2 de novembro de 2023
Mural na Argentina de apoio à Palestina (Foto:
Reprodução/PalestinaLibre.org)
“Autodefesa” é a aplicação da lei de Talião por uma superpotência militar contra um povo devastado. Por Luis Felipe Miguel (Professor de Ciência Política da UnB).
Originalmente
publicado no site A Terra é redonda
Na CPI do 8 de janeiro, a oposição quis emplacar a
história de que o governo Lula tentou dar um golpe contra si mesmo. A imprensa,
com razão, ridicularizou o estratagema.
Mas quando Estados Unidos e Israel dizem que o
hospital palestino foi bombardeado pelos próprios palestinos, essa narrativa
logo é aceita como digna de atenção.
Embora o governo de Israel já tenha deixado claro,
em numerosas declarações, que considera os palestinos como “animais” e que
deseja exterminar a população de Gaza – “a única coisa que precisa entrar em
Gaza são centenas de toneladas de explosivos da Força Aérea, nem um grama de
ajuda humanitária”, disse o ministro da Segurança Nacional israelense, Itamar
Ben-Gvir.
Embora Israel tenha o hábito de negar ações de suas
forças armadas, até a hora em que não consegue mais desmentir.
Embora Israel tenha atacado o hospital antes, com
menor poder de fogo, como “advertência”, para exigir sua evacuação.
Embora Israel tenha sustentado as acusações com
base na análise de imagens da Al Jazeera, mas tenha sido levado a apagar das
redes sociais sua “análise” quando percebeu que o vídeo era de uma hora antes
do bombardeio do hospital.
Embora Israel tenha divulgado um áudio
pretensamente interceptado de integrantes do Hamas atribuindo a ataque à Jihad
Islâmica – e especialistas (ocidentais!) já tenham constatado que o áudio
certamente é falso, devido ao sotaque e péssima pronúncia dos homens que
conversam.
Embora um porta-voz do governo israelense tenha
admitido a autoria do ataque – e depois apagou o tuíte.
Enquanto a “polêmica” sobre a autoria do ataque
monopoliza o noticiário, suas vítimas – 471 civis palestinos, incluídas muitas
crianças – passam para um distante segundo plano.
Essa é a tônica da cobertura da imprensa.
Na imprensa, as vítimas israelenses da guerra são
pessoas de carne e osso. Aparecem em fotos sorrindo, dançando, os amigos e
parentes contam de seus sonhos brutalmente interrompidos. Sentimos empatia, nos
entristecemos por elas.
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Já as vítimas palestinas são invisibilizadas. São
números. No máximo, vemos fotos de Gaza destruída. Parece que não há sonhos que
possam ser interrompidos ali – é só brutalidade, violência, morte.
A desumanização é fundamental para a ofensiva
israelense. Serve para que a opinião pública internacional não se sensibilize
com a tragédia do povo palestino, há décadas submetido à opressão.
E os Estados Unidos são o grande cúmplice. Quase
ninguém, na elite política estadunidense, tem coragem de afrontar o poderoso
lobby sionista.
Organizações estudantis de Harvard tiveram a
ousadia de se manifestar em defesa dos direitos dos palestinos. A resposta não
tardou: bilionários anunciaram que vão cortar doações à universidade. Alguém
duvida que a reitoria já está se esforçando para calar os estudantes?
No Conselho de Segurança das Nações Unidas, os EUA
usaram seu poder de veto para barrar a proposta de resolução brasileira pela
paz.
Diziam que, quando Joe Biden morresse, Kamala
Harris ia se tornar a primeira mulher negra a ordenar o bombardeio de um país
do Terceiro Mundo – uma vitória identitária, sem dúvida. Ainda não chegamos lá,
mas a embaixadora Linda Thomas-Greenfield não ficou longe.
Depois, a embaixadora disse que ficou “desapontada”
porque o texto proposto pelo Brasil não mencionava o “direito de autodefesa” de
Israel.
“Autodefesa”, no caso, é a aplicação da lei de
Talião por uma superpotência militar contra um povo devastado.
Mais uma vez, é a desumanização dos palestinos que
permite esse discurso.
Vidas palestinas importam. Esse é o recado que
precisa ser reiterado.
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