O único país capaz de desviar a atenção ocidental da Ucrânia é Israel. Mas os Estados Unidos e seus aliados estão caminhando para uma cilada existencial
Por Pepe Escobar
Ato pró-Palestina em Londres atrai multidões 21/10/2023
(Foto: REUTERS)
A parceria estratégica Rússia-Irã – com a China
pronta para entrar em cena a qualquer momento - está armando uma elaborada
cilada com tons de Sun Tzu para o Hegêmona no Oeste Asiático.
Fora Israel, não há outra entidade no planeta capaz
de, instantaneamente, desviar o foco do espetacular fracasso do Ocidente na
Ucrânia.
Os mercadores da guerra que comandam a política
externa dos Estados Unidos, que não são exatamente bismarckianos leais,
acreditam que caso o Projeto Ucrânia seja inalcançável, o Projeto Solução Final
na Palestina – ou limpeza étnica - poderia, de seu lado, ser uma moleza.
Um cenário mais plausível, entretanto, é que
Irã-Rússia, – e o novo "eixo do mal" Rússia-China-Irã – tem todas as
condições para arrastar o Hegêmona para um segundo atoleiro. Trata-se apenas de
usar a própria indecisão atordoada do inimigo para desequilibrá-lo e
desorientá-lo até a derrota.
O sonho dourado da Casa Branca de acreditar que as Guerras Sem-Fim na Ucrânia e em Israel se inscrevam na mesma luta por elevados ideais de "democracia", sendo essenciais aos interesses nacionais dos Estados Unidos, já saiu pela culatra – até mesmo em meio à a opinião pública dos Estados Unidos.
Isso não impede que gritos e sussurros sejam ouvidos por todo o Beltway, revelando que os neocons americanos aliados a Israel estão acelerando o ritmo para provocar o Irã – com uma proverbial falsa bandeira que levaria a um ataque americano. Esse cenário de Apocalipse combina bem com a psicopatia bíblica do Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu.
Os vassalos seriam forçados a docilmente concordar.
Os chefes de estado da OTAN fizeram fila para visitar Israel e demonstrar seu
incondicional apoio a Tel Aviv - incluindo Kyriakos Mitsotakis da Grécia,
Giorgia Meloni da Itália, Rishi Sunak da Grã-Bretanha, Olaf Scholz da Alemanha,
o senil hóspede da Casa Branca e Emmanuel Macron da França.
Vingando o "século de humilhações"
Até o momento, o movimento de resistência libanês
Hezbollah mostrou-se extraordinariamente comedido ao não morder a isca. O
Hezbollah apoia a resistência palestina como um todo – e até alguns anos tinha
sérios problemas com o Hamas, com o qual entrou em choque na Síria. O Hamas,
por sinal, embora sendo parcialmente financiado pelo Irã, não é comandado por
aquele país. Embora Teerã apoie a causa palestina, os grupos da resistência
palestina tomam suas próprias decisões.
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A notícia importante é que todas essas questões vêm
agora se dissolvendo. Tanto o Hamas quanto a Jihad Islâmica Palestina (JIP),
esta semana, foram ao Líbano visitar pessoalmente o secretário-geral Hassan
Nasrallah. O que significa unidade de propósito – ou o que o Eixo de
Resistência da região chama de "Unidade de Fronts".
Ainda mais reveladora foi a visita do Hamas a Moscou nesta
semana, recebida com fúria impotente por Israel. A delegação do Hamas foi
chefiada por um membro de seu Politburo, Abu Marzouk. O Primeiro-Ministro
Adjunto iraniano, Ali Bagheri, veio de Teerã especialmente para essa ocasião, e
se reuniu com dois dos principais assessores do Chanceler russo Lavrov, Sergei
Ryabkov e Mikhail Galuzin.
O que significa Hamas, Irã e Rússia sentados à
mesma mesa de negociações.
O Hamas conclamou os milhões de palestinos da
diáspora, bem como a todo o mundo árabe e a todas as terras do Islã, a se
unirem. Lenta mas firmemente, um padrão já vem se delineando: estaria o mundo
árabe – e grande parte do Islã – à beira de uma significativa união para vingar
seu "século de humilhações" – de forma muito semelhante à usada pelos
chineses após a Segunda Guerra, com Mao Tse-tung e Deng Xiaoping?
Pequim, com toda a certeza, por meio de sua
sofisticada diplomacia, já vinha sugerindo isso a atores importantes, mesmo
antes do divisor de águas representado pela reaproximação entre Irã e Arábia
Saudita negociada pela Rússia e pela China, firmada em inícios deste ano.
Isso, por si só, não afetará a perpétua obsessão
dos neocons americanos de bombardear a infraestrutura crítica do Irã. Valendo
menos que nada quando se trata de ciência militar, esses neocons ignoram que a
retaliação iraniana – de forma precisa – tomaria como alvo a totalidade das
bases dos Estados Unidos no Iraque e na Síria, o Golfo Pérsico permanecendo
como uma possibilidade em aberto.
O inigualável analista militar russo Andrei
Martyanov mostrou o que
poderia acontecer com aquelas caríssimas banheiras de ferro americanas no Leste
do Mediterrâneo, no caso de um ataque ao Irã ameaçado por Israel.
Além disso, há tropas de pelo menos mil homens no
Norte da Síria, roubando petróleo do país – que também se tornariam alvos
imediatos.
Ali Fadavi,
comandante-em-chefe do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica foi direto ao
ponto: "Temos tecnologias no campo militar que ninguém conhece, e os
americanos ficarão sabendo sobre elas quando nós as usarmos".
Entram em cena os mísseis hipersônicos iranianos
Fattah – primos do Khinzal e do DF-27 – viajando a uma velocidade de Mach 15 e
capazes de atingir qualquer alvo em Israel em 400 segundos.
Acrescente-se a isso sofisticados armamentos
eletrônicos (EW). Como confirmado por Moscou há seis meses, no tocante à
interconexão militar, os iranianos disseram aos russos na mesma mesa: "O
que vocês precisarem, basta pedir". O mesmo vale no sentido contrário,
porque o inimigo mútuo é o mesmo.
O verdadeiro problema é o Estreito de Hormuz
O cerne da questão em qualquer estratégia
russo-iraniana é o Estreito de Hormuz, através do qual transitam pelo menos 20
por cento do petróleo mundial (quase 17 milhões de barris por dia), mais 18 por
cento do gás natural liquefeito (GNL), o que representa pelo menos 3,5 bilhões
de pés cúbicos por dia.
O Irã tem a capacidade de bloquear o Estreito de
Hormuz em questão de minutos. Para começar, isso seria algum tipo de
retribuição de justiça poética por Israel tentar abocanhar, de forma ilegal, a
totalidade do multibilionário gás natural descoberto no litoral de
Gaza: esta, por sinal, é uma das razões absolutamente cruciais para
a limpeza étnica da Palestina.
Mas o principal será demolir a estrutura de
derivativos de 618 trilhões de dólares arquitetada por Wall Street, como há
anos analistas do Goldman Sachs e do JP Morgan vêm confirmando, com
comerciantes de energia independentes do Golfo Pérsico dizendo o mesmo.
Quando as coisas esquentarem, portanto - muito além
da defesa da Palestina e em um cenário de Guerra Total – não apenas Rússia-Irã,
mas também atores importantes do mundo árabe em vias de se tornarem membros dos
BRICS 11 – como a Arábia Saudita e a UEA – têm todas as condições para demolir
o sistema financeiro dos Estados Unidos na hora que assim o desejarem.
Um figurão velha-escola do Deep State, hoje empresário
na Europa Central, ressalta:
"As nações islâmicas têm a vantagem econômica.
Elas conseguiriam explodir o sistema financeiro internacional cortando o
petróleo. Não seria necessário disparar um único tiro. O Irã e a Arábia Saudita
estão se aliando. A crise de 2008 foi resolvida com 20 trilhões de dólares, mas
esta outra, caso aconteça, não poderia ser resolvida nem mesmo com 100 trilhões
em instrumentos fiduciários".
Como comerciantes do Golfo Pérsico me contaram, um
cenário possível seria a OPEC começar a sancionar a Europa, primeiramente a
partir do Kuwait e então se alastrando de um país árabe a outro, e também todos
os países que vêm tratando o mundo muçulmano como inimigo e como carne de
canhão.
O Primeiro-Ministro iraquiano Mohammed Shia al-Sudani
já advertiu que o envio de petróleo aos mercados ocidentais poderia ser
suspenso em razão do que Israel vem perpetrando em Gaza. O Chanceler iraniano
Hossein Amir-Abdollahian já pediu, oficialmente, um embargo total do petróleo e
do gás por países islâmicos contra nações – essencialmente vassalos da OTAN –
que apoiam Israel.
Assim, sionistas cristãos dos Estados Unidos
aliados ao agente neocon Netanyahu, que ameaçam atacar o Irã, têm o potencial
de derrubar todo o sistema financeiro mundial.
A Guerra Sem Fim na Síria, remixada
Na atual situação vulcânica, a parceria estratégica
Rússia-China vem sendo extremamente cautelosa. Para o mundo exterior, a posição
oficial de ambas é se recusar a tomar partido da Palestina ou de Israel, pedir
um cessar-fogo por razões humanitárias, defender a solução de dois estados e o
respeito ao direito internacional. Todas as suas iniciativas na ONU foram
devidamente sabotadas pelo Hegêmona.
Nas atuais circunstâncias, Washington recusou-se a
dar luz verde à invasão por terra de Israel contra Gaza. A principal razão é a
prioridade imediata dos Estados Unidos: ganhar tempo para expandir a guerra na
Síria, "acusada" de ser o principal ponto de trânsito das armas
iranianas para o Hezbollah. Isso também significa a reabertura do velho front
de guerra contra a Rússia.
Moscou não tem ilusões. O aparato de inteligência
sabe bem que agentes da Mossad de Israel vêm assessorando Kiev, enquanto
Tel-Aviv fornecia armas à Ucrânia sob forte pressão americana. Isso enfureceu
os siloviki, a linha-dura russa, e talvez tenha sido um erro fatal
de Israel.
Os neocons, de sua parte, nunca param. Eles estão
criando uma ameaça paralela: se o Hezbollah atacar Israel com algo mais que
alguns foguetes esparsos – o que simplesmente não vai acontecer – a base aérea
russa de Hmeimim em Latakia será "eliminada" como
"advertência" ao Irã.
Isso não se qualifica sequer como brincadeira de
crianças em um parquinho. Após a série de ataques israelenses aos aeroportos
civis de Damasco e Alepo, Moscou não hesitou em oferecer sua instalações
Hmeimim à Síria – acrescida da permissão para voos de carga do Corpo da Guarda
Revolucionária Islâmica, segundo algumas fontes da inteligência russa.
Netanyahu não abrigará um desejo de morte ao bombardear uma Base Aérea Russa
totalmente A2/AD (anti-acesso/negativa de área).
Moscou também percebe claramente o que aquelas
caríssimas banheiras de ferro americanas no Leste do Mediterrâneo estão
tramando. A reposta veio rápida: Mig-31Ks estão patrulhando 24/7o espaço aéreo
neutro sobre o Mar Negro, equipados com Khinzals hipersônicos, que levariam
apenas seis minutos para fazer uma visita ao Mediterrâneo.
Em meio a essa loucura repleta de neocons, com o
Pentágono empregando um formidável arsenal, além de ativos
"não-revelados" no Leste do Mediterrâneo, quer o alvo seja o
Hezbollah, Síria, Irã, Rússia, ou todas as opções acima, tanto a China quanto a
Coreia do Norte – parte do novo "eixo do mal" urdido pelos americanos
– já deram sinais de que não serão meros expectadores.
A Marinha chinesa, para todos os fins práticos, vem
protegendo o Irã à distância. Mais ainda mais vigorosa foi a declaração do
Premier Li Qiang – algo de uma aspereza incomum, rara na diplomacia chinesa:
"A China continuará a dar firme apoio ao Irã
na salvaguarda de sua soberania nacional, sua integridade territorial e sua
dignidade nacional, e se oporá vigorosamente à interferência de quaisquer
forças externas nas questões internas do Irã".
Nunca esquecer que China e Irã estão ligados por
uma parceria estratégica ampla. Enquanto isso, o Premier russo Mikhail
Mishustin reforçava a parceria estratégica Rússia-Irã em uma reunião com o
Primeiro Vice-Presidente iraniano, Mohammad Mokhber.
Lembrem-se daqueles comedores de arroz da Coreia
Milícias pró-Irã de todo o Eixo da Resistência vêm
mantendo um grau de confrontação cuidadosamente temperado contra Israel,
semelhante ao atacar-fugir das guerrilhas. Eles ainda não se engajarão em
ataques maciços. Mas é completamente imprevisível o que elas farão caso Israel
invada Gaza. Está claro que o mundo árabe, apesar de todas as suas contradições
internas, simplesmente não irá tolerar um massacre de civis.
Em termos diretos, na atual e incendiária
conjuntura, o Hegêmona encontrou a rampa de saída para a humilhação de seu
Projeto Ucrânia. Eles, erradamente, acreditam que a mesma Guerra Sem Fim mais
uma vez atiçada poderá ser "modulada" a seu bel-prazer. E se duas
guerras se transformarem em um imenso albatroz político, como certamente o
farão, qual a outra novidade? Eles simplesmente começarão um nova guerra no
Indo-Pacífico".
Nada disso engana nem a Rússia nem o Irã, com seu
gélido monitoramento de cada passo do cambaleante Hegêmona. É esclarecedor
lembramos o que Malcolm X já predizia em 1964:
"Um
punhado de comedores de arroz puseram ele para correr na Coreia. Sim, ele foi
posto para correr na Coreia. Comedores de arroz com nada além de sapatos de
lona, um rifle e uma tigela de arroz derrotaram a ele, a seus tanques e a seu
napalm, e a todo o equipamento que ele supostamente teria, e puseram ele para
correr para a outra margem do Yalu. Por quê? Porque o dia em que ele conseguia
vencer no terreno ficou no passado".
EM TEMPO: A guerra de Israel e EUA contra o Hamas e os Palestinos, serve para reduzir o impacto do fracasso da OTAN, UE e EUA na guerra da Ucrânia contra a Rússia. Quer dizer, no Capitalismo o Imperialismo Norte-americano não tem o que oferecer para a humanidade a não ser estimular as guerras, engordando os cofres da indústria armamentista e espalhando os horrores das guerras para a humanidade, especialmente os indefesos e pobres.
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