(Foto: MARCELLO CASAL JR / Agência Brasil) |
Por José Álvaro de Lima Cardoso (Economista).
A prisão, completamente abusiva, do vice-almirante Othon, é uma prova de que o golpe serviu para impedir nosso domínio da soberania energética e nuclear
As dificuldades que o país está atravessando, especialmente os problemas de fome e empobrecimento da classe trabalhadora, requerem medidas urgentes que ampliem, inclusive, a base de apoio ao governo eleito. Nesse quadro muito complexo, assistimos a uma espécie de “esquecimento” de fatos importantes do golpe de 2016 e a uma responsabilização exclusiva do governo Bolsonaro por todas as mazelas do Brasil. Essa atitude é um desserviço à precisão dos acontecimentos fundamentais no país nos anos recentes, o que não pode trazer nada de positivo.
O estrago feito a partir do governo Michel Temer foi generalizado e impactou fortemente a renda da população e a soberania do país. As imensas dificuldades com as quais o governo Lula está se deparando para enfrentar os principais problemas nacionais (não devemos contar com facilidades, como mostraram os acontecimentos de domingo, dia 08)), não têm a ver exclusivamente com os estragos do governo Bolsonaro, mas com o conjunto das políticas do golpe. Por exemplo, um dos obstáculos para a adoção de um salário-mínimo com um ganho real mais significativo (que seria fundamental neste momento) é o chamado Teto de Gastos, uma das primeiras medidas do golpista Michel Temer, adotada ainda em dezembro de 2016, apenas alguns meses após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Nesse quadro complexo e perigoso, é importante
resgatar o caso do vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, porque ele se
conecta com uma série de acontecimentos atuais, cuja compreensão requer
informações prévias recentes. A prisão do almirante foi tramada pelo
Departamento de Estado norte-americano em função da importância histórica que o
militar tem no desenvolvimento da tecnologia nuclear do Brasil, área
estratégica para a conquista da soberania energética. Diálogos denunciados pela
Vaza Jato em 2019 demonstraram que a prisão do almirante Othon da Silva, foi
também tramada entre Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato. Tais diálogos,
juntamente com vários outros divulgados à época, são simplesmente
estarrecedores. Eles acabaram por desmascarar o caráter golpista e entreguista
da operação Lava Jato, mostrando que esta operação foi armada lá fora, ou seja,
foi uma ação do imperialismo.
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Com o desenrolar dos acontecimentos, e a revelação
de que a Lava Jato foi, do ponto de vista econômico, fundamentalmente uma
operação para roubar o petróleo do pré-sal brasileiro, ficou evidente que um
dos alvos do golpe foi a tentativa de sabotar os esforços do Brasil para forjar
sua soberania energética. Que é simplesmente um pré-requisito para o
desenvolvimento econômico-social. É bom sempre considerar que sem energia não
existe desenvolvimento. Não por acaso, os EUA destroem países para se apoderar
de fontes de petróleo, como fizeram no Iraque, Síria e outros.
Dentre as razões do envolvimento dos EUA no golpe
no Brasil, como se sabe, está o interesse na ampliação do acesso às
matérias-primas existentes no país. Apesar do interesse nas reservas do pré-sal
ter sido central no golpe, não se trata apenas de petróleo. Água, minerais em
geral e toda a biodiversidade da Amazônia estão em jogo. Por isso, também, é
uma investida sobre toda a América do Sul, mesmo porque algumas questões, como
o acesso ao Aquífero Guarani, não se resolvem no âmbito de um só país.
Como estamos passando neste momento por um
esquecimento dos detalhes do golpe recente, vale lembrar que em 2018 surgiu a
denúncia (muito provável que seja verdadeira) de que o governo Temer estaria
negociando a privatização do Aquífero Guarani com empresas multinacionais,
principalmente a Nestlé. Como é conhecido, o Sistema Aquífero Guarani é uma das
maiores reservas subterrâneas de água do mundo, contendo 1,2 milhão de
quilômetros quadrados de extensão, divididos entre Brasil (detentor de 840 mil
KM quadrados), Argentina, Uruguai e Paraguai.
A história do vice-almirante está diretamente
relacionada ao programa nuclear brasileiro. Ele é considerado um dos principais
responsáveis pelo desenvolvimento de um tipo de tecnologia para enriquecimento
de urânio chamada de ultracentrifugação, que possibilitou ao país o domínio de
toda a cadeia produtiva da energia nuclear. De acordo com a World
Nuclear Association, além do Brasil, apenas mais 12 países possuem
instalações de enriquecimento de urânio: França, Alemanha, Holanda, Reino
Unido, Estados Unidos, China, Rússia, Japão, Argentina, Índia, Paquistão e Irã
(dados de 2021). O Brasil é o detentor da sexta maior reserva de urânio do
mundo, cadeia produtiva que movimenta, anualmente, cerca de US$ 250 bilhões em
escala global.
Graças à tecnologia de ultracentrifugação foi
possível começar a construir no Brasil o submarino de propulsão nuclear e o
abastecimento das usinas nucleares atualmente existentes no Brasil. O almirante
Othon recebeu todas as honrarias possíveis das Forças Armadas e é considerado
um patriota e herói brasileiro. A história irá nos esclarecer ainda muita
coisa, pois o processo golpista ainda está em andamento, e muitos detalhes irão
surgir. Mas, como já afirmávamos em 2015, a alegação dos conspiradores da Lava
Jato, da hipótese de corrupção, não combinava com a destacada biografia do
almirante Othon em prol da soberania energética do Brasil.
Para entender o caso do almirante Othon (que
inclusive entrou em depressão e tentou o suicídio na cadeia) é fundamental
considerar que a Lava Jato utilizou largamente a seu favor, dentre outras
coisas, a desconstrução, via meios de comunicação, da reputação dos seus
acusados. Isso ocorreu com inúmeros casos, desde o início da Operação. Basta
ver o que fizeram com a reputação do presidente Lula, principal alvo individual
da Operação, que foi condenado sem provas.
O Brasil, com a liderança e a experiência do
vice-almirante, vinha desenvolvendo um programa nuclear muito bem-sucedido com
tecnologia de ponta e isso incomodou o imperialismo norte-americano, que não
admite que outros países dominem esse tipo de tecnologia, especialmente no
continente americano. Conforme muitas indicações, o programa nuclear brasileiro
foi objeto de espionagem por parte dos norte-americanos, que esperaram a melhor
hora para inviabilizar a sua continuidade.
O golpe de Estado de 2016, além do aspecto de
apropriação das riquezas naturais do Brasil, e de suas estatais estratégicas,
teve o componente geopolítico essencial de impedir que o país se tornasse uma
potência regional, com tecnologia, indústria desenvolvida, mercado consumidor amplo
e soberania energética. Fatiar a Petrobrás, inviabilizar o programa nuclear
brasileiro, torpedear outras iniciativas de soberania, e destruir setores
econômicos que concorriam com as empresas estadunidenses (como a construção
civil) são momentos-chaves deste script terrivelmente
perverso, que foi em boa parte cumprido, ainda que de forma não linear e com
forte resistência de setores esclarecidos e combativos.
Os EUA têm uma necessidade dramática de fontes de
suprimentos de energia, já que que é o maior consumidor de petróleo do mundo,
mas não produz em quantidade suficiente para suas necessidades. O petróleo
barato de se produzir, como nos ensinam os especialistas, não tem nenhum
substituto. Ele acabou, e o mundo já há algum tempo sofre as consequências
políticas, sociais e militares desse problema. Com o golpe de 2016 e a prisão
do vice-almirante1, o projeto de submarino à propulsão nuclear está em
banho-maria, ao que se tem notícias. Especialistas consideram que esse é o
projeto militar mais importante no país, neste momento.
Com a descoberta do pré-sal e a necessidade de
proteção à chamada Amazônia Azul, o projeto tornou-se ainda mais fundamental e
deveria ser retomado com determinação pelo governo atual. São 7,4 mil
quilômetros de costa, que fornece ao país a jurisdição de 3,5 milhões de
quilômetros quadrados (km2) de espaço marítimo. O nome Amazônia Azul
não é casual, mas ilustra o volume de riquezas naturais e minerais abundantes
que possui a área. A história mostra que um país que dispõe de recursos dessa
magnitude (dos mais importantes do mundo) não deve facilitar, mas se preparar
para o pior, mesmo que espere o melhor, com sugere o ditado chinês. Quem
considerar que esse receio é uma “teoria da conspiração” deveria aprofundar um
pouco seus estudos sobre o golpe sofrido recentemente pelo Brasil.
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