Texto que trata do crime organizado a partir do prisma de Tropa de Elite
2, que apresenta outro inimigo, com o contexto da morte da vereadora Marielle
Franco (PSOL/RJ)
O tema das milícias
ressurge a partir das investigações acerca do assassinato da vereadora Marielle
Franco (PSOL-RJ), em 14 de março de 2018, as quais apontam o envolvimento dos
ex-PMs ligados ao Escritório do Crime, milícia que atua nas comunidades
cariocas.
Os milicianos investigados estão relacionados com o gabinete do então
deputado estadual Flávio Bolsonaro, expondo um envolvimento direto de relação
íntima entre o clã Bolsonaro com as famílias dos milicianos.
Tal caso resgatou um
meme nas redes sociais de uma cena do filme Tropa de Elite 2 (2010), pelo qual se
sugere que o povo votou em Bolsonaro achando que era um Capitão Nascimento,
quando na verdade era o miliciano Rocha, da trama. Curiosamente, o primeiro
filme da franquia, lançado em 2007, criou no imaginário popular a figura do
policial que manda porrada em bandido, através do personagem Capitão
Nascimento, interpretado pelo ator Wagner Moura.
À revelia do próprio
ator e do diretor do filme, José Padilha, que viam na trama uma crítica à
segurança pública, essa narrativa foi construída de forma que fortaleceu os
setores conservadores da sociedade, que enaltecem o militarismo e atacam os
direitos humanos. Tal narrativa foi contestada no segundo filme, em que o
capitão, promovido a coronel, mostra que o inimigo agora ‘é outro’.
A memória é algo que
costuma nos trair e, em matéria de cinema, muitos perdem o legado em questão de
segundos. José Padilha, que entrou na roda do unlike depois da série O
Mecanismo, uma clara alusão à Operação Lava Jato da Polícia Federal, mostrou em
Tropa de Elite 2 todos os problemas sociais que não pôde expor no primeiro
filme, ou que ficaram acobertados pela estética policialesca do Capitão
Nascimento. Diretor polêmico, Padilha também dirigiu o documentário Garapa
(2009), que mostrava a realidade das famílias carentes do Nordeste e a
importância dos programas Fome Zero e Bolsa Família.
Cena da ação da
milícia no filme Tropa de Elite 2 (2010), Direção de José Padilha:
https://youtu.be/qpIuXGFgEb4 No segundo filme, prestes a ser exonerado pela
chacina no presídio, o agora coronel Nascimento é aplaudido pela classe média,
mostrando que, para a sociedade, bandido bom é bandido morto. Algo que, quase
dez anos depois do filme, se atualiza nos resultados das eleições do ano
passado, com a consolidação da bancada conservadora e da bala enquanto
hegemônica no Congresso Nacional.
Temos, assim, o papel
de desconstruir o imaginário que os setores conservadores usaram a partir do
primeiro filme. Basta ver exemplos como o de Alexandre Frota, eleito deputado
federal pelo PSL paulista, que na época participou do quadro que ironizava o
filme, Bofe de Elite, no programa do Show do Tom.
O retrato do BOPE,
aparentemente enaltecido no primeiro filme, é exposto às contradições da
realidade no segundo, quando Matias denuncia a precarização do batalhão, expondo
os problemas de segurança pública do estado, que transformou a força de
operações especiais num verdadeiro exterminador de pobres, enquanto as milícias
se consolidavam, passando por cima dos atravessadores do tráfico comum.
A relação entre a
milícia e a política é destrinchada na continuação de forma minuciosa, ao
mostrar que a milícia, ao controlar territórios, garantia votos para os
políticos que estavam atrelados à corrupção policial. O que explica, na
realidade, o crescimento de muitas figuras que hoje são as mais votadas nas
favelas cariocas, mesmo sendo estas defensoras abertas de políticas que vão na
contramão dos direitos sociais dos menos favorecidos; retomando o voto de
cabresto, algo que aparentemente era taxado como proeminente da política coronelista
do nordeste brasileiro.
Um dos momentos de
redenção do Padilha diante das críticas do primeiro filme ocorre durante as
cenas da invasão à Favela do Tanque no segundo filme. Usa a estética agressiva,
a exemplo do “saco na cabeça” com o chefe do tráfico, como ferramenta para se
chegar à conclusão de que o inimigo agora é outro, nas palavras do subtítulo do
filme; ou seja, de que não se resolveria o problema do crime com a violência do
BOPE (que é regenerado na cena do atentado ao Nascimento), mas agora com a
denúncia da corrupção do Estado.
Essa resolução se dá
a partir da morte de Matias, o que chega a ser irônico quando reforça a máxima
“a vida imita a arte”, pois vemos hoje o rastro da milícia que começa a ser
caçada após o assassinato de Marielle, figura importante na denúncia do projeto
de segurança pública carioca. Nas palavras do Coronel Nascimento, o importante
é saber quem mandou matar Matias, Marielle e tantos outros.
Para desconstruir o
mito do Capitão Nascimento, Padilha mostra um personagem agora frágil, que não
é mais linha de frente nas operações, que se emociona e chora diante do filho
internado. Seu único tiro durante todo o segundo filme é contra os milicianos,
seguido da denúncia dos esquemas de corrupção na CPI das milícias, que na vida
real existiu em 2008 e hoje retoma a ordem do dia após as denúncias de
envolvimento da família Bolsonaro com os milicianos. Isso resgata o mundo
cinematográfico de Padilha, porém, com um viés diferente do que a direita
conservadora emplacou, no famoso “parece que o jogo virou”.
Portanto, atualizar a
mensagem do segundo filme é importante para derrotar o imaginário que a direita
construiu a partir do primeiro – enterrando o mito do Capitão Nascimento e
fortalecendo a figura de denúncia do Coronel. Na disputa de narrativas, é
preciso tomar lado, assim como Nascimento tomou no fim da trama, e mostrar que
o inimigo agora é outro; ou na verdade sempre foi o mesmo, não o adversário que
apontavam antes.
Texto de Antonio Lima
Júnior e editado por João C. Horst Filho. Esta publicação é aberta para
colaborações. Confira o nosso Expediente e Editorial.
Publicado
originalmente em
https://medium.com/cinestesico/o-inimigo-agora-%C3%A9-o-mesmo-a-atualidade-de-tropa-de-elite-2-no-cen%C3%A1rio-pol%C3%ADtico-brasileiro-dfd6db9214fe?fbclid=IwAR0I1rDiQmxX9ab_LRMnxVPQL6XrEw3CWSQoHaYtrzlla5aOq–K76oSBu4
Antonio Lima Júnior
Jornalista
proletário, poeta e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB)
jornalismoproletario.blogspot.com.br subversinhos.blogspot.com.br
Ilustração: Rocha, o
PM que vira miliciano e traz à tona o problema das milícias — fotograma de
Tropa de Elite 2
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