Foto: Leo Aversa/Divulgação |
"Pelas Ruas que Andei", escrito por Julio Moura, deverá ser
lançado em Belo Horizonte em agosto
Por Paulo Henrique Silva Publicado em 1 de
julho de 2023
Cantor não fez concessões ao mercado fonográfico, de acordo com biografia
Em 1979, Alceu Valença saiu do Brasil
pela porta dos fundos do mercado fonográfico. “Ninguém queria contratá-lo na
época. Teve até um diretor de gravadora que disse que, ‘em termos de maluco, já
tinham Raul Seixas’”, recorda Julio Moura, autor do livro “Pelas Ruas que
Andei: Uma Biografia de Alceu Valença”, lançado na última terça-feira, em
Recife, na semana em que o cantor pernambucano faz aniversário – 77 anos neste
sábado.
Há pouco mais de quatro décadas, quando
ainda era um nome ligado à cena underground, compositor de canções metafóricas
e sem gravadora após deixar a Som Livre de maneira atribulada, Valença pegou as
malas e passou seis meses numa espécie de autoexílio em Paris, na França,
ladeado pelo guitarrista Paulo Rafael e pela empresária Ana Elisa Cesário
Alvim. Foi nesse intervalo que um “clique” aconteceu na vida do artista.
“Ele ficou hospedado na casa de um
sociólogo, tendo à disposição uma biblioteca inteira com as obras completas de
Gilberto Freyre, além de discos de Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga. Foi um
mergulho na própria raiz nordestina”, assinala Moura. Em pouco tempo, Valença
compõe “Coração Bobo”, que viria a ser o seu primeiro grande sucesso comercial,
título também do álbum lançado em 1980 pela Ariola.
Para o biógrafo, esse momento de
descida ao fundo do poço e subida meteórica é a síntese da carreira do filho
ilustre de São Bento do Una, localizada no Planalto de Borborema, de onde saiu
para virar advogado e jornalista na capital pernambucana. “Um traço muito forte
dele é que jamais fez concessões ao mercado. Isso só reafirmou a identidade
dele, mas também trouxe muita controvérsia”.
A relação de Alceu Valença com o
mercado fonográfico foi vitoriosa, mas sempre atribulada, analisa Moura. Tanto
é assim que seus primeiros discos não foram sucessos de vendas. A primeira
década de sua trajetória musical foi marcada pelo fato de nunca ter vencido um
festival da canção sequer, embora tenha participado de vários durante toda a
década de 70.
No Festival Internacional da Canção de
1969, no Maracanãzinho, ele defendeu a música “Acalanto para Isabela” e sofreu
a primeira derrota. Depois veio a edição de 1972, em que marcou presença no
palco com Jackson do Pandeiro e Geraldo Azevedo. Com problemas de som durante a
apresentação de “Papagaio do Futuro”, foram desclassificados.
Nova tentativa no Festival Abertura, em
1975, desta vez acompanhado de um grupo que tinha, entre outros, Zé Ramalho e
Lula Cortês. “Aqueles cabeludos incríveis, cangaceiros elétricos, provocaram
impacto com a apresentação de ‘Vou Danado pra Catende’. Não ganharam, mas deram
para eles uma espécie de prêmio de consolação”, recorda o biógrafo.
“Alceu lida muito com esses reveses.
Foram dez anos até chegar a um patamar de artista de sucesso. Fonograficamente,
viveu o seu apogeu na primeira metade da década de 80, com quatro discos
lançados pela Ariola – ‘Coração Bobo’, ‘Cinco Sentidos’, ‘Cavalo de Pau’ e
‘Anjo do Avesso’. Mas, depois, mudou de gravadora e passou a lidar com questões
mercadológicas, sendo escanteando”, registra.
Entre altos e baixos, ele pôs no
mercado “7 Desejos” (1991), também um dos pilares de sua trajetória. Concebido
de forma mais artesanal, na gravadora Odeon, o disco não foi um sucesso
instantâneo, “ganhando fôlego com o tempo”. Canções hoje indissociáveis ao
repertório de Valença, como “La Belle de Jour”, estavam entre as suas
faixas.
A música, que é mais um fruto da rápida
passagem do cantor pela França, virou sinônimo de Carnaval e da energia
valenciana. Uma versão tocada juntamente com Paulo Rafael, disponível na
plataforma YouTube, já conta com 250 milhões de visualizações. “É um número
impressionante, do tamanho da população brasileira”, destaca Moura.
Assessor de imprensa de Valença desde
2009, após ter trabalhado em gravadoras e selos musicais, Moura afirma que
“Pelas Ruas que Andei” está longe de ser um livro de memórias. “Não descarto um
dia relatar essa experiência pessoal com Alceu, mas a intenção dessa publicação
é outra, buscando traçar um panorama autobiográfico da carreira”,
explica.
O biógrafo assinala que, nesses 14
anos, teve acesso a “todos os Valença”, viajando com ele de Norte a Sul do
país, nunca deixando de visitar o Brasil profundo – mas o Alceu Paiva Valença
que buscou enaltecer é o “pensador da coisa brasileira, do Nordeste, mais do
que o showman que ele evidentemente é, o ‘bicho maluco beleza’ do Carnaval”.
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