Juca
Guimarães
Brasil de Fato
Patrícia Pelatieri,
do DIEESE, critica as bases da reforma da Previdência proposta por Bolsonaro
(PSL) / Fetquim/Divulgação
A coordenadora de
pesquisas do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatieri, analisou todos os pontos da
Proposta de Emenda Constitucional nº 6/2019, do governo Jair Bolsonaro (PSL),
que altera o sistema previdenciário brasileiro. A elaboração da proposta foi
supervisionada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, defensor da política
neoliberal e favorável à atuação dos bancos e empresas privadas com a menor
regulamentação estatal possível.
Pelatieri considera
que a proposta de Guedes e Bolsonaro representa uma mudança muito mais radical
que a reforma discutida no governo Michel Temer (MDB) – que já era vista com
bons olhos pelo mercado financeiro. “É uma reforma estrutural, porque introduz
a possibilidade da criação de um sistema de capitalização individual. Ela
introduz isso nos dispositivos constitucionais e joga para uma regulamentação
via projeto de lei. Isso é bastante grave, uma vez que a Constituição de 1988
tem um capítulo inteiro, que é o capítulo terceiro, que trata da construção da
política de proteção social. Ou seja, é o capítulo da Seguridade Social: um
tripé com Previdência, Saúde e Assistência Social”, ressalta Patrícia.
Na prática, a
pesquisadora interpreta que Bolsonaro fez uma reforma constitucional sem uma
Assembleia Constituinte – o que fere um dos princípios fundamentais da
democracia. “Ele trata a maior política de proteção social como um problema
fiscal, como um problema de despesa – porque é disso que se trata a proposta de
reforma. Você não vai esperar que esse Estado sustente uma Previdência Social sozinho
[durante o período de transição entre os dois modelos], uma vez que você não
teria mais o aporte de quem está no mercado de trabalho [para financiar as
aposentadorias a serem pagas]”, analisa.
“Então, significa
caminhar para o fim deste sistema de proteção e jogar para a individualidade: o
indíviduo que tiver a capacidade contributiva vai fazer a sua poupança para a
velhice, com uma série de riscos. E aí, a gente tem vários exemplos paras citar
do sistema de capitalização individual e que não deram certo. Não foi só no
Chile”, ressalta. “Há vários países que fizeram essa transição sem segurança
nenhuma. Você privatiza um fundo público bilionário e coloca nas mãos do
sistema financeiro para gerenciar da forma como eles bem entenderem”, enfatiza
Pelatieri.
Confira os melhores
momentos da entrevista:
Brasil de Fato: O que
está por trás da proposta e o que ela muda em relação as regras atuais?
Patrícia Pelatieri:
Essa reforma de critérios dificulta o acesso [à aposentadoria] porque combina
duas exigências. Hoje, você pode se aposentar por idade, por tempo de
contribuição ou por invalidez, em caso de acidente ou doença. No caso da idade,
além de chegar à idade de 60 anos, a mulher, e 65 anos, o homem, é preciso
comprovar 15 anos de contribuição. Já é bastante difícil para boa parte dos
trabalhadores e, principalmente, das trabalhadoras, que têm uma vida laboral
menos estável, com entradas e saídas no mercado de trabalho
Também é possível se
aposentar por tempo de contribuição. Os trabalhadores que têm uma condição
melhor, uma vida laboral mais estável, conseguem comprovar, no caso de homens,
35 anos, e no caso das mulheres, 30 anos, e sem idade mínima para isso.
Desde que foi
aprovada a regra do fator 85/95, em 2015, que hoje está em 86/96, vale uma
combinação entre a idade e o tempo de contribuição. Ou seja, consegue comprovar
esse tempo quem começou a trabalhar muito cedo e teve a sorte de estar em
trabalhos formais, que tem a contribuição.
A proposta da PEC é
juntar esses dois critérios elevando o grau de dificuldade. De cara, aumenta a
idade mínima, só que tem que combinar 20 anos de contribuição. Isso vai excluir
uma parte significativa dos trabalhadores que são mais vulneráveis. Estamos
falando de negros, mulheres e empregados domésticos.
Brasil de Fato: Quais os outros elementos
dessa reforma que prejudicam o trabalhador?
Patrícia Pelatieri: A regra [da PEC da
Previdência] mexe no valor, sem regra de transição, do cálculo. Hoje, o cálculo
do INSS para aposentadoria pega todas as contribuições do trabalhador feitas de
1994 para cá, ou desde que ele começou a trabalhar, tira 20% das menores
contribuições e faz a média sobre as maiores contribuições. E o trabalhador tem
direito a receber essa média na aposentadoria por tempo de contribuição. No
caso da aposentadoria por idade, o trabalhador tem direito a 95% dessa média.
O que o governo fez
na proposta é estabelecer que, ao atingir as exigências, você tem direito a 60%
de uma média já rebaixada, porque a proposta é fazer uma média simples de todas
as contribuições, do começo do trabalho até a aposentadoria [sem descartar os
valores mais baixos]. Aí, comprovando a idade e os 20 anos de contribuição, o
governo vai pagar só 60%. Se você quiser receber 100% da média rebaixada, terá
que comprovar mais 20 anos, o que soma 40 anos de contribuição.
Brasil de Fato: O governo diz que a
reforma acaba com os privilégios. Você concorda?
Patrícia Pelatieri: Com essa proposta,
pobres e ricos não estarão aposentando com a mesma idade, ao contrário do que
eles dizem. Ela não é uma proposta que acaba com os privilégios.
Primeiro, a gente tem
que estabelecer o que são privilégios. O 1% da população, que são os mais
ricos, está fora – porque não há nenhuma proposta de tributação desses
bilionários para contribuir e equilibrar a arrecadação pública. Então, os
privilegiados continuam privilegiados. Considerando que, entre os
trabalhadores, você tem alguns ‘mais privilegiados’, podemos dizer que os
militares estão fora. Então, todos os grandes salários dos generais estão fora.
Tem lá uma promessa de que venha uma proposta, mas não veio junto com essa.
Também tem a questão
dos casos eletivos [os políticos], mas é a partir dali para frente, então todos
os políticos dessa geração aí estão garantidos [em seus privilégios]. No caso
dos altos salários, do serviço público federal, que são uma minoria, tirando
talvez os juízes estaduais, os demais todos ganham abaixo do teto do INSS.
Brasil de Fato: Então, quem é que
ganha com essa proposta de capitalização?
Patrícia Pelatieri: O sistema todo está
em risco ao se introduzir a possibilidade da quebra de um pacto entre gerações.
Ou seja, quem está na ativa hoje sustenta quem está aposentado. Quem é que vai
sustentar esses milhões de trabalhadores e trabalhadoras que estão hoje
aposentados? Também quem vai se aposentar no futuro, se esse sistema for
substituído pelo sistema de capitalização, como é o desejo do ministro Paulo
Guedes.
Os grandes
favorecidos são os bancos, que vão colocar a mão por décadas nesse fundo
bilionário. No Chile, as seis instituições que fizeram o modelo de
capitalização lucraram bilhões, enquanto a aposentadoria dos trabalhadores ficou
muito abaixo do esperado.
https://www.brasildefato.com.br/2019/02/25/pesquisadora-do-dieese-explica-por-que-so-os-bancos-ganham-com-a-pec-da-previdencia/
Edição: Pedro Ribeiro
Nogueira
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