"Antes da derrota eleitoral, havia uma derrota
na consciência da maioria do povo", escreve Emir Sader (sociólogo e cientista
político)
O presidente eleito da Argentina, Javier Milei
20/11/2023 (Foto: Julián Álvarez/Telam)
A Argentina é, sem dúvida, um caso exemplar. Um fenômeno dessa dimensão não pode ser compreendido por uma ou poucas causas. Sabe-se que o voto irado foi uma das razões subjacentes pelas quais a maioria votou contra o governo, contra a esquerda, contra o Estado. Essa é uma das razões do voto de rejeição.
Outra das razões fundamentais foi a capacidade do candidato de direita de se identificar com a mudança. Em uma de suas propagandas, ele dizia algo como: "Temos que mudar o país. E você não pode mudar com eles", acompanhado de imagens dos governadores e dirigentes peronistas. Nada mais sugestivo para ganhar o voto daqueles que se viam como outsiders – gerir a imagem de casta. A esquerda tentou descaracterizar isso denunciando a aliança com representantes dessa casta – Macri, Bulrich, entre eles. Um mecanismo que, aparentemente, não funcionou.
Como essa derrota é diferente das outras? Em primeiro lugar, ocorreu através de um processo eleitoral. Ou seja, foi precedida de uma campanha eleitoral, na qual as alternativas foram apresentadas aos eleitores. A disputa passou para o campo dos discursos. E, como muitos de nós já havíamos previsto, uma derrota política é precedida por uma derrota não no campo ideológico, de valores, na disputa pela consciência das pessoas.
Antes da derrota eleitoral, havia uma derrota na
consciência da maioria do povo. Tal como em outros países do continente,
estamos perdendo a disputa ao nível dos valores. A desqualificação do Estado,
do seu papel, das suas políticas, é decisiva.
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A diferença é que tem sido impotente para impedir
que uma alternativa tão radical, da extrema direita, capitalize o fracasso das
políticas governamentais de esquerda para melhorar as condições de vida da
maioria das pessoas. Impedir que o Estado seja responsabilizado por tudo isto,
para que se proponha uma alternativa, da forma mais radical, ao Estado mínimo
e, com ele, aos direitos do povo, que só podem ser garantidos com o Estado. Com
os ataques e as responsabilidades do Estado, atacam e procuram destruir os direitos
das pessoas. Procuram derrotar e destruir os obstáculos à imposição da
centralidade do mercado, ao processo de mercantilização radical da sociedade,
objetivo último do neoliberalismo.
A disputa fundamental ocorrerá entre a esfera
comercial e a esfera pública. À direita, como afirmou Ronald Reagan no início
da era neoliberal: "O Estado deixou de ser uma solução, mas tornou-se um
problema". Devemos destruir a capacidade de garantir os direitos das
pessoas, de regular o Estado, de manter a propriedade pública, de proteger o
mercado interno, da soberania nacional.
Como todas as disputas na América Latina neste
período histórico, o confronto central é entre o neoliberalismo e o
antineoliberalismo, na nossa busca por um modelo pós-neoliberal. O estado da
disputa pode ser medido pela medida em que a direita consegue comercializar as
nossas sociedades e conseguimos resistir a essas mudanças, reafirmar e
fortalecer os direitos, a democracia e a soberania, que a democratização dos
Estados sempre implica.
Reconquistar, em primeiro lugar, aqueles que não sentiam que estavam a perder direitos, porque não os tinham. Muito mais difícil, porque vamos perder, com o fim do mandato, a capacidade de garantir esses direitos, o que significa que temos o poder de implementar políticas sociais. Segundo, preparar um projeto para a descorporatização do Estado. Terceiro, rearticular os processos de integração latino-americanos e desenvolver uma política internacional para superar o neoliberalismo e fortalecer o Sul global.
Comece por um evento de equilíbrio e perspectivas
do novo período político na América Latina, pois a mudança de governo na
Argentina introduz uma nova correlação de forças na região, tanto pelo fim do
governo no país, quanto pela emergência de uma nova liderança de
extrema-direita.
Não podemos dar qualquer trégua a esta nova liderança. Tirar partido das suas fraquezas, especialmente do seu isolamento internacional, da sua falta de políticas sociais, da sua incapacidade de melhorar as condições de vida da população. Da experiência brasileira, pode-se tirar a lição da reafirmação da prioridade das políticas sociais, da democratização do Estado, do fortalecimento das políticas de integração regional e do Sul do mundo, especialmente através dos BRICS.
EM TEMPO: Uma parcela considerável da população despolitizada gosta mesmo é de "maluco", tipo Milei, o qual esculhamba com os principais parceiros comerciais da Argentina, que são Brasil e China. Porém, o governo chinês já deu um "puxão de orelha" na equipe do novo governo ao afirmar que é impossível manter o intercâmbio econômico sem a reciprocidade nas relações diplomáticas. Ok, Moçada!
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