As seguidas vezes em que sua palavra é
desautorizada esvaziam de significado político as manifestações de Jair
Bolsonaro
Notas & Informações, O Estado de
S.Paulo
19
de maio de 2019 | 03h00
Com preocupante frequência, o presidente Jair
Bolsonaro desdiz o que disse ou então é desmentido por ministros, por
parlamentares ou, o que é pior, pelos fatos. Pelo cargo que ocupa, Bolsonaro
deveria ser a principal referência das decisões do governo federal. Suas
declarações deveriam ter o peso institucional que a Presidência da República
confere a seu titular. Mas as seguidas vezes em que sua palavra é desautorizada
começam a esvaziar de significado político suas manifestações. Para um
governante que já demonstrou não ter vocação para agregar apoios no Congresso,
essa dificuldade adicional certamente contribuirá para atrapalhar ainda mais o
andamento dos projetos de interesse do Palácio do Planalto e, no limite, a
própria governabilidade, pois ninguém hoje sabe o que Bolsonaro efetivamente
quer.
A mais recente confusão envolvendo declarações do
presidente ocorreu depois de um encontro com deputados, vários deles
governistas. Esses parlamentares informaram que, diante deles, Bolsonaro
telefonou para o ministro da Educação, Abraham Weintraub, para determinar que
não houvesse bloqueio de recursos no Orçamento da Educação. Os deputados saíram
da reunião e, no plenário, narraram o teor do telefonema. Logo em seguida,
porém, foram desmentidos pela Casa Civil – que, em nota, disse que “não procede
a informação” e que “o governo está controlando as contas públicas de maneira
responsável”. Ou seja, numa única nota, o governo fez os deputados passarem por
mentirosos e irresponsáveis.
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O líder do PSL (partido do presidente) na Câmara,
Delegado Waldir (GO), que esteve na reunião, disse que a Casa Civil “está
desmentindo o próprio presidente da República”. O líder do PROS, Capitão Wagner
(CE), também testemunha do telefonema, foi contundente: “Não vou admitir, sendo
aliado do governo, ser chamado lá no Palácio do Planalto para tratar uma
questão séria como essa, presenciar o presidente pegar um celular, ligar para o
ministro na presença de vários líderes partidários e, com todas as letras,
dizer ‘a partir de agora o corte está suspenso’... Se o governo não sustenta o
que o presidente falou na frente de 12 líderes parlamentares, não sou eu que
vou passar por mentiroso perante a nação”.
No mesmo dia, a desorientação governista se
refletiu na convocação do ministro Weintraub para explicar na Câmara o
contingenciamento de verbas na educação. O placar da convocação teve 307 votos
a favor – apenas um a menos do que o necessário para aprovar emendas
constitucionais. Assim, está mais claro do que nunca que o governo não conta
com apoio senão de alguns abnegados que se dizem bolsonaristas a despeito de
serem frequentemente maltratados pelo Palácio do Planalto.
Isso acontece, entre outras razões, porque o
governo não tem rumo. “Ainda não compreendemos, olhando a longo prazo, quais
são as políticas que esse governo trouxe para sobrepor os 13 anos de governo do
PT”, disse ao Valor o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Até agora a
gente não entendeu qual é essa agenda.”
Tal incompreensão é resultado da forma atabalhoada
com que o presidente comunica suas decisões, inclusive para seus assessores.
Recentemente, anunciou ter orientado o ministro Paulo Guedes a corrigir a
tabela do Imposto de Renda (IR) pela inflação – o que pegou de surpresa a
equipe econômica. No Senado, o ministro Guedes foi enfático: “(Foi) o
presidente que falou que atualizaria a tabela de IR pela inflação. Eu não disse
nada. Estamos no meio de uma batalha (a reforma da Previdência). Não adianta me
distrair com outra”.
Em menos de cinco
meses de governo, a lista de mal-entendidos presidenciais já é longa – inclui
gestões indevidas para a queda dos juros dos bancos públicos e do preço do
diesel, com forte impacto negativo nos mercados. Para o vice-presidente
Hamilton Mourão, o governo tem “falhado na comunicação”. De fato. Mas o
problema é que só consegue se comunicar quem tem o que dizer e sabe o que quer
– condições às quais o presidente, até agora, está muito longe de
atender.
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