Vladimir Putin e Tucker Carlson (Foto: Tass) |
"Essa entrevista, para o público dos Estados Unidos, verá pela primeira vez o outro lado das coisas", opina Lejeune Mirhan (Sociólogo, Professor, ....)
13 de fevereiro de 2024
Foi ao ar no último dia 8 de
fevereiro, uma entrevista que deu imensas repercussões mundiais e de certa
forma, muito rara de acontecer, quando o presidente da Federação Russa,
Vladimir Putin, falou com o polêmico jornalista estadunidense Tucker Carlson.
Ouvi muitos comentários sobre ela. Mas, o mais equivocado deles é o que diz que
“a entrevista com Putin não trouxe nada de novo” (sic). Nada mais equivocado,
como demonstrarei.
Vou dividir o roteiro desta minha análise em três
partes: 1. A minha percepção do significado da entrevista; 2. Quem é Tucker
Carlson e; 3. Os pontos que me chamaram atenção em função não só do que eu
assisti das 2h da entrevista, mas também do que eu li em vários comentários nos
principais portais internacionais.
Percepção sobre a entrevista
Nós não sabemos quantas pessoas assistiram no canal
do Carlson e talvez jamais venhamos a saber. No seu canal, já chega a quase 12
milhões de visualizações. Ela foi retransmitida por milhares de canais no
YouTube e na Rússia, todas as televisões abertas e por assinatura. Então, é
dificílimo estimar quantas pessoas assistiram e, especialmente, nos Estados Unidos
que é, na verdade, para o público ao qual se dirige esse conteúdo. A minha
estimativa é de que muito mais de 100 milhões de pessoas assistiram no canal do
Carson, no X (ex Twitter) e no Tucker Carlson Network.
Quando ele anunciou a entrevista, ele postou na
rede X um pequeno vídeo de cinco minutos, que já teve mais de 100 milhões de
visualizações. Só por isso dá para termos uma ideia da força de Putin, que se
mostrou um estadista, talvez o maior hoje no mundo; uma pessoa de uma
inteligência muito superior e com um grande domínio da história.
Ele gastou uns 25 minutos para falar da história da
Rússia, da Ucrânia, da União Soviética, do Império Russo etc. Eu duvido
que alguém como o presidente Biden, que deve estar acometido de senilidade,
tenha essa capacidade de fazer uma análise histórica de algum fato, talvez
alguma coisa relacionada aos Estados Unidos, como fez Putin.
Continue lendo
Minha última observação sobre a entrevista,
contrariando o que muitos comentaristas – do nosso campo, inclusive – que
disseram que a entrevista não trouxe nenhuma novidade.
Não é verdade! Trouxe sim algumas novidades, talvez
não muitas para pessoas que acompanham o dia a dia da opinião da Rússia sobre
as Operações Militares Especiais deflagradas em 24 de fevereiro de 2022.
Nós acompanhamos as razões da Rússia para entrar no
conflito, que começou em 2014. Nós sabemos filtrar o bombardeio midiático dos
conglomerados e corporações de imprensa que divulgam exclusivamente as opiniões
dos EUA.
No entanto, essa entrevista, para o público dos
Estados Unidos, verá pela primeira vez o outro lado das coisas – porque em
tempo algum eles jamais viram o ponto de vista da Federação Russa e, se viram,
foi distorcido – terá sido uma grande bomba e terá tido imenso impacto. Eles
viram as notícias do conflito, mas sempre seguidos de depreciações, de
rebaixamentos, tentando mostrar o Putin como um “ditadorzinho” autoritário,
autocrata, como eles gostam de dizer.
Então, sob esse aspecto, essa entrevista foi uma
bomba nos Estados Unidos. Nós, que analisamos essa entrevista sob um ponto de
vista Ocidental, ainda que tenhamos uma opinião progressista, temos que levar
em conta o que ocorre nos Estados Unidos e o efeito disso para quem acha que a
Ucrânia está dando uma surra na Rússia, para quem acha que a Ucrânia já ganhou
a guerra.
Estas são as minhas observações iniciais desta
entrevista do Tucker Carlson, que já pode ser considerado o homem mais odiado
nos Estados Unidos. Já se pede abertamente a sua prisão para quando ele
retornar aos EUA.
Quem é Tucker Carlson
Se pudesse usar um termo popular no Brasil eu
diria: “esse não é flor que se cheire”. Mas, vamos aos fatos. Ele é um homem de
54 anos, que não é jornalista por formação, mas sim historiador. Apresenta-se
como analista internacional e apresentador. Possui o seu próprio canal no
YouTube com quase 1,3 milhões de inscritos.
Ele escreve regularmente como colunista em muitos
órgãos. Ele é também autor de pelo menos, três livros, a saber Políticos,
Partidários e Parasitas: Minhas aventuras no noticiário a cabo (2003); Navio
dos tolos: Como uma classe dominante egoísta está levando a América à beira da
revolução (2018) e O longo slide: Trinta anos no jornalismo
americano (2021). É preciso dizer que Tucker Carlson é um homem
ideologicamente de extrema-direita ou de direita e um homem do esquema de
Donald Trump.
Alguém poderia perguntar: então essa entrevista vai
fortalecer o Trump? Nós não podemos fazer a análise por este aspecto. O mais
importante é o conteúdo passado para um público que nunca viu esse tipo de
fala, sobretudo, vindo diretamente da boca do presidente da Rússia.
Eu recomendo que vocês assistam, se puderem.
Assistam, mas não se preocupem com o entrevistador, preocupem-se em entender,
absorver, filtrar e analisar aquelas palavras que saem da boca do presidente da
Federação Russa, hoje um dos maiores expoentes da luta antiimperialista, ao
lado de Xi Jinping (China) e Ebrahim Raisi (Irã). Eu não ponho o presidente
Lula nesse time dos maiores expoentes dessa luta, porque nem ele talvez queira
ser classificado dessa maneira.
O Trump poderá tirar dividendos disso? Poderá, ele
tem falado que se fosse presidente dos Estados Unidos neste momento – e ele
espera vencer as eleições em novembro – acabaria com a guerra na Ucrânia em 24
horas.
Isto é o que ele tem falado, mas o governo de Joe
Biden, com o seu secretário de Estado que só fala em guerra, acabou de aprovar
no Senado uma ajuda de 61 bilhões de dólares para a Ucrânia, um dinheiro que
não vai para para atividades sociais, não vai para cuidar do povo dos Estados
Unidos, e é aplicado num país que não tem nada a ver com os EUA.
Hoje o povo da Ucrânia está perambulando pela
Europa, vivendo como refugiados. Os EUA já jogaram 150 bilhões nessa guerra
perdida e agora querem injetar mais 60 bi. E eles exigem que a Europa, que é
subordinada, aprove um pacote de 50 bi, ou seja, eles não querem parar a
guerra.
Neste exato momento, os Estados Unidos estão
fazendo três guerras em pleno ano eleitoral: na Ucrânia, que é uma guerra
contra a Rússia e não da Rússia contra a Ucrânia; estão na guerra contra os
palestinos, ao lado do genocida e criminoso de guerra Netanyahu e agora
começaram uma guerra contra o Iêmen.
Esse é um pequeno país árabe, pobre, que fica na
península arábica, na entrada do Mar Vermelho, que tem uma guerrilha muito
forte que está ao lado dos palestinos. Assim, eles movem neste momento três
guerras, contra três países, no caso Palestina é contra um povo.
Neste momento, eles também atacam mais dois países
árabes sem autorização da ONU, que são a Síria e o Iraque. Acho que o Trump não
faria uma política externa muito diferente. Talvez tivesse nuances de
diferença. Dessa forma, ele cresce no cenário eleitoral quando diz: “eu acabo
com essa guerra em 24 horas”.
A guerra já acabou faz tempo; a Ucrânia já perdeu
faz tempo. A frase de maior efeito que eu anotei do Putin foi essa: “Se a
Rússia parar de atacar a Ucrânia a guerra acaba imediatamente; se a Ucrânia parar
de se defender, a Ucrânia acaba”, ou seja, é uma guerra conclusa.
O destaque de alguns pontos da
entrevista
Putin disse que está aberto ao diálogo e está
disposto a fazer as conversações que forem necessárias para pôr um fim a esta
guerra. Mas, que a rigor, um dos objetivos ainda não foi atingido, que é a
desnazificação da Ucrânia.
Este termo também – com qual eu estou plenamente –
tem comentaristas do nosso campo que não compreendem e dizem: que negócio é
esse? Que coisa mais vaga! A Ucrânia é a maior exportadora de nazistas da
Europa. Eles fazem abertamente a saudação nazista, usam suásticas nas suas
vestes e ainda perguntam: que negócio é esse desnazificação? Incrível a
falta de percepção de algumas pessoas.
É tão evidente esta realidade que a Rússia destruiu
o Batalhão Azov, que era o Batalhão nazista que tinha sido incorporado ao
Estado ucraniano, entrou na sua folha de pagamento, que são aqueles
mercenários, terroristas que passaram a ser funcionários do Estado
ucraniano.
Sobre a guerra na Ucrânia foram as seguintes
observações que eu depurei da entrevista: a guerra não foi a Rússia que
começou, foi a Ucrânia que começou em 2014 quando ela deu o golpe e começou a
atacar a região do Donbas, matando russos que moram lá e aí começa a
guerra.
Mas, o Ocidente e suas mídias corporativas não
falam isso. A Ucrânia desrespeitou os acordos de Minsk (capital da
Bielorrússia) onde foram assinados acordos com participação dos presidentes da
França, da Rússia, da Belarus, da Ucrânia e acho que até a primeira-ministra da
Inglaterra à época.
Dois acordos foram assinados, um em maio e outro em
setembro, do mesmo 2014. A Ucrânia assinou, mas nunca acatou depois que o
Zelensky entrou, em 2019. Este ano teria eleição, mas ele cancelou, seria a
reeleição dele.
Quando ele toma posse, ele incrementa ainda mais o
ataque ao Donbas, onde a Ucrânia matou mais de 15.000 russos étnicos, que é
aquele que é nascido na Rússia, mas mora na Ucrânia. Matou ainda falantes de
russo, que são os filhos dos russos étnicos que já nasceram na Ucrânia.
Putin explica que a Ucrânia foi uma criação de
Lênin, que foi ele que idealizou a Ucrânia que nunca existiu como país, sempre
foi parte da Rússia, que nasce em Kiev, que era a capital do império russso.
Então, Lênin idealizou um sistema de Repúblicas Soviéticas Socialistas e
levantou a ideia de criar uma Ucrânia Soviética Socialista que,
voluntariamente, se une à União das Repúblicas Soviéticas.
O império russo antigo dominava esses países
vizinhos que eram satélites, dominava a ponto de escravizá-los, eles não tinham
liberdade para exercer a sua independência total. Ao ingressar na União
Soviética, isso muda de figura.
Ele faz uma observação muito interessante. Ele diz
que Washington instruiu a Ucrânia a não negociar. Para que a Ucrânia negocie
Washington, este tem que mudar de posição. Então, ele joga totalmente a
responsabilidade de continuar a guerra ou assinar um acordo de paz nos ombros
dos Estados Unidos.
Isto porque, o Zelensky não manda nada. Portanto,
se os Estados Unidos quiserem que a guerra acabe, eles têm que imediatamente
parar de fornecer armas para a Ucrânia. Mas, o Senado acabou de aprovar uma
nova ajuda bilionária. Agora terá que ser votado na Câmara dos EUA, mas prevejo
que vai ser mais difícil de aprovar, porque há muita resistência em continuar
mandando dinheiro para a Ucrânia.
E finalizo, esse aspecto sobre a guerra na Ucrânia
onde ele diz: a derrota da Rússia na Ucrânia é impossível. Ele não usa a
palavra “improvável”.
Sobre a OTAN Putin faz uma série de comentários.
Eles difundiram uma ideia que fica no imaginário dos europeus, a ponto de
Suécia e Finlândia, que nunca foram membros da OTAN terem pedido o ingresso.
Eles estão difundindo que a Rússia vai atacar a Europa e vai enfrentar a OTAN e
expandir “seu domínio”.
Essa afirmação é absolutamente mentirosa. Ele diz
que não há menor possibilidade de a Rússia entrar em guerra nem com a Polônia,
nem com qualquer outro país europeu, salvo se formos atacados por algum deles,
aí vamos nos defender.
Ele menciona que desde que acabou a União Soviética
em 1991, quando a OTAN, era comandada por Bush (pai) que presidia os EUA (ele
perderia a reeleição em 1992 e quem ganharia seria Bill Clinton) e na Rússia sob
o comando de Bóris Yeltsin, agente e amigo do imperialismo, o sonho de Yeltsin
era entregar-se, ajoelhar-se para o Ocidente. Ele não queria ser da Ásia.
Queria ser europeu.
Mas, nesses encontros, apesar de a a Rússia estar
muito enfraquecida pelo fim da União Soviética e com o presidente do tipo do
Yeltsin, os EUA disseram várias vezes: nós não vamos expandir a OTAN para o
leste.
Putin confirma isso: os Estados Unidos disseram em
1991/1992 que não expandiriam a OTAN para o leste. No entanto, de lá para cá,
fizeram cinco grandes ondas de expansão, pulando de 16 para os atuais 31
membros.
A OTAN, diz Putin, deve aceitar que a Ucrânia
jamais entrará na Aliança Atlântica e deve aceitar de uma vez por todas que os
territórios conquistados e anexados pela Rússia da Ucrânia jamais serão
devolvidos. É como se diz naquela piada popular: “aceita que dói menos”. E, o
último aspecto, os líderes ocidentais também já perceberam que jamais
conseguirão infringir qualquer tipo de derrota de nível estratégico à Federação
Russa.
Putin disse em certo momento que é um absurdo
estarem falando em uma guerra global, isso destruiria a humanidade. A parte
mais hilária da entrevista ocorreu quando Tucker Carlson perguntou para o Putin
quem explodiu os dois gasodutos Nord Stream 1 e 2. E ele respondeu na lata:
foram vocês! É claro que ele se refere aos estadunidenses. O Ocidente teme,
disse Putin, mais uma China forte do que uma Rússia forte. Como quem diz: por
que estão fazendo essa guerra contra a Rússia? Para enfraquecê-la.
E termino com uma última observação: Putin disse
que o maior erro estratégico dos Estados Unidos é usar o Dólar como uma
ferramenta geopolítica de dominação pessoal.
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