Foto de Matt McClain/ The Washington Post via Getty Images) |
Alma Preta, Yahoo Notícias
Comunidades
quilombolas estão entre os grupos mais atingidos pelas políticas do governo
Bolsonaro
“Não somos contra
o desenvolvimento. O que não se admite é acabar com o direito quilombola à
terra”, afirma Danilo Sérgio, quilombola da região de Alcântara e crítico das
violações de direitos humanos sofridas pelo grupo na região.
O temor dos
quilombolas com o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) cresceu depois da visita
de Jair Bolsonaro (PSL) aos Estados Unidos para diálogo com Donald Trump. O
presidente brasileiro formalizou, em 18 de março, o Acordo de Salvaguardas
Tecnológicas (AST) para que os norte-americanos tenham o direito de utilizar o
território para o lançamento de foguetes.
O novo projeto de
Jair Bolsonaro permite uma expansão da base, que ocuparia toda a costa de
Alcântara, 12.645 hectares, o equivalente a 8.978 campos de futebol. O
resultado provocaria a remoção de 792 famílias e restringiria o acesso ao mar
aos habitantes locais. A proposta, que precisa ser votada pelo Congresso
Nacional para que seja aprovada, impactaria mais de 150 comunidades de todo o
território.
A deputada federal
Áurea Carolina (PSOL-MG) visitou a região para entender a realidade dos
quilombolas. Diante dos relatos de violações de direitos, ela promete fazer
oposição ao avanço da base sobre as áreas e os direitos dos povos locais.
“É uma luta muito
difícil e pesada, mas que aqui no Congresso a gente tem condição sim de fazer
pressão, denunciar as partes complicadas desse acordo, garantir que haja um
processo de consulta prévia, livre e formada para as comunidades quilombolas
opinarem sobre o que elas querem”, afirmou.
O governo
brasileiro, como tem feito em outras pautas delicadas, caso da reforma da
previdência, produziu 2.000 unidades de material publicitário intitulado
“Conhecendo o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas Brasil e EUA”, sob o valor de
26 mil reais. O objetivo é o de convencer a sociedade e os demais deputados
sobre os benefício do acordo.
Violações
de direito
A cidade de
Alcântara convive desde o início dos anos 1980 com o CLA. O terreno,
privilegiado para o lançamento de foguetes ao espaço por conta da proximidade
da linha do Equador, pode economizar até 30% de combustível no envio de uma
aeronave para fora da órbita terrestre. A proximidade com o mar também facilita
a chegada de materiais e equipamentos.
Esse cenário,
favorável para o desenvolvimento de tecnologia espacial, convive com um
histórico de violações de direitos humanos.
Danilo Sérgio,
quilombola de Alcântara e cientista político, relata que o cerceamento de
alguns direitos, como o acesso ao mar, fazem parte da rotina das comunidades e
têm impacto negativo na economia local.
“Em períodos de
operações de lançamento de foguetes, entre 20 e 40 dias, as comunidades são
proibidas de acessarem o mar, sob o argumento segurança. No entanto nenhuma
medida compensatória é apresentada para suprir isso, haja vista que o mar é a
principal fonte de renda e alimentação destas comunidades”, pontua.
Parte dos quilombolas
deslocados para a construção do CLA dependem de “corredores de pesca” para
terem acesso ao mar. Com a aprovação do projeto, esse acesso será controlado
por órgãos brasileiros e “empresas envolvidas no lançamento”, conforme
explicaram os ministérios envolvidos em resposta ao requerimento apresentado pelo PSOL.
“Com a remoção das
famílias e os demais impactos, pode-se comprometer a soberania e a segurança
alimentar dessas comunidades e os seus vínculos sagrados com seus territórios”,
explica Áurea Carolina.
Quando retiradas
dos territórios, as famílias são assentadas nas chamadas agrovilas, locais
descritos de maneira negativa pelos quilombolas. Os terrenos ficam a 10 quilômetros
de distância do mar, em terras inférteis e insuficientes para o desenvolvimento
das atividades econômicas. Alguns dos resultados desse deslocamento foram o
agravamento da pobreza, a ruptura dos laços comunitários, e a fragilização das
manifestações culturais da região.
Diante de todas
essas restrições, Danilo Sérgio acredita ser fundamental que os quilombolas
participem da gestão do espaço e sejam beneficiados com o CLA.
“O atual modelo de
gestão não inclui as comunidades como sujeitas dos benefícios gerados pelas
atividades desenvolvidas pela base. É preciso que pensemos meios de compensar e
de permitir que as comunidades participem, inclusive, dos lucros gerados pela
Base Espacial”.
Outro ponto tido
como fundamental pelos quilombolas é a demarcação e titulação das terras. A
justiça federal já determinou que o Estado brasileiro realize esse processo, o
que ainda não ocorreu.
“As terras até
hoje não foram intituladas, como foi prometido pelo Estado brasileiro. As
pessoas sofrem os prejuízos e danos desse processo etnocida, que continua em
curso e só está sendo aprofundado”, critica a deputada federal.
Os impactos
ambientais da base também chamam atenção, apesar de ainda imensuráveis. Ao
longo dos 39 anos de funcionamento do centro, não se produziu qualquer estudo
de impacto ambiental.
“A sociedade
alcantarense não pode mensurar e dimensionar os danos gerados ao ambiente e às
pessoas a cada operação de lançamento de foguetes. É grave que isso ocorra.
Mais grave ainda é querer avançar em acordos com outros países sem que se
resolva esta questão” aponta Danilo Sérgio.
Ações
internacionais
Os quilombolas têm
agido no âmbito internacional para denunciar as violações ocorridas em
Alcântara.
Em Maio, Membros
da Associação de Estudos Latino Americana (LASA) emitiram nota de apoio. De
acordo com o texto emitido, a ação se trata de uma ameaça aos “direitos
territoriais e as vidas de muitas comunidade afro-brasileiras de quilombos da
região”.
Os quilombolas de
Alcântara denunciaram os novos planos de expansão do governo brasileiro à
Organização Internacional do Trabalho (OIT).
De acordo com o
texto, as ações estatais contradizem os Artigos 6 e 15 do Convenção nº 169 da
OIT, onde está previsto que as comunidades quilombolas devem ser consultadas
sobre projetos que podem afetar seus territórios e modos de vida.
Os ministérios
envolvidos afirmam que as comunidades não foram consultadas
sobre o AST porque
o projeto não trata sobre questões fundiárias e não afeta diretamente as
comunidades locais.
Para o órgão
internacional, os quilombolas demandaram a finalização do processo de titulação
do território e pediram que a OIT constranja o Estado Brasileiro a não realizar
qualquer tipo de atividade de expansão da área do CLA antes que a titulação
esteja concluída.
Histórico
de acordos
O projeto
apresentado por Jair Bolsonaro (PSL) não foi o primeiro a propor uma parceria
entre o Brasil e outro país para a utilização do terreno.
Em 2000, Fernando
Henrique Cardoso, então presidente da República, fez um Acordo de Salvaguardas
Tecnológicas (AST) com os Estados Unidos (EUA), que permitiu a utilização do
CLA. A Câmara dos Deputados, porém, entendeu que o combinado feria a soberania
nacional e vetou o projeto.
Luiz
Inácio Lula da Silva, em 2003, também firmou um acordo com a Ucrânia para o
desenvolvimento e operação do lançamento de foguetes no território. O projeto
durou menos de dois anos e terminou sem êxito, por conta de problemas
financeiro e operacional.
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