Arte: Daniel Caseiro. |
Bolsonaro não tem
propostas, tem desejos. Deseja o caos para falar do caos. E é por isso que ele
não faz nada. Pois se algo melhorar ele perde o palco.
Por Martel Alexandre del Colle, policial militar
Domenico de Masi
lançou, em 2013, a obra intitulada O Futuro Chegou. Basicamente, o
livro procura examinar vários exemplos de formas de organização das sociedades
modernas. O autor apresenta o modelo econômico e social de alguns países que se
destacavam no cenário global da época. China e Estados Unidos da América, por
exemplo. Em outros capítulos, ele retrata o modo de produção capitalista,
alguns exemplos de capitalismo mais social, comunismo e mais. A ideia de
Domenico é apresentar pontos fortes e fracos de cada modelo e, no capítulo
final, mostrar qual seria o melhor modelo para as sociedades do futuro.
Domenico de Masi é
um sociólogo italiano. E é importante saber da nacionalidade do autor para
entender o peso do capítulo final do livro. Após apresentar os modelos mais
relevantes e conhecidos de nossa época e épocas passadas, Domenico apresenta o
que para ele era o modelo mais avançado de sociedade e que deveria ser um sul
(não gosto dessa visão de norte sempre sendo o referencial positivo) para todos
os países do mundo. Domenico apresenta o Brasil. O Brasil de 2013.
Na visão do autor,
o Brasil era um país capaz de reduzir a pobreza, sair do mapa da fome e ainda
gerar riqueza. Era um país com uma cultura de tolerância do diferente, do
aproveitamento do ócio e da procura da felicidade. Era assim que esse gigante
da sociologia apresentava o nosso país para o mundo. O Brasil era o modelo que
o mundo deveria seguir para ser feliz.
Quem diria,
Domenico, que em 2019 teríamos um presidente perguntando sobre golden shower no
twitter. Quem poderia imaginar um país dando aval para execuções em
comunidades. Quem sonharia com uma nota lançada à imprensa pelo exército
brasileiro acusando um pai de família de atirar contra as forças armadas, sem
nenhuma investigação prévia do fato. O que deu errado?
Talvez Domenico
não saiba, ou talvez tenha escolhido o título do seu livro de propósito, mas o
Brasil já brincava de dizer que era o país do futuro. E a frase terminava
dizendo que o futuro nunca chegava. Novamente o futuro foi para longe e ficamos
com um passado que deixa o medievo com inveja.
Parece que o
Brasil tem medo do futuro. E não só parece; ele tem. Por quê? Porque o fantasma
da igualdade rondava o país.
Em 2018, o Brasil
figurava na posição de número 99 do coeficiente Gini, o que indica que o Brasil
é um dos países mais desiguais do mundo, já que nada mudou desde que colocaram
você sabe quem no poder. No ranking da desigualdade, perdemos apenas para o
Paraguai, para a Namíbia e alguns outros.
Lula acreditou que
o bolo poderia crescer por tempo indeterminado, ou seja, seria possível acabar
com a pobreza sem mexer no lucro. E as margens de lucro das empresas instaladas
no Brasil eram superiores as instaladas na Europa ou Estados Unidos até 2016.
Domenico,
provavelmente, via que o bolo não cresceria para sempre, mas que, com um bolo
grande e um país democrático, o Brasil teria a chance de ser mais igual
(Domenico procura enxergar sinais de progresso nas ondas de pequenas
violências, como no caso de crianças contratas em países pobres para trabalhos
manuais).
E essa ideia não
veio desacompanhada de outras análises. Thomas Piketty afirma, no livro O
Capital no século XXI, que a tendência natural de um planeta globalizado e
capitalista é um desenvolvimento mais acelerado de países mais pobres e
desiguais, enquanto países mais ricos assistiriam a um esfriamento de suas
economias. Essa previsão indica que os países subdesenvolvidos se tornariam
desenvolvidos e as economias mundiais entrariam em uma espécie de equilíbrio.
Algo muito semelhante as idealizações de Adam Smith e algumas projeções de
David Ricardo. O mundo fantástico de Bob. Quer dizer: o mundo fantástico do
livre mercado.
De fato, o início
da derivada da ascensão econômica pelo tempo que Piketty previu aconteceu. Mas
os países subdesenvolvidos não se tornaram desenvolvidos. Aconteceu o óbvio.
Países desenvolvidos meteram a mão invisível no mercado para criar barreiras e
dificuldades contra esse equilíbrio, pois ele significaria menos lucro, e
talvez menos pessoas morrendo de fome. Mas o foco é o lucro.
Tivemos, com
Trump, o aumento taxas de importação nos EUA, e outros países instituindo
barreiras para produtos de nações subdesenvolvidas a fim de impedir um mundo
mais igual. Existem muitos fatores para esse fenômeno, mas tudo começa com
átomos, quarks, strings – as partículas essenciais.
Pois, antes de
gregos ou troianos, somos indivíduos. E existe uma negação, um nihil que alguns
tentam preencher com superioridade diante de outros, com sensação de poder, de
razão de existência na visão de si como superior.
“Make America
Great Again” é um jeito fofo de dizer: Ninguém pode descobrir que somos iguais,
humanos! É preciso manter o folclore de que “lá nos estados unidos” tudo é
perfeito. Lá o policial fala “PARADO” e se o cidadão não parar o policial pode
dar 25 tiros nele. E no outro dia a população fará uma passeata em homenagem ao
policial. Deixa esse povo descobrir que lá morrem cerca de 160 policiais/ano,
enquanto existem países semelhantes em que a taxa não passa das dezenas.
“Make o pobre
pobre again”. O risco do mundo mais igualitário é justamente a sua igualdade.
Imagine se a eleição não tivesse o empurrãozinho do dono da Havan, da mamadeira
erótica e da Record entrevistando um indivíduo, que propõe a morte ou a
expulsão de todos que não pensam igual a ele, durante o processo eleitoral.
Numa competição igual Bolsonaro não teria a mínima chance, pois ele não tem
capacidade para ocupar nenhum cargo que exija inteligência. A parte boa é que
ele mesmo admite isso. Acho fofo.
Na igualdade, o
mero fato de nascer com privilégios não lhe daria a certeza de ascensão sobre o
outros, não lhe daria o medíocre orgulho de ser mais que alguém. Orgulho que
gente medíocre precisa para se sentir importante. Então é preciso manter a
desigualdade e justificá-la, legitimá-la, colocá-la dentro de falácias.
São diversas as
falácias, mas a mais comum é a que se resume no termo Foucaltiano “empreendedor
de si”. Essa falácia incentiva o indivíduo a acreditar que ele é o único fator
relevante para o seu próprio sucesso. O ambiente em que nasceu, o país em que
nasceu, a tonalidade da pele, nada disso importa. Basta se esforçar. E é por
isso que você nasceu na classe que nasceu. E é por isso que nasceu no Brasil,
porque você não foi um zigoto dedicado o suficiente para nadar até a Suíça.
Tudo culpa sua.
E nesse movimento,
os ritos ganham importância como formas de sustentar a falácia. Você não é um
brasileiro, você é um Hickmann. Você não é um humano, você é um americano. Você
não é uma pessoa, você é um cristão conservador, mas que assiste pornografia em
nome de… Deixa pra lá. Você é perfeito. E é perfeito porque merece, e aquele
bandido merece a morte. Afinal ele nasceu assim, né?
Ele nasceu bandido
e você nasceu santo. Hitler bem que tentou acabar com as pessoas que nasciam
más.
E por falar em
Hitler… Bolsonaro entra para um seleto panteão juntamente com Adolf, Mussolini
e outras figuras históricas. Pois, apesar de muitos governantes usarem a ideia
da divisão como um caminho para a vitória nas urnas – vide Trump com a visão de
que é preciso extirpar os estrangeiros e os de matriz religiosa diversa da
cristã do país – pouco líderes falaram de extirpar os seus.
Até mesmo Trump
fala de união quando assumiu o governo, enquanto Bolsonaro fala de dividir,
acabar, exterminar.
E talvez a minha
fala lhe cause mágoas daqui para a frente, mas todos nós temos de admitir que
Bolsonaro tem feito um ótimo serviço. Ele está cumprindo o que propôs como
poucos fizeram. O problema é que ele não propôs melhorar nada.
Se você reparar
bem, os discursos dele sempre diziam que “tem que acabar com isso aí” – a
tosquíssima frase virou até chacota para se referir a uma fala sem conteúdo.
Repare que ele não falou em melhorar o país, mas em mudar. E mudar pode ser
para melhor ou para pior.
E tem gente
surpresa com o fato dele se calar quando um cidadão brasileiro é executado pelo
exército de seu país. Obviamente ele não falará nada, pois é exatamente isso
que ele espera para o país. Bolsonaro não ficou triste nem surpreso, pois é
exatamente esse o país que ele quer. Ou você acha que ele teria a mínima chance
de vencer uma eleição ou se perpetuar no poder se o país progredisse?
Bolsonaro não tem
propostas, ele tem desejos. O desejo dele é o caos para que ele fale do caos. E
é por isso que ele não fez nada pelo Rio De Janeiro nesse longo tempo de
legislativo que ele tem, porque se algo melhorasse ele perderia o palco. O caos
é o palanque de Bolsonaro.
E nada disso é sem
motivo. Domenico De Mais apontou um futuro o qual Bolsonaro não podia suportar.
Um país no qual os preconceitos dele fossem malvistos. Onde a ignorância dele
não lhe daria aval para colocar a família toda na política. Onde ele andaria
diariamente vigiado por olhares de piedade.
Bolsonaro tinha
duas opções: mudar a si ou mudar o país. E eu já disse em outros textos que
mudar a si é coisa para gente corajosa.
Bolsonaro criou um
país pobre, triste, assustado, violento e preconceituoso dentro de sua mente. E
dessa ideia ele criou sua procissão política. Em nome de dias melhores para
ele, onde ele não fosse visto como um ser fraco, mas como um mito. O mito da
maldade em um sistema mal. Mito! Mito! Mito!
E o mundo permite
a aproximação quando há afinidade. Ele bem que tentou ser amigo do Donald, mas
não deu muito certo, já que Trump não quer um amigo, ele quer um servo, e isso
o Bolsonaro sempre foi (o famoso militar que presta continência para a bandeira
estrangeira. Eita desejo de ser americano). E foi assim que começou a relação
do mitomaníaco com o Olavo de Carvalho. Pois ambos são muito parecidos.
Ignorantes até os ossos, covardes, medrosos e orgulhosos.
Olavo era ruim
demais para o Brasil que era feliz. Então ele foi embora daqui para não ver o
nosso progresso. E lá de longe criou o Brasil dos sonhos dele. O Brasil das
conspirações comunistas alienígenas que só poderiam ser derrotadas pelos
cristãos assassinos em Cristo. E Olavo atirou pedras até que não houvesse mais
nenhuma pelo chão. Jesus saiu de perto e apareceram os mestres do capitalismo
para tentar ressuscitar aquele que tem o pensamento morto.
Olavo idealizou o
Brasil da mais miséria, da mais desigualdade, da mais violência. E, juntamente
com Bolsonaro, está construindo esse sonho. A educação está sendo sucateada, os
policias podem matar e negociar preços sem maiores riscos, o tráfico de drogas
segue lucrativo e as milícias agradecem. As evidências são queimadas em uma
fogueira simbólica na Nova Berlim.
O Brasil se
deteriora para você, cidadão brasileiro, mas se torna um paraíso para estes
dementadores.
Publicado em
17.04.2019
Não sou o único a
tentar explicar esse fenômeno, e talvez sequer seja o mais claro. Portanto,
segue uma lista de nomes de canais do Youtube que dissecam o quadro narrado
acima: Normose; Henry Bugalho, Canal Púrpura, Coisas que você precisa saber,
Meteoro Brasil, Frank Jaava, Tese Onze, Quadro em Branco, leitura
Obrigahistoria, Justificando.
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