Jornal britânico analisa reação tímida da direita e aponta erosão da força política do clã Bolsonaro após início da pena de 27 anos
28 de novembro de 2025
Bolsonaristas em frente a sede da Polícia Federal
em Brasília (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
247 - A cena que marcou
os primeiros dias de Jair Bolsonaro (PL) atrás das grades foi bem diferente das
manifestações que marcaram sua trajetória nos últimos anos. Em reportagem
publicada nesta sexta-feira (28), o jornal britânico The Guardian descreve a solidão
que cerca o ex-presidente neste início de cumprimento da pena de 27 anos por
tentativa de golpe.
Segundo a análise do The
Guardian, apenas algumas dezenas de apoiadores apareceram diante da base da
Polícia Federal em Brasília, onde Bolsonaro ocupa uma pequena sala usada como
cela. Entre eles estava Arley Xavier, de 21 anos, que insistia em negar o fim
do ciclo bolsonarista: “Não acabou. Ainda há muito que Jair Messias Bolsonaro
precisa fazer no Brasil … Não, não acabou”, declarou o jovem, conclamando
conservadores a irem à capital em protesto.
Durante seu governo, entre 2019 e
2023, Bolsonaro mobilizava multidões em cidades como Brasília, Rio de Janeiro e
São Paulo. Mas a energia que antes impulsionava sua militância não apareceu
desta vez. Com chuva e clima frio no Centro-Oeste, o ambiente ao redor do
ex-chefe do Executivo refletiu desânimo e desarticulação.
A prisão de Bolsonaro e de cinco
aliados — enquanto o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) fugiu pela Amazônia
rumo aos Estados Unidos — não encerra a extrema direita brasileira, segundo a
análise britânica. Seus seguidores ainda alimentam a esperança de um eventual
indulto, sobretudo se um conservador vencer as eleições presidenciais do
próximo ano. Apesar disso, o jornal destaca que a reação quase inexistente ao
encarceramento surpreendeu até analistas experientes.
Um dos trechos centrais da reportagem
cita o cientista político Christian Lynch, que avalia que o domínio da família
Bolsonaro sobre a direita perdeu força: “Eu diria que a liderança da família
Bolsonaro na direita está chegando ao fim e você poderia dizer que o
bolsonarismo está chegando ao fim”, afirmou. Ele comparou a cena atual com o
momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se entregou à
polícia em 2018, recebido por uma multidão de apoiadores que o carregou nos
ombros. Para Lynch, a diferença está na capacidade histórica do PT de organizar
uma base sólida, algo que Bolsonaro nunca construiu de forma consistente. “O
bolsonarismo é como espuma que se desfaz… A direita vai permanecer. Mas o
bolsonarismo vai passar”, completou.
A análise também lembra que aliados
próximos enfrentam seus próprios dilemas. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP)
vive nos Estados Unidos desde fevereiro e pode ser preso se retornar ao Brasil,
por causa de uma investigação sobre interferência no julgamento do pai.
Brian Winter, editor-chefe da Americas
Quarterly, afirmou ao Guardian que a atual fase é “muito
perigosa” para a família. Segundo ele, Bolsonaro e seus filhos teriam cometido
um “erro crítico” ao concentrar sua comunicação na ideia de perseguição
política e ao pressionar Donald Trump — presidente dos Estados Unidos — a impor
sanções ao Brasil. “A comunicação deles tem sido tão focada na própria vitimização
… que fica a dúvida se deixaram de falar o suficiente sobre os desafios
enfrentados pelos brasileiros. Talvez, como resultado, tenham perdido o contato
com o povo”, avaliou.
A reportagem recorda ainda que
prognósticos sobre o fim de lideranças políticas no Brasil costumam falhar.
Lula, por exemplo, foi tido como politicamente morto após sua prisão injusta,
mas retornou ao Planalto em 2022. O jornalista e escritor Bernardo Mello Franco
destacou casos como o de Getúlio Vargas, deposto em 1945 e eleito novamente
cinco anos depois. Mesmo assim, ele ponderou: “Não estou comparando Bolsonaro
com Getúlio ou Lula, porque acho que ele é uma figura politicamente menor, em
todos os sentidos”, observou, lembrando que as regras de progressão de pena
podem permitir que Bolsonaro deixe a prisão em seis ou sete anos — ainda mais
jovem que Lula hoje.
Já o comentarista Octavio Guedes, da
GloboNews, avalia que o retorno político de Bolsonaro é improvável. Para ele, a
“reação zero” à prisão mostra que o país vive uma fase “pós-Bolsonaro”, embora
as ideias que marcaram o movimento permaneçam vivas e possam ser canalizadas
por novas lideranças. Ele citou uma frase atribuída a Benito Mussolini: o líder
fascista dizia não ter criado o fascismo, mas apenas extraído as ideias já
presentes no inconsciente coletivo italiano — analogia que Guedes enxerga no
bolsonarismo.
Dois dias após o início da pena, a promessa de uma
reação expressiva se desfez tão rápido quanto a “espuma” que inspirou o título
da análise britânica. Apenas um manifestante tentou se acorrentar a uma
pilastra do Congresso — e acabou preso, numa cena que sintetizou o esvaziamento
da força popular que um dia acompanhou o ex-presidente.

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