Embora haja resistência dentro da Igreja a mudanças mais radicais, o Papa Francisco promoveu uma reavaliação de várias doutrinas tradicionais.
Por Maria Luiza Falcão Silva (PhD e professora
aposentada da UnB)
21 de abril de 2025
Papa Francisco realiza audiência geral semanal no
Vaticano em 2023 - 09/08/2023 (Foto: Mídia do Vaticano via REUTERS)
Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, morreu
nesta segunda-feira (21 de abril) aos 88 anos, às 2h35 pelo horário de Brasília
e 7h35 pelo horário de Roma. Não foi surpresa, o Papa estava há mais de um mês
internado, acometido de uma pneumonia grave nos dois pulmões. Durante a manhã
de domingo (20 de abril), o Papa fez um esforço enorme para se encontrar com
milhares de fiéis que compareceram à Praça de São Pedro, no Vaticano, e desejar
uma Feliz Páscoa e conceder sua última benção "Urbi et Orbi".
A notícia da morte do Pontífice abalou o mundo cristão e nos faz revisitar a sua trajetória como líder da Igreja Católica por doze anos (2013 a 2025).
Foi um Papa inesquecível. Primeiro Papa
latino-americano, Francisco era argentino, um homem simples, afetivo,
agregador, acolhedor, misericordioso, magnífico. Ele era jesuíta,
pertencente à Companhia de Jesus. Embora a sua escolha do nome Francisco, em homenagem
a São Francisco de Assis, e a sua visão pastoral sejam frequentemente
associadas à espiritualidade franciscana, ele nunca foi membro da Ordem
Franciscana.
Desde sua eleição em 2013, o Papa Francisco foi uma
figura de destaque no cenário religioso e social global. Identificado por
muitos como um líder progressista, o Papa argentino desafiou as normas
tradicionais da Igreja Católica, promovendo uma abordagem mais inclusiva e
humanista. Nesse momento, convém reviver os principais aspectos do seu pontificado
que dão suporte à agenda progressista que implementou, analisando suas posições
sobre questões sociais, econômicas e ambientais, bem como seu impacto na Igreja
e na sociedade contemporânea.
Um dos aspectos mais notáveis do pontificado de
Francisco foi seu compromisso com a inclusão. Desde o início, ele enfatizou a
importância do diálogo inter-religioso e da aceitação das diferenças. A visita
ao Egito em 2017, onde se encontrou com líderes muçulmanos e promoveu uma
mensagem de paz e coexistência, exemplifica essa abordagem. O Papa também se
mostrou solidário com grupos marginalizados, incluindo pessoas LGBT e
migrantes, ressaltando a necessidade de acolhimento e compreensão em um mundo
frequentemente dividido. Empenhou-se de forma implacável na punição à pedofilia
dentro e fora de Igreja. Tema sensível e negligenciado nos papados anteriores.
O Papa Francisco foi um crítico fervoroso das
injustiças sociais e das desigualdades econômicas.
Seu primeiro documento, a exortação apostólica
"Evangelii Gaudium" (Alegria do Evangelho), publicada em 24 de
novembro de 2013, aborda a importância do anúncio do Evangelho no mundo atual,
com foco na alegria e na necessidade de uma Igreja voltada para as periferias.
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Esse documento traz um forte apelo à justiça
social, alertando contra os perigos do "capitalismo selvagem", que,
segundo ele, provocava a exclusão e a pobreza. Papa Francisco defendeu um
modelo econômico que priorizasse o bem comum em vez do lucro individual,
propondo alternativas que promovessem a solidariedade e a dignidade humana. Em
suas próprias palavras “o paradigma tecnocrático tende a dominar a economia e a
política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do
lucro, sem se preocupar com eventuais consequências negativas para o ser
humano.” A ênfase do Papa na importância de proteger os mais vulneráveis se
alinha com uma visão de esquerda que busca transformar as estruturas sociais.
Francisco também foi um defensor ardente do meio
ambiente, evidenciado pela encíclica "Laudato Si’" de 14 de maio de
2015. Nesse documento, ele convoca todos a cuidar da Terra, enfatizando a
interconexão entre a degradação ambiental e a pobreza. Sua abordagem não se
limita a apelos morais, apresenta uma visão crítica aos modelos econômico e
industrial que contribuem para a crise climática. A liderança do Papa nesse
assunto reafirmou uma preocupação com as questões ambientais, reconhecendo que
a proteção do planeta é essencial para garantir um futuro sustentável para as
próximas gerações.
A cena do Papa Francisco rezando sozinho na Praça
de São Pedro, em 27 de março de 2020, durante o auge da primeira onda da
COVID-19, tornou-se um dos símbolos mais marcantes da pandemia. A imagem do
líder religioso isolado, sob a chuva, em uma praça vazia — normalmente repleta
de fiéis —, carregava uma profundidade simbólica e emocional que ressoou
globalmente. A imagem do Papa na praça deserta refletia o isolamento vivido por
bilhões de pessoas. Sua figura solitária, carregando um crucifixo associado a
epidemias históricas (o “Cristo de São Marcelo”), evocava uma mensagem de
solidariedade no sofrimento. A chuva intensa acrescentava um tom de luto
coletivo, mas também de renovação.
Em seu discurso, Francisco falou sobre a pandemia
como uma "tempestade" que expôs a fragilidade humana, mas também a
interdependência global. Ele enfatizou: a importância de cuidar uns dos outros,
especialmente dos vulneráveis; a necessidade de união além de fronteiras,
credos e ideologias; e a crítica ao egoísmo social e econômico, defendendo que a
crise deveria inspirar um mundo mais justo e fraterno.
Embora haja resistência dentro da Igreja a mudanças
mais radicais, o Papa Francisco promoveu uma reavaliação de várias doutrinas
tradicionais. Sua postura mais aberta em relação ao divórcio e à convivência
antes do casamento, bem como sua disposição para discutir a possibilidade de um
maior papel para as mulheres na Igreja, são indicadores de uma mudança de
paradigma. Para Francisco a Igreja devia ser mais pastoral e menos dogmática,
priorizando a compaixão e o cuidado ao invés da repressão.
O pontificado do Papa Francisco foi, sem dúvida, um
dos mais progressistas que a Igreja Católica já viu. Seu compromisso com a
inclusão, a justiça social, a proteção do meio ambiente e a reavaliação de
doutrinas tradicionais marcou uma nova era para a Igreja. Embora enfrentando
desafios internos e externos, sua mensagem ressoará para muitos que buscam uma
Igreja mais humana e comprometida com os valores fundamentais do amor e da
justiça.
Ao promover essas questões, Francisco não
apenas transformou a sua Igreja, mas também reafirmou a importância de uma
liderança moral em um mundo que enfrenta guerras, disputas geopolíticas e
crises profundas e complexas. Ele pedia a paz entre israelitas e palestinos e
denunciava o genocídio em Gaza. Pedia pelo término da guerra na Ucrânia. Com
sua visão revolucionária, ele nos convidou a refletir sobre o papel da religião
na promoção do bem-estar humano e da dignidade em tempos de mudança.
O principal desafio que o Papa Francisco apontava
era a promoção do diálogo tanto dentro da Igreja, como com a Sociedade. Ele se
mostrava preocupado com o crescimento da extrema direita no mundo. Sua agenda
progressista de defesa dos imigrantes e acolhimento aos homossexuais foi alvo
de ataques dos conservadores e seguidores do falecido filósofo fake, Olavo de
Carvalho, e de Steve Bannon, estrategista da extrema direita e ex-diretor de
campanha do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Um novo Conclave se aproxima. A sucessão do Papa Francisco será
fortemente influenciada por sua visão de mundo e do papel da Igreja Católica,
já que 109 dos 137 cardeais eleitores foram por ele nomeados - 80% do Colégio
dos Cardeais. No entanto, a ala conservadora ainda possui influência
significativa especialmente entre cardeais nomeados por Papas anteriores como
Bento XVI e João Paulo II. A correlação de forças entre progressistas e
conservadores dependerá de como esses grupo se articularem. O Conclave é um
processo secreto e complexo. Que prevaleça um projeto de continuidade do legado
do revolucionário Papa Francisco para o bem da civilização e do planeta.

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