ESTADÃO - Pedro Venceslau
© André Dusek/Estadão Para o jurista Miguel Reale Júnior, Bolsonaro
“tem de prestar contas” das suas afirmações.
A versão dada nesta
segunda-feira, 29.07.2019, pelo presidente Jair Bolsonaro para o desaparecimento do
militante de esquerda Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, morto em 1974
durante o regime militar, provocou reação de juristas e entidades ligadas à
anistia e direitos humanos.
Em entrevista pela manhã, Bolsonaro disse que poderia “contar a
verdade” sobre o caso. À tarde, em ‘live’ numa rede social,
acrescentou que Oliveira – pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz – teria sido morto pelos próprios colegas do
grupo Ação Popular (AP).
“A primeira
obrigação que o presidente da República tem com o órgão é fornecer os elementos
que ele conhece sobre o desaparecimento do pai do presidente da Ordem. Ele deve
fazer isso para a responsabilização do Estado, e não para se vangloriar ou
antagonizar com um inimigo político”, disse ele.
Ainda segundo
Reale, o presidente está “dando continuidade” ao confronto que se estabeleceu
na época da ditadura. “Para ele, não houve a Constituição de 1988 e a anistia.
Bolsonaro continua em guerra. O caso dele não é de impeachment, mas de
interdição. É uma pessoa que a cada dia prejudica a si próprio. Ele tem que ser
protegido. A característica do louco é essa: prejudicar a si mesmo.”
Ex-secretário de
Direitos Humanos do Ministério da Justiça e autor da Lei dos Mortos e
Desaparecidos (que reconhece os desaparecidos como mortos e a responsabilidade
do Estado nessas mortes), José Gregori também avaliou que Bolsonaro deveria dar
explicações à comissão.
“Bolsonaro se
insurgiu contra a lei que foi aceita pelas Forças Armadas. Ele está indo contra
uma lei que é uma decisão soberana da nação brasileira”, disse o ex-secretário.
Para Gregori, enquanto o presidente falava “amenidades sem sentido”, isso era
visto como folclórico. “Enquanto eram amenidades, o Brasil estava rindo, mas
agora é sério. É preciso que se tomem medidas judiciais”, afirmou ele,
lembrando que Oliveira estava entre os primeiros 44 nomes reconhecidos de
imediato como mortos durante o regime militar.
Doria. Aliado de
Bolsonaro nas eleições do ano passado,o governador João Doria (PSDB), cujo
pai foi exilado político na época da ditadura, também criticou a fala do
presidente. “É inaceitável que um presidente da República se
manifeste da forma com que se manifestou. Foi uma declaração infeliz”, afirmou
Doria, em evento no Palácio dos Bandeirantes. “Não posso silenciar diante desse
fato. Eu sou filho de um deputado federal cassado pelo golpe de 1964 e vivi o
exílio com meu pai, que perdeu quase tudo.”
Em nota, a Anistia
Internacional fala em “declarações duras” de Bolsonaro e pede que o País
“assuma sua responsabilidade”. “É terrível que o filho de um desaparecido pelo
regime militar tenha de ouvir do presidente do Brasil, que deveria ser o
defensor máximo do respeito e da justiça no País, declarações tão duras”,
escreveu a diretora executiva da entidade no Brasil, Jurema Werneck.
“O Brasil deve
assumir sua responsabilidade, e adotar todas as medidas necessárias para que
casos como esses sejam levados à Justiça. O direito à memória, justiça, verdade
e reparação das vítimas, sobreviventes e suas famílias deve ser defendido e
promovido pelo Estado Brasileiro e seus representantes.”
Também em nota, o
Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais (Condege) diz que “o respeito
entre as instituições e às pessoas é a base da democracia e o que legitima a
própria existência da República”. / COLABOROU ROBERTA JANSEN.
Nenhum comentário:
Postar um comentário