Bolsonaro morreu e virou mártir de si mesmo: apodrece ao vivo para viralizar sua dor. A doença virou espetáculo. A gastura, estratégia.
Por Sara Goes (Jornalista).
25 de abril de 2025

Jair Bolsonaro (Foto: Reprodução/X/@jairbolsonaro)
Bolsonaro morreu. Ele agora é um corpo-espetáculo.
Internado, entubado, costurado por câmeras, tubos e bisturis, ele não apenas
assina uma intimação do Supremo Tribunal Federal: ele performa. Muniz Sodré nos
lembra que o grotesco não é apenas o feio: é o que rompe, deforma e fascina. É
aquilo que, ao exibir o repulsivo, captura o olhar. E Bolsonaro sabe disso. Seu
corpo, inflamado e exibido, torna-se mídia e mensagem.
É preciso entender essa operação como parte de um
dispositivo maior. O bolsonarismo, como construção simbólica, funda-se numa
estética da excrescência, numa comunicação que seduz pela abjeção. A cena do
leito de hospital não é exceção, é um método. Como nos ensina Umberto Eco, o
grotesco é aquilo que, ao mesmo tempo, repugna e fascina. Ele rompe com a forma
clássica da beleza para criar novos critérios de percepção. Bolsonaro entende
isso intuitivamente. Por isso, engana-se quem acha que Bolsonaro busca empatia
do país. O que ele busca é fidelização. Seu corpo, cheio de pus e arrotos, é um
altar escatológico, onde a dor não é silenciada, ela é amplificada.
Mas essa manipulação do corpo como signo de
sofrimento não nasce agora. Alexandre Barbalho, em seus estudos sobre a
construção do imaginário nordestino, analisa como os corpos fragilizados pela
seca de 1877 no Ceará foram instrumentalizados como ícones de um Nordeste
miserável, dependente, permanentemente carente de salvação externa. Aqueles
corpos magros, famintos, despidos, tornaram-se símbolos de um território
estigmatizado. Bolsonaro, ciente ou não, repete essa estratégia: faz de seu
corpo adoecido um campo de batalha simbólico, uma vitrine daquilo que diz ser
vítima, do “sistema”, da “justiça”, da “mulher oficial com intimação”.
Bolsonaro morreu e se tornou um sintoma.Ele é um
corpo em permanente sofrimento, cuja inflamação não busca cura, mas cliques. Ao
gritar com uma oficial de justiça, mulher e agente da ordem, o ex-presidente
não apenas confronta o Estado: ele encena sua abjeção diante do feminino
institucional, da “garota de recados de Moraes” Seu grito é menos contra a
ordem do que pela reafirmação de seu lugar grotesco na história.
Em plena guerra cultural, onde a disputa se dá no
campo dos afetos e das imagens, o mártir putrefato é uma arma poderosa. Gaze,
bile, flatulência: tudo vira signo, tudo é viralizável. O grotesco é
estratégia, é uma sebosidade que prega, é feiura que engaja. A decomposição,
aqui, não é efeito colateral, ela é uma linguagem.
Bolsonaro morreu e apodreceu. Mas ele apodrece ao
vivo para que saibamos que está entre nós, sofrendo, diz ele, por nós. Não por
amor, mas sim por saber que a gastura, como pode ser uma forma de poder. E que
o corpo doente, tal como o da seca de 1877, ainda é arma de guerra, simbólica,
política e grotescamente eficaz.
Bolsonaro morreu e o mundo, tal como o conhecíamos, também. O que vem
agora é outra coisa. Uma nova ordem decrépita, povoada por monstros e doenças
emocionais. Talvez Trump tenha sido aquele a desferir o golpe fatal naquilo que
restava de civilidade, desmoralizando o multilateralismo e esvaziando de
sentido a ONU, a OMC e a OMS. O que vamos reconstruir, ainda não sabemos. Mas
já que a putrefação virou método, que a excrescência virou estética e que o
seboso virou herói, que pelo menos façamos do corpo em decomposição de Bolsonaro
um adubo. Que dessa lama brote enfim de novo uma vida que preste.
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