Por Marcelo Zero (*)
12 de fevereiro de 2023
Joe Biden (à esq.) e Luiz Inácio Lula da Silva
(Foto: Ricardo Stuckert)
Parafraseando Charles De Gaulle, o Brasil não pode
ser Brasil sem grandeza.
O Brasil não pode ser pequeno. Tudo nele, tamanho geográfico, volume populacional, tamanho da economia, abundância de recursos estratégicos, maior biodiversidade do planeta, detentor da maior parte do bioma crucial para o equilíbrio climático (a Amazônia), cultura riquíssima e singular etc., o torna uma nação destinada à grandeza. Infelizmente, nos últimos anos, o país, governado por medíocres, foi apequenado. Governantes pequenos tornam um país pequeno. Tornamo-nos párias insignificantes.
Por isso, é alentador ver, de novo, Lula percorrendo o mundo agigantando o Brasil.
Lula caminha de cabeça erguida tanto na ruela de
uma favela quanto na Casa Branca. Com ele dirigindo do Brasil, podemos estar
certos de que não veremos espetáculos degradantes de submissão canina, como os
que Bolsonaro com frequência promovia, quando salivava profusamente frente ao
seu líder, o criminoso e antidemocrata Trump.
Pode-se dizer o que quiser da política externa de
Lula, mas há de se reconhecer que ela é audaz, além de “ativa e altiva”. Lula
pensa grande e não enquadra o Brasil na mediocridade de papeis pré-definidos
por grandes potências.
Além de ter voltado a defender os interesses
brasileiros, Lula é o único líder mundial de relevo que está falando
abertamente em paz. Mais especificamente, paz na Ucrânia. Lula quer criar um
“grupo de países da paz” que se empenhe na solução para um conflito que causa
prejuízos ao mundo inteiro e que ameaça o planeta com uma guerra nuclear.
Alguns, aqui e lá fora, o criticam por não tomar
partido da Ucrânia e se envolver na guerra, apoiando as draconianas sanções
contra a Rússia ou enviando munição para a zona de batalha.
Seria um erro crasso.
Em primeiro lugar, porque tal envolvimento seria
incompatível com o papel de mediador que o Brasil se dispõe a desempenhar.
Ademais, o Brasil já condenou formalmente a invasão.
Em segundo, porque a guerra na Ucrânia não terá
solução militar. Tal solução militar esteve prestes a acontecer em maio de
2022, quando o rápido avanço russo levou os ucranianos a quase aceitar um
acordo de paz. Foram desencorajados pelos EUA e aliados europeus, que passaram
a incentivar fortemente a resistência ucraniana. De lá para cá, criou-se um
equilíbrio militar que dificilmente será rompido decisivamente por um dos
lados. Com isso, a guerra tende a se prolongar, a se alastrar geograficamente e
a se aprofundar. Tornou-se uma espada de Dâmocles que pode decepar o pescoço do
planeta.
Portanto, a única solução para essa guerra que
ameaça a todos se dará pela via da negociação. E, quanto mais cedo a
negociação vier, melhor.
Em terceiro, porque a não participação no conflito
é amplamente majoritária no mundo. Só participam desse inútil e perigoso
esforço de guerra os EUA, aliados europeus, Japão, Austrália, Nova Zelândia,
Coréia do Sul e outros poucos países. Tais países representam ao redor de 16%
da população mundial. Os outros 84% não querem participar, ainda que
indiretamente, do conflito. Assim, a imensa maioria das nações do globo deseja
permanecer neutra, como o Brasil, e almeja a paz, como Lula.
Lula está dando voz a essa maioria.
Mas a grandeza, que conduz à independência de pensamento e de atitudes, não pode ficar restrita à política externa. Ela também há de se refletir nas políticas internas. Tal como aconteceu na política externa, a mediocridade e a mesmice se espraiaram pelas políticas internas, ao longo dos governos retrógrados que se seguiram após o golpe de 2016. O Brasil tornou-se refém da pequenez de anacrônicas e fracassadas políticas neoliberais, muitas vezes justificadas por um neoudenismo tardio, cevado pela Lava Jato.
Tome-se o exemplo do BNDES.
Desde sua fundação, em 1952, que esse banco esteve à frente do desenvolvimento nacional. O Brasil não seria o que é hoje sem o BNDES. Quando da sua fundação, o Brasil era país predominantemente agrário e rural, com uma infraestrutura muito precária. Pouco menos de trinta anos depois, o Brasil já era um país industrial e urbano, com uma infraestrutura razoável. Na época (início da década de 1980-antes da crise da dívida), a indústria brasileira era maior que a da Coreia do Sul e a da China, somadas.
O “fetiche da industrialização”, como o define o
jornal “O Globo” deu muito certo, enquanto durou.
No entanto, nos governos pós 2016, houve uma forte
ofensiva contra o BNDES. No esteio da Lava Jato, que destruiu toda a cadeia da
construção civil pesada do Brasil, esse banco foi acusado de investir seus
recursos no exterior, de não apoiar empresas brasileiras, de apoiar ditaduras,
de quebrar o Tesouro e de toda sorte de acusações sem nenhum fundamento
empírico.
Na realidade, esse banco nunca investiu um centavo
no exterior. O dinheiro para as chamadas exportações de serviços era dado em
reais para empresas brasileiras, que contratavam mão-de obra brasileira e
compravam insumos brasileiros. E a maior parte dessas obras foi feita nos EUA;
não em Cuba ou na Venezuela. Ademais, esses empréstimos tinham inadimplência de
0,01%.
Poderíamos escrever vários artigos desmontando essa
farsa sobre o BNDES, mas basta dizer que, nos últimos 25 anos, o BNDES
financiou exportações de serviços de engenharia, no montante de US$ 10,5
bilhões. Porém, recebeu, no mesmo período, pagamentos de US$ 12,7 bilhões sobre
tais empréstimos. Ou seja, o BNDES e o Brasil lucraram US$ 2,2 bilhões, com
essas operações.
Mas o importante destacar aqui é que, em virtude
dessas mentiras e dessa tentativa de criminalização das atividades do BNDES, o
banco apequenou-se e passou a, em vez de financiar o desenvolvimento do país, a
financiar o Tesouro. Passou, na realidade, a tirar dinheiro da economia. Desde
2015, o BNDES devolveu mais de R$ 678 bilhões ao Tesouro sob a forma de
pagamento de principal, juros, liquidação antecipada da dívida e dividendos.
Agora, contudo, sob a direção de Aloizio
Mercadante, o BNDES quer voltar a ter papel de relevo como financiador,
principalmente financiador de longo prazo, do desenvolvimento nacional e da
reindustrialização do Brasil, em parceria com o setor privado.
Mercadante não quer mais um BNDES acanhado, que
pratica uma taxa de juros, a TLP, muito alta (IPCA + 6%) e volátil, pois embute
na sua fórmula a inflação aferida diariamente. Quer um BNDES moderno, verde,
inclusivo digital e competitivo, que contribua para que o Brasil supere os
desafios impostos pela imprescindível descarbonização da economia, o desarranjo
das cadeias produtivas globais, a preservação dos biomas e a necessária geração
de empregos de qualidade para todas e todos.
Mas tem gente que não gosta. Que acha que isso é prender-se a “fetiches do passado”. É a mesma gente que defende que o Brasil tenha as maiores taxas de juros reais do planeta. Bom, é essa gente que vive no passado. Num passado muito pequeno e atrasado. Sequer prestam atenção ao que acontece no mundo, que está passando por um célere rearranjo geoeconômico e por mudanças de paradigmas.
Basta ver o que acontece nos EUA, por exemplo.
Lá, Biden e o Partido Democrata estão investindo
trilhões em infraestrutura, transição ecológica, energia limpa, serviços de
saúde e reindustrialização. Sim, reindustrialização.
Tomados por um invencível “fetiche da
reindustrialização”, os EUA aprovaram, em agosto do ano passado, o CHIPS
and Science Act. Tal norma prevê investimentos de US$ 52,7 bilhões em
pesquisas e implantação de indústrias de semicondutores e chips nos EUA.
Frise-se que, para fazer jus a esses fundos, as empresas terão de se
comprometer a gerar empregos de qualidade, bem-pagos e sindicalizados, outro
“fetiche” do passado.
Mas o objetivo principal é voltar a fabricar
semicondutores e chips nos EUA. Esse país produzia ao redor de 40% do chips do
mundo, no início do século, mas essa proporção caiu para menos de 10%, agora.
Na pandemia, faltaram chips para a indústria automotiva norte-americana e até
para a indústria de defesa.
Biden quer que os EUA voltem a fabricar a maior
parte dos chips e semicondutores do mundo, eliminando a dependência, em relação
à Taiwan, China etc., e concorrendo no planeta inteiro com esses países.
Quer “substituir” essas importações, outro grande
“fetiche” de antanho. Como disse Biden no seu State of The Union,
as grandes cadeias de produção e valor vão começar nos EUA. Terão lá a sua
base. Isso chama-se visão estratégica, outro “fetiche” que caiu em desuso. Pode
até não dar muito certo, mas a História não poderá acusá-lo de medíocre.
E bastou o Estado sair à frente para que grandes
empresas privadas dos EUA se somassem à iniciativa, anunciando investimentos
próprios de US$ 50 bilhões. É assim que normalmente o capitalismo
funciona, mesmo nos países mais desenvolvidos. O Estado sai à frente, aponta os
caminhos, investe e a iniciativa privada se soma, em parceria.
No campo da infraestrutura, a ideia de Biden é
modernizá-la por inteiro. Os EUA ocupavam o primeiro lugar em infraestrutura no
mundo, mas a falta de investimentos públicos em décadas o fizeram cair para o
13º lugar. Agora, serão investidos centenas bilhões na recuperação de estradas,
pontes, portos, rede elétrica etc. Será maior a iniciativa nesta área desde
quando Eisenhower, outro “fetichista”, criou o Interstate Highway
System, o sistema de grandes autoestradas que revolucionou os EUA.
Sabem de outra coisa? Biden determinou recentemente
que todo o material usado nessa reconstrução terá de ser fabricado nos EUA.
Outro “fetiche” nacionalista.
Biden vai ajudar a financiar tudo isso taxando os
mais ricos. Em 2020, as 55 maiores corporações da América tiveram lucros de US$
40 bilhões e pagaram zero em impostos federais. A partir deste ano, terão de
pagar 15%. Um “fetiche” socialista, diria, talvez, “O Globo”.
Na realidade, quem lê o recente State of
The Union de Biden vê que ele contém algo muito próximo, mutatis
mutandi, daquilo Lula pretende fazer no Brasil. Os princípios e os grandes
objetivos são basicamente os mesmos. Os “fetichismos” também. Fundamentalmente,
ambos, de formas diferentes e partindo de patamares muito distintos, querem
construir países modernos, sustentáveis, sem pobreza e sem grandes
desigualdades, baseados política, social e economicamente numa grande classe
média.
Talvez na melhor passagem de seu discurso, Biden
fez a seguinte pergunta: E onde está escrito - onde está escrito que a
América não pode liderar o mundo na manufatura? Eu não sei onde está escrito
isso.
A mesma pergunta pode ser feita no Brasil. Onde
está escrito que o Brasil não pode se reindustrializar? Onde está escrito que
essa reindustrialização não pode contar com o apoio de um banco de
desenvolvimento e com investimentos estatais, como os EUA estão fazendo? E como
todo os grandes países fizeram e ainda fazem? Estaria o Brasil desrespeitando
uma lei econômica fundamental, com a coerção de uma lei natural? Onde está
escrito que estamos eternamente condenados a ser somente um grande Fazendão?
Na realidade, essa lei não está escrita em lugar nenhum,
a não ser nas cabeças pequenas, de pensamentos pequenos, de pessoas pequenas.
Os vira-latas de sempre. Aqueles que têm o terrível fetiche do atraso e um
invencível complexo de inferioridade.
São o “Velho do Restelo” de quem falava Camões, nos
“Os Lusíadas”. Aquele personagem anacrônico e um tanto patético que condenava
os navegantes que fariam a grandeza de Portugal.
Felizmente, Lula, Mercadante, Haddad, Marina,
Anielle Franco, Celso Amorim e outras tantas pessoas públicas do atual governo,
não padecem desse complexo esterilizante.
Sabem bem que o Brasil só será Brasil com grandeza.
(*) É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da
liderança do PT no Senado
EM TEMPO: Apesar de Biden ser o "senhor da guerra" é importante o encontro com o nosso presidente Lula, até mesmo para o Lula propor a formação do "Clube da Paz" para discutir o fim da guerra entre a Ucrânia e a Rússia.