Luiz Inácio Lula da Silva e Rosa Weber (Foto: Divulgação) |
3 de dezembro de 2022
"Livrar o país desse monstro orçamentário será
permitir a Lula subir a rampa com independência e leveza", escreve Denise
Assis
Por Denise Assis
(*), para o 247
“Rosa Maria Weber (Porto Alegre, 2 de outubro de 1948) é uma magistrada brasileira, atual ministra e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ex-ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST)”. É dessa forma que é apresentada na Web a ministra que a partir do dia 7 de dezembro – com prazo exíguo, e na undécima hora -, terá por missão, opção ou compromisso (o último item deveria vir seguido de reticências) colocar em votação o famigerado “orçamento secreto”.
Sempre que escrevo a expressão, um arrepio percorre
o meu corpo. Penso na invenção/jabuticaba feita pelo “engenheiro” de obras
tortas, o general Luiz Eduardo Ramos (com a conivência e o jamegão de Jair
Bolsonaro). Penso, também, na investigação interrompida pelos colegas - que
recuaram, ao se verem na soleira da porta do gabinete do poderoso militar -, e
da naturalização que se fez da falcatrua que mereceu da candidata Simone Tebet
a classificação de “maior esquema de corrupção do planeta Terra”, e tremo de
indignação.
As ações sobre a constitucionalidade do pagamento
das emendas de relator (RP-9) - um eufemismo atenuante para a vergonha
orçamentária -, que se tornaram conhecidas como “orçamento secreto”. As emendas
parlamentares ganharam este nome pela falta de detalhamento e transparência. A
opacidade permitiu o uso abusivo e corrupto do expediente.
Na ação de descumprimento de preceito fundamental,
a ADPF 854, a continuidade da execução de despesas orçamentárias decorrentes
das emendas foi autorizada pelo STF, quando o Plenário referendou a liminar
concedida pela Ministra Rosa Weber que, então, reforçou ser necessária a adoção
de todas as providências atinentes à ampla publicização dos documentos,
estipulando o prazo de 90 dias corridos para a conclusão dos trabalhos. A meia
trava que se seguiu foi consequência de pressões de todo o tipo sofridas por
Weber. Chegaram a acusá-la de ser responsável pela não construção de hospitais,
caso suspendesse os pagamentos.
A omissão da sociedade – que não cobrou um desfecho
do processo 854 no Supremo – e da mídia de modo geral, que não prosseguiu com o
desmascaramento do artifício usado por Jair para comprar a bancada do Centrão,
permitiu a gastança na quase eleição do “Messias” e fez com que o orçamento
ilegal (é assim que o chamo) viesse cair no colo do novo governo.
Como continuou a vigorar, sem que fosse considerado
o que de fato é: inconstitucional, já serviu de garrote no início das
negociações pela PEC, destinada a tirar 33 milhões de pessoas da fome, e não
como escrevem alguns colegas maldosamente, para “cumprir promessas de
campanha”. Ao se referirem assim à PEC, dão a ela um cunho eleitoreiro que só a
falta de solidariedade e de consciência social podem justificar.
Em 131 anos de história, a ministra Rosa Weber é a
terceira mulher a presidir a casa, o que concede à sua passagem pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), embora curta, ainda mais peso. Os 75 anos que a jogam
na aposentadoria compulsória em outubro, já a colocam em ritmo de despedida e,
como é do seu feitio, também de cautela. Quando assumiu o cargo, decidiu que
não poria em pauta temas polêmicos, antes do segundo turno. Ao driblá-los e
segurar a votação do tal orçamento, estava permitindo que ele contaminasse a
gestão do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
O anúncio de que, finalmente, Weber agendou sua
votação antes do recesso do Judiciário traz à cena, de volta, a moça de classe
média, esforçada a ponto de ter alto desempenho nos dois concursos a que se
submeteu. Um para fiscal do trabalho (hoje auditora) e o que fez para ingressar
na carreira de juíza do trabalho.
Uma testemunha desses tempos recorda que Rosa nunca
se desviou dos seus objetivos. Recusou a vida acadêmica – enquanto sua amiga se
embrenhou pela atividade -, porque seu foco era a defesa dos direitos sociais
do trabalho. Estudou o tema profundamente, diz a amiga, que define Weber como
“uma iluminista, totalmente voltada para a causa que abraçou”. E tanto é assim,
que os sindicalistas da região se engajaram todos na campanha pela sua
indicação ao STF. Citam de cabeça os seus votos, sendo o mais lembrado a Lei
13.429/2017, cujas alterações permitiram a terceirização das atividades-fim.
“Pontuo aqui que a Súmula 331 do TST não nasceu de
geração espontânea. É o resultado de longo processo de consolidação da
jurisprudência trabalhista – mais de 30 anos de jurisprudência trabalhista - na
adequação entre as normas de proteção ao trabalho e a realidade cotidiana da
intermediação de mão de obra por meio de pessoa interposta”, escreveu a
ministra, ao dar seu voto. “Uma defensora clássica dos direitos sociais”,
acrescenta a amiga, sem esconder a admiração na voz.
Confiantes nos princípios de Rosa Weber, em sua
firmeza em defender aquilo em que acredita, os conterrâneos afirmam agora que
ela não introduziu na pauta o orçamento ilegal por acaso. Na opinião deles,
Weber tem consciência de que não pode transferir para um governo eleito
democraticamente uma ferramenta que abre as portas do submundo das manobras
escusas, onde podem cair os que estão chegando. Esta, sim, uma herança maldita.
E tão nefasta, que já na campanha Lula já alertava
para a necessidade de remover da vida política o entulho autoritário: no dia 25
de setembro deste ano, com a campanha na reta final, o perfil no Twitter do
então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pediu votos a parlamentares
aliados para combater um inimigo comum. "É preciso votar nos deputados e
deputadas do time do Lula. Porque vamos ter que acabar com o orçamento
secreto", apelava num trecho da mensagem.
O que os amigos de priscas eras esperam e torcem é
que prevaleça no ímpeto de pautar a inconstitucionalidade ou não das medidas do
relator a mesma convicção pelo Direito que moveu a jovem Rosa Weber, com uma
filha no colo, a varar madrugadas, a devorar livros e tratados a fim de galgar
o sonho de ser magistrada trabalhista. Valeu o esforço. Rosa optou por chegar
ao Supremo a bordo de toda uma bagagem e a torcida dos gaúchos, que a queriam
lá, decidindo questões de interesse geral. E, nesse momento, nada de maior
interesse da sociedade, do que ver ao mar o pacote de maldades e corrupção
gestado no gabinete do ódio de Jair Bolsonaro.
Livrar o país desse monstro orçamentário será
permitir a Lula subir a rampa com independência e leveza, sem trazer nos ombros
as “encomendas” de deputados e senadores sorrateiros, a ponto de não colocar
para fora as suas caras e carreiras. Os que se esgueiram por trás de um
monstrengo ilegal como esse mereceriam, tal como suas emendas, serem varridos
como “inconstitucionais”. E, Rosa Weber, ao permitir que o país se liberte
dele, sairá do Supremo de cabeça erguida, fazendo jus ao título que lhe
atribuem os conterrâneos: “Rosa, a Iluminista”.
(*) Jornalista e mestra em Comunicação. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Veja, Isto É e O Dia. É autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964"; "Imaculada" e “Claudio Guerra: Matar e Queimar”. Integrante do Jornalistas pela Democracia.
Apoie a iniciativa do Jornalistas pela Democracia no Catarse
Nenhum comentário:
Postar um comentário