segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

O impressionante caso do vice-almirante Othon

(Foto: MARCELLO CASAL JR / Agência Brasil)

 


Por José Álvaro de Lima  Cardoso (Economista).


A prisão, completamente  abusiva, do vice-almirante Othon, é uma prova de que o golpe serviu para impedir nosso domínio da soberania energética e nuclear

As dificuldades que o país está atravessando, especialmente os problemas de fome e empobrecimento da classe trabalhadora, requerem medidas urgentes que ampliem, inclusive, a base de apoio ao governo eleito. Nesse quadro muito complexo, assistimos a uma espécie de “esquecimento” de fatos importantes do golpe de 2016 e a uma responsabilização exclusiva do governo Bolsonaro por todas as mazelas do Brasil. Essa atitude é um desserviço à precisão dos acontecimentos fundamentais no país nos anos recentes, o que não pode trazer nada de positivo.

O estrago feito a partir do governo Michel Temer foi generalizado e impactou fortemente a renda da população e a soberania do país. As imensas dificuldades com as quais o governo Lula está se deparando para enfrentar os principais problemas nacionais (não devemos contar com facilidades, como mostraram os acontecimentos de domingo, dia 08)), não têm a ver exclusivamente com os estragos do governo Bolsonaro, mas com o conjunto das políticas do golpe. Por exemplo, um dos obstáculos para a adoção de um salário-mínimo com um ganho real mais significativo (que seria fundamental neste momento) é o chamado Teto de Gastos, uma das primeiras medidas do golpista Michel Temer, adotada ainda em dezembro de 2016, apenas alguns meses após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.Descrição: .

Nesse quadro complexo e perigoso, é importante resgatar o caso do vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, porque ele se conecta com uma série de acontecimentos atuais, cuja compreensão requer informações prévias recentes. A prisão do almirante foi tramada pelo Departamento de Estado norte-americano em função da importância histórica que o militar tem no desenvolvimento da tecnologia nuclear do Brasil, área estratégica para a conquista da soberania energética. Diálogos denunciados pela Vaza Jato em 2019 demonstraram que a prisão do almirante Othon da Silva, foi também tramada entre Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato. Tais diálogos, juntamente com vários outros divulgados à época, são simplesmente estarrecedores. Eles acabaram por desmascarar o caráter golpista e entreguista da operação Lava Jato, mostrando que esta operação foi armada lá fora, ou seja, foi uma ação do imperialismo.

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Com o desenrolar dos acontecimentos, e a revelação de que a Lava Jato foi, do ponto de vista econômico, fundamentalmente uma operação para roubar o petróleo do pré-sal brasileiro, ficou evidente que um dos alvos do golpe foi a tentativa de sabotar os esforços do Brasil para forjar sua soberania energética. Que é simplesmente um pré-requisito para o desenvolvimento econômico-social. É bom sempre considerar que sem energia não existe desenvolvimento. Não por acaso, os EUA destroem países para se apoderar de fontes de petróleo, como fizeram no Iraque, Síria e outros.

Dentre as razões do envolvimento dos EUA no golpe no Brasil, como se sabe, está o interesse na ampliação do acesso às matérias-primas existentes no país. Apesar do interesse nas reservas do pré-sal ter sido central no golpe, não se trata apenas de petróleo. Água, minerais em geral e toda a biodiversidade da Amazônia estão em jogo. Por isso, também, é uma investida sobre toda a América do Sul, mesmo porque algumas questões, como o acesso ao Aquífero Guarani, não se resolvem no âmbito de um só país.

Como estamos passando neste momento por um esquecimento dos detalhes do golpe recente, vale lembrar que em 2018 surgiu a denúncia (muito provável que seja verdadeira) de que o governo Temer estaria negociando a privatização do Aquífero Guarani com empresas multinacionais, principalmente a Nestlé. Como é conhecido, o Sistema Aquífero Guarani é uma das maiores reservas subterrâneas de água do mundo, contendo 1,2 milhão de quilômetros quadrados de extensão, divididos entre Brasil (detentor de 840 mil KM quadrados), Argentina, Uruguai e Paraguai.

A história do vice-almirante está diretamente relacionada ao programa nuclear brasileiro. Ele é considerado um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento de um tipo de tecnologia para enriquecimento de urânio chamada de ultracentrifugação, que possibilitou ao país o domínio de toda a cadeia produtiva da energia nuclear. De acordo com a World Nuclear Association, além do Brasil, apenas mais 12 países possuem instalações de enriquecimento de urânio: França, Alemanha, Holanda, Reino Unido, Estados Unidos, China, Rússia, Japão, Argentina, Índia, Paquistão e Irã (dados de 2021). O Brasil é o detentor da sexta maior reserva de urânio do mundo, cadeia produtiva que movimenta, anualmente, cerca de US$ 250 bilhões em escala global.

Graças à tecnologia de ultracentrifugação foi possível começar a construir no Brasil o submarino de propulsão nuclear e o abastecimento das usinas nucleares atualmente existentes no Brasil. O almirante Othon recebeu todas as honrarias possíveis das Forças Armadas e é considerado um patriota e herói brasileiro. A história irá nos esclarecer ainda muita coisa, pois o processo golpista ainda está em andamento, e muitos detalhes irão surgir. Mas, como já afirmávamos em 2015, a alegação dos conspiradores da Lava Jato, da hipótese de corrupção, não combinava com a destacada biografia do almirante Othon em prol da soberania energética do Brasil.

Para entender o caso do almirante Othon (que inclusive entrou em depressão e tentou o suicídio na cadeia) é fundamental considerar que a Lava Jato utilizou largamente a seu favor, dentre outras coisas, a desconstrução, via meios de comunicação, da reputação dos seus acusados. Isso ocorreu com inúmeros casos, desde o início da Operação. Basta ver o que fizeram com a reputação do presidente Lula, principal alvo individual da Operação, que foi condenado sem provas.

O Brasil, com a liderança e a experiência do vice-almirante, vinha desenvolvendo um programa nuclear muito bem-sucedido com tecnologia de ponta e isso incomodou o imperialismo norte-americano, que não admite que outros países dominem esse tipo de tecnologia, especialmente no continente americano. Conforme muitas indicações, o programa nuclear brasileiro foi objeto de espionagem por parte dos norte-americanos, que esperaram a melhor hora para inviabilizar a sua continuidade.

O golpe de Estado de 2016, além do aspecto de apropriação das riquezas naturais do Brasil, e de suas estatais estratégicas, teve o componente geopolítico essencial de impedir que o país se tornasse uma potência regional, com tecnologia, indústria desenvolvida, mercado consumidor amplo e soberania energética. Fatiar a Petrobrás, inviabilizar o programa nuclear brasileiro, torpedear outras iniciativas de soberania, e destruir setores econômicos que concorriam com as empresas estadunidenses (como a construção civil) são momentos-chaves deste script terrivelmente perverso, que foi em boa parte cumprido, ainda que de forma não linear e com forte resistência de setores esclarecidos e combativos.

Os EUA têm uma necessidade dramática de fontes de suprimentos de energia, já que que é o maior consumidor de petróleo do mundo, mas não produz em quantidade suficiente para suas necessidades. O petróleo barato de se produzir, como nos ensinam os especialistas, não tem nenhum substituto. Ele acabou, e o mundo já há algum tempo sofre as consequências políticas, sociais e militares desse problema. Com o golpe de 2016 e a prisão do vice-almirante1, o projeto de submarino à propulsão nuclear está em banho-maria, ao que se tem notícias. Especialistas consideram que esse é o projeto militar mais importante no país, neste momento.

Com a descoberta do pré-sal e a necessidade de proteção à chamada Amazônia Azul, o projeto tornou-se ainda mais fundamental e deveria ser retomado com determinação pelo governo atual. São 7,4 mil quilômetros de costa, que fornece ao país a jurisdição de 3,5 milhões de quilômetros quadrados (km2) de espaço marítimo. O nome Amazônia Azul não é casual, mas ilustra o volume de riquezas naturais e minerais abundantes que possui a área. A história mostra que um país que dispõe de recursos dessa magnitude (dos mais importantes do mundo) não deve facilitar, mas se preparar para o pior, mesmo que espere o melhor, com sugere o ditado chinês. Quem considerar que esse receio é uma “teoria da conspiração” deveria aprofundar um pouco seus estudos sobre o golpe sofrido recentemente pelo Brasil.

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