Ainda é preciso apurar, por exemplo, as conexões do clã Bolsonaro, em cujo condomínio Vivendas da Barra Ronnie Lessa também vivia, sugere Jeferson Miola
24 de março de 2024
Ex-vereadora Marielle Franco (PSOL) e Domingos
Brazão (Foto: ABR | Reprodução)
A prisão dos mandantes do assassinato
de Marielle Franco, que resultou na morte também do seu motorista Ânderson
Gomes, não esclarece [1] qual motivação e interesse por trás
do crime, e, tampouco, [2] quem são os mentores desta bárbara
execução política.
O esclarecimento parcial dos fatos só
andou efetivamente até aqui depois que a PF assumiu a investigação do crime, em
fevereiro de 2023, por decisão do então ministro da Justiça Flávio Dino.
A elucidação do crime não avançou
durante os nove meses do governo Temer, de abril a dezembro de 2018, e nos
quatro anos de governo militar com Bolsonaro, de 2019 a 2022, devido a
interferências e manipulações políticas.
A revelação de Ronnie Lessa sobre a
identidade de seus supostos contratantes/mandantes não preenche todas as
lacunas deste crime complexo e executado com níveis sofisticados de
planejamento, inteligência e articulação política, policial e institucional.
O caso é um enredo cinematográfico
com muitas tramas. Teve agente infiltrado no PSOL, falsos testemunhos,
sabotagens, obstrução das investigações, destruição de provas. Houve também
assassinatos de testemunhas e afastamentos de autoridades policiais e do MP.
Apesar de a PF declarar o caso
encerrado com a prisão de Domingos e Chiquinho Brazão e de Rivaldo Barbosa,
vários aspectos nebulosos cobram a continuidade e o aprofundamento das
investigações.
Muitos aspectos ainda precisam ser
esclarecidos, por isso a investigação não pode ser encerrada.
Ainda é preciso apurar, por exemplo,
as conexões do clã Bolsonaro, em cujo condomínio Vivendas da Barra Ronnie Lessa
também vivia e cujos filhos das famílias namoravam.
Também está pendente de apuração o
papel desempenhado no processo pelos generais Braga Netto, interventor federal
no Rio, e Richard Nunes, secretário de Segurança Pública, ambos designados pelo
general Villas Bôas, então comandante do Exército, e nomeados por Temer.
A intervenção no Rio em 2018 por meio
de uma operação de GLO foi uma providência da cúpula do Exército no contexto da
eleição presidencial daquele ano. A intervenção era um evento essencial à
estratégia militar para disputar a eleição com Bolsonaro, alguém historicamente
vinculado às milícias.
Neste sentido, ganha atualidade o
agradecimento de Bolsonaro ao general Villas Bôas, então comandante do
Exército: “General Villas Boas, o que já conversamos morrerá entre nós. O
senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, ele declarou.
Em reportagem de abril de 2020, o
repórter policial Humberto Trezzi descreveu que “o Exército conseguiu usufruir
dos bancos de dados das polícias Civil e Militar fluminenses e também montou um
mapa das ações criminais no Rio”. E complementou que “Braga Netto ganhou dos
amigos a reputação de ter o CPF, nome e endereço de cada miliciano no Rio”.
Chama atenção, por isso, que o
inquérito não tenha extraído maiores consequências do fato de que, na véspera
do assassinato de Marielle, o general Richard Nunes tenha nomeado Rivaldo
Barbosa para a chefia da Polícia Civil contrariando objeções da Subsecretaria
de Inteligência, que alertou sobre o envolvimento de Rivaldo com milícias.
O jornalista Lauro Jardim relata que
o delegado da PF Fábio Galvão, na época o subsecretário de Inteligência da
Secretaria de Segurança Pública que alertou sobre os vínculos de Rivaldo
Barbosa com as milícias, foi demitido pelo general Braga Netto cinco meses
depois. Circula a informação de que a ordem para bancar Rivaldo Barbosa para
controlar e manipular a investigação veio de um escalão acima do próprio Braga
Netto.
Também chama atenção no inquérito a
ausência de apuração do episódio ocorrido da tarde de 14 de março de 2018, em
que o porteiro do Vivendas da Barra foi autorizado telefonicamente por
Bolsonaro a permitir a entrada de Élcio Queiroz no condomínio para se encontrar
com Ronnie Lessa. Por que Élcio se comunicaria com a casa de Bolsonaro se em
tese se dirigia à casa de Lessa?
Outra omissão do inquérito é a
contradição de Carlos Bolsonaro, que mentiu estar presente em sessão da Câmara
de Vereadores naquela mesma tarde de 14 de março, quando na realidade estava no
Vivendas da Barra no mesmo momento em que Ronnie Lessa e Élcio Queiroz
ultimavam os preparativos para a execução do assassinato. Carlos reuniu com os
assassinos?
Estranhamente, Carlos e Jair
Bolsonaro, sempre muito comunicativos nas redes sociais, não fizeram nenhuma
postagem na plataforma X, ex-twitter, sobre as prisões ocorridas neste
domingo, 24/3.
A prisão dos supostos mandantes do assassinato da
Marielle avança um passo importante na elucidação do crime, mas ainda é
fundamental prosseguir até a apuração completa, para se chegar aos seus
mentores, e se esclarecer os motivos e interesses por trás dele.
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