O povo argentino foi induzido a cometer um erro
histórico, escreve o jornalista José Reinaldo Carvalho
20 de novembro de 2023
Apoiadores do candidato à Presidência da Argentina
Javier Milei durante comício em Buenos Aires 25/09/2023 REUTERS/Cristina Sille
(Foto: REUTERS/Cristina Sille)
Por José Reinaldo
Carvalho, 247 - Javier Milei,
candidato de extrema direita, ultraliberal, falsamente designado como
"anarcocapitalista", venceu as eleições presidenciais na Argentina
ostentando uma plataforma que consiste em ameaças contra o povo argentino e
suas conquistas históricas: a democracia, os direitos sociais, as relações
externas do país, incluindo a grande vitória nacional que foi a inclusão no
Brics ampliado, a partir da cúpula de Joanesburgo de agosto deste ano.
O povo argentino não votou nas promessas de Milei,
não expressou adesão a estas. Foi um voto de rejeição a uma situação objetiva
de falência econômica, de deterioração das condições de vida, induzido a
cometer um grave erro histórico. Desorientados, perdidos em meio a crise
multidimensionais, os povos às vezes tomam decisões falsas e inconsequentes. Já
aconteceu ao nosso. Já aconteceu a outros, em outras épocas e latitudes. Por
elevada que seja a consciência política de uma comunidade nacional, em
situações de solavancos, turbulência, instabilidade, forma-se uma maioria
eventual e se esvaem os valores, a confiança, as convicções. Perde-se a
perspectiva, ocasiões em que se torna inevitável o retrocesso.
Por trás das afirmações estridentes de Javier Milei
e em cada item bombástico de seu programa eleitoral, o povo argentino foi
levado a não enxergar que as propostas do candidato não são promessas benignas,
mas ameaças que podem tornar horrendo o futuro imediato e comprometer
irremediavelmente, pelo menos por muitas décadas, o futuro da nação.
Como não encarar como ameaças significativas ao
futuro do país as propostas do presidente eleito? Uma das principais bandeiras
de Milei é a defesa de contrarreformas radicais, à guisa de eliminar a
inflação, combater a corrupção e reduzir a "máquina improdutiva e
burocrática" do Estado: a extinção do Banco Central, a dolarização
completa da economia, as privatizações, a eliminação de subsídios estatais. Não
é preciso ser economista nem cientista social para perceber que a aplicação de
tal programa resultará em consequências drásticas para a população,
principalmente os setores mais pobres e vulneráveis. Se concretizadas, tais
medidas debilitarão ainda mais o país, exacerbarão as desigualdades, e
provocarão impactos negativos nas condições de vida das massas populares.
Na busca de tornar realidade seu credo
ultraliberal, Milei vai desencadear uma ofensiva brutal contra os direitos
sociais, já combalidos pela crise em que o país está engolfado. As promessas de
prosperidade econômica vão revelar toda a sua falsidade quando se desenrolar o
drama da total destruição dos sistemas educacional, de saúde e previdenciário.
Logo a população sentirá na carne o custo da reciclagem do capitalismo, agora
com a feição ultraliberal proposta por Milei.
O presidente eleito também poderá provocar abalos
no sistema político, surtos antidemocráticos, inspirados na convicção de que
somente uma tirania será capaz de enfrentar os desafios nacionais num momento
de auge da crise.
Igualmente constituem ameaças à nação argentina as
tiradas de Milei contra os maiores parceiros geopolíticos e econômicos do país.
O desastre argentino será maior se concretizadas as "promessas" de
ruptura com o Brasil, a China e o Brics e se a orientação da política externa
for condicionada pelas conexões ideológicas que mantém com a extrema direita
mundial.
Como contraponto a tudo isso, é necessário levar em
conta que a situação não evolui linearmente. A vitória eleitoral de Milei não
significa a garantia de êxito ao seu governo. À medida que se evidenciar que o
país caminha para o desastre, sobrevirão momentos de resistência e luta com o
despertar da consciência do povo sobre a falsidade das “promessas” avalizadas
nas urnas.
EM TEMPO: Convém lembrar que o Peronismo é muito forte na Argentina e que o futuro governo Milei não tem maioria no Parlamento.
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