"Que Lula não repita o erro de Zelensky e de Cyril Ramaphosa. Que não vá cair na arapuca política da Casa Branca", escreve Marcelo Zero (sociólogo)
Lula e Donald Trump (Foto: Ricardo Stuckert/PR | REUTERS/Brendan McDermid)
Como o mundo inteiro sabe, pois é fato confesso e
público, Trump resolveu impor tarifas de inacreditáveis 50% ao Brasil, por
motivos puramente políticos e geopolíticos.
Trump quer, basicamente, que o Brasil, atendendo
aos pedidos da “familícia”, anistie Bolsonaro e não regule as atuações das Big
Techs estadunidenses no Brasil. As tarifas também têm um objetivo geopolítico
mais geral, e visam atingir o BRICS e a atuação equilibrada da diplomacia
brasileira, a qual busca fortalecer a multipolaridade, o multilateralismo, o
desenvolvimento sustentável e a paz.
Não há nenhuma justificativa técnica para as
tarifas anunciadas, que mais parecem uma ação de ameaçadores e brutais mafiosos
que qualquer outra coisa.
Como todos sabem, o Brasil, desde 2009, tem
déficits comerciais pesados com os EUA, cujo volume acumulado nos últimos 15
anos ascende, incluindo os serviços, a US$ 410 bilhões.
Por conseguinte, as tarifas anunciadas por Trump
são claramente ilegais, tanto sob o prisma das leis estadunidense tanto do
ponto de vista do direito internacional. Paul Krugman até sugeriu que Trump
deveria sofrer impeachment por causa disso.
Mas, agora, ante o impacto negativo da medida,
Trump mandou o USTR (United States Trade Representative) conduzir uma
investigação contra o Brasil, sob a Seção 301 do Trade Act de 1974, a qual
permite que o governo dos EUA tome medidas retaliatórias e compensatórias
contra países ou empresas que pratiquem ações discriminatórias e abusivas de
comércio contra os EUA.
Ou seja, depois que as medidas ilegais foram
anunciadas, Trump ordenou uma investigação para tentar, a posteriori,
justificar o injustificável. Ora, pela lei invocada, quaisquer medidas
compensatórias teriam de ser precedidas por uma investigação. Não o inverso,
como se intenta fazer agora.
Saliente-se que a Seção 301 do Trade Act, combinada
com as Seções 302 e 303 da mesma lei, determina que o governo dos EUA deverá,
assim que investigar algum país, entabular consultas com o governo desse país
para tentar obter uma solução negociada para a disputa.
Trump não tem feito isso.
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A maior parte das suas tarifas delirantes têm sido
impostas invocando outra norma, a “International Emergency Economic Powers Act
(IEEPA), a qual, por seu caráter emergencial e extraordinário, não exige
investigações ou consultas. Todas as tarifas do “Liberation Day”, por exemplo,
foram impostas via IEEPA, o que muitos juristas estadunidenses consideram um
ato abusivo e inconstitucional.
Mas o cinismo de Trump não para por aí.
Para quem não sabe, todos os anos o USTR elabora e
publica o National Trade Estimate Report on FOREIGN TRADE BARRIERS, também
chamado de NTE.
Nesse relatório anual, o USTR lista os países que
estariam impondo alguma barreira comercial indevida contra os EUA. Normalmente,
essas queixas eram resolvidas em negociações na OMC, a qual foi posteriormente
paralisada pelos EUA. Depois disso, as coisas eram resolvidas, normalmente, via
negociações bilaterais.
No Relatório de 2025, publicado em março deste ano
(já no governo Trump, portanto), praticamente todos os países do mundo estão
listados. Ao Canadá, por exemplo, lhe são dedicadas 6 páginas inteiras de
queixas diversas.
Pois bem, nas páginas dedicadas ao Brasil (5, menos
que o Canadá, por conseguinte), não há nenhuma menção ao PIX, ao desmatamento
ilegal ou à corrupção, temas que seriam centrais, na nova investigação. Não há
também menção alguma à suposta “censura” das redes sociais, outro tema substancial
que seria objeto da nova investigação do USTR.
As “queixas” que lá estão são as mesmas de sempre:
tarifas do etanol, “tarifas médias elevadas”, supostas barreiras nacionalistas
contra a produção áudio visual, suposta pouca proteção à propriedade
intelectual (a Rua 25 de Março é mencionada) etc. Enfim, queixas antigas, que
vinham sendo investigadas e negociadas pacificamente há tempos.
Assim sendo, Trump além de estar procurando, a
posteriori, justificativas supostamente técnicas para uma decisão puramente
política, está também “inventando moda”, como se diz vulgarmente.
Francamente, o governo Trump vir falar de
corrupção, de desmatamento e de censura política é o cúmulo do cinismo.
Um governo que caminha celeremente para virar uma
autocracia, que persegue universidades, cientistas e estudantes, que é
profundamente antiambientalista e que tem óbvias “ligações perigosas” com
bilionários de moralidade duvidosa, inclusive com um pedófilo já falecido, não
pode falar nada, absolutamente nada, contra o Brasil.
Não pode falar sequer de tarifas, pois as tarifas
médias efetivas dos EUA subiram, com Trump, de 2,5% para 27%, e já são muito
maiores que as brasileiras (cerca de 12%).
Quem mereceria uma investigação internacional no
campo comercial (e em outros campos) seriam os EUA, que além de terem destruído
a OMC, estão criando um caos hobbesiano, na ordem econômica e política mundial.
É uma total inversão de valores.
Trump não é um chefe de Estado respeitável. Alguns
analistas afirmam: he is just a con man from New York.
E que Lula não repita o erro de Zelensky e de Cyril
Ramaphosa. Que não vá cair na arapuca política da Casa Branca.
O Brasil não merece. O povo brasileiro não merece. A população
estadunidense também não merece alguém como Trump.

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