se espalha rápido pelo País.
Mas as rápidas
mudanças no perfil das guardas municipais tem assustado até quem mesmo está
para lá de acostumado com métodos agressivos das forças de segurança, como o
ex-comandante do GATE da Polícia Militar de São Paulo, o tenente-coronel
Diógenes Lucca. “Esses dias me surpreendi ao ver uma guarnição da GCM de
Guarulhos fazendo tocaia, com tudo apagado, todos de preto”, conta Lucca. “Esse
não é o papel da Guarda Municipal”. Lucca é um crítico contumaz das ações
violentas da própria PM e vê no avanço das tropas de elite das guardas um potencial
para o aumento ainda maior dos casos de violência policial. “Eu ando
pessimista, o discurso que está em voga, o discurso que vem da Presidência da
República causa impacto direto na tropa, que se sente mais livre para agir e
fazer Justiça por conta própria”, diz ele, que participou da formação de um
grupo da Romu de Embu das Artes recentemente. “Eu disse claramente que eles
estão cometendo os mesmos erros da PM, repetindo o que temos de pior”.
Entre
os trabalhos que os ROMU executam, está a abordagem de suspeitos nas ruas, o
que até então era trabalho apenas da PM (Foto: Yan Boechat)
Em Osasco os
impactos das mudanças causadas pela criação da ROMU ainda são motivo de
preocupação para a Guarda Municipal. “Se eu te colocar numa viatura grande, com
uma boina, uma arma na mão, com as pessoas baixando a cabeça para você nas ruas
você vai crescer, aquilo vai mexer com você, não tem jeito”, diz o
sub-comandante da GCM de Osasco, inspetor Júlio Vaz. Ele, como a maior parte
dos guardas municipais com décadas de carreira, vê com preocupação as
indiscutíveis semelhanças entre as ROMUs e as tropas de elite das PMs
brasileiras, conhecidas como violentas e, muitas vezes, as principais
responsáveis pelos altíssimos índices de letalidade policial registrados no
Brasil, os maiores do mundo. “Todo dia a gente precisa ir lá, lembrar esse cara
de que ele precisa respeitar o cidadão, se deixar correr, teremos problemas”,
reconhece ele.
O jovem rapaz
abordado pelos guardas comandados por Vaz ainda chorava quando sua família
apareceu. O padrasto trazia o RG. A tia garantia que ele era um menino
trabalhador. Era o fim de quase 30 minutos de um interrogatório tenso, motivado
pela tentativa do jovem em correr ao avistar um grupo de oito homens armados e
uniformizados em meio às vielas estreitas. “Esse choro ai é tudo mentira, essa
tremedeira é tudo encenação”, me contava um dos guardas que haviam abordado o
rapaz enquanto deixava a comunidade. “Daqui a pouco ele volta pro ponto dele,
certeza de que ele tava vendendo droga, deu sorte que a gente não achou”, me
contava ele, antes de seguir para uma outra comunidade pobre de Osasco para
caçar novos suspeitos.
Uma
tendência em todo país
No final do mês
passado uma pequena nota assinada pelo secretário de Segurança Pública da
cidade pernambucana de Petrolina, José Silvestre Jr., espalhou-se como rastilho
de pólvora pelas milhares de guardas municipais instaladas em cidades de Norte
a Sul do País. No texto distribuído à exaustão nas redes sociais, José
Silvestre informava que o comando da 7ª Região Militar do Exército havia
autorizado a Prefeitura de Petrolina a adquirir pistolas de calibre 9mm para
equipar seus guardas municipais. A decisão foi baseada no conjunto de decretos
sobre posse e porte de armas editados pela Presidência da República e tem o
poder de transformar de maneira profunda as guardas civis municipais de todo o
País.
Tropas
de elite têm sido cada vez mais comuns nas Guardas Municipais da Grande São
Paulo; tendência está se espalhando pelo país (Foto: Yan Boechat)
Pela legislação em
vigor, as GCMs não podem usar armamento semelhante às outras forças de
segurança brasileiras, como as polícias militares, as polícias federais ou as
polícias civis. Os guardas têm direito apenas a andarem armados com pistolas
calibre 380 ou revólveres calibres 38, além de escopetas de calibre 12.
Armamento de calibre superior, como as .40 usadas pelas polícias militares, as
9mm, utilizadas pelas Forças Armadas, ou os fuzis de calibre 5.56 ou 7.62 são vetados
para os GCM. “Isso se tornou um problema porque estamos atuando em áreas e
situações de maior risco, mas não temos equipamentos compatíveis”, diz o
comandante da GCM de Embu das Artes, Marco Viana. “Nem coletes que possam nos
proteger de disparos de fuzis, tão comuns hoje em dia, nós temos direito de
comprar”, diz ele.
Ainda são poucas
as prefeituras a seguir o exemplo de Petrolina, que se prepara para fazer uma
licitação para adquirir as pistolas que até agora são de uso exclusivo das
Forças Armadas. A maior parte dos municípios ainda teme voltas e reviravoltas
nos decretos presidenciais, vistos como inconstitucionais por diversos
especialistas e que terá sua validade contestada no Supremo Tribunal Federal.
Mas, passada a insegurança jurídica, serão poucas as guardas municipais que
permanecerão com as pistolas 380 e os ultrapassados revólveres 380. “Nós
estamos aguardando que haja uma pacificação sobre o tema para avançarmos no
armamento, em especial para a Romu”, diz o subcomandante da Guarda Civil Municipal
de Osasco, Julio Vaz. “Aqui nós pretendemos adquirir pistolas 9mm além de
metralhadoras e sub-metralhadoras também 9mm, não achamos conveniente o uso de
fuzis no ambiente urbano”, diz ele.
No
Embu os integrantes da tropa de elite da Guarda Civil não veem a hora de
abandonar as pistolas compactas que carregam nos coldres amarrados às coxas.
Nos planos da cidade estão a compra de pistolas 9mm e fuzis de calibre 5.56
fabricados pela brasileira Taurus e que se enquadram nos parâmetros definidos
pelos decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro.”O crime avança e
precisamos avançar também, as guardas estão se transformando, ganhando
autonomia e precisam estar bem equipadas”, diz Viana, de Embu das Artes.
COMENTÁRIO: Você já pensou os Prefeitos que mandam e desmandam com uma Guarda Municipal Armada ao seu lado?
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