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Notícias - Matheus Pichonelli
Menos livros, mais armas: o lema extraoficial do
governo Bolsonaro.Foto: Adriano Machado/Reuters
Na
tarde da última segunda-feira (28/11), enquanto um país inteiro parava para
assistir ao segundo jogo da seleção brasileira na Copa do Qatar, contra a
Suíça, o governo Bolsonaro botou a tesoura para trabalhar
e cortou R$ 344 milhões do orçamento destinado às universidades federais.
A medida, tomada no apagar das luzes da atual gestão, foi alardeada no mesmo dia pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior). A entidade disse ter recebido a notícia com “surpresa e consternação”. Os recursos seriam destinados a pagamento de luz, serviços de terceirizados, contratos, serviços e bolsas.
“Após o bloqueio orçamentário de R$ 438 milhões ocorrido na metade do ano, essa nova retirada de recursos, no valor de R$ 344 milhões, praticamente inviabiliza as finanças de todas as instituições”, comunicou a entidade. Segundo a Andifes, “em vista dos sucessivos cortes ocorridos nos últimos tempos, todo o sistema de universidades federais já vinha passando por imensas dificuldades para honrar os compromissos com as suas despesas mais básicas”.
A
entidade disse esperar que a retirada dos recursos seja revista o mais breve
possível.
O corte abrupto, feito durante a partida, mostra que até o fim do ano muito estrago ainda pode acontecer no apagar das luzes da gestão. Os (ir)responsáveis pela (anti)política educacional do atual governo parecem seguir à risca a cartilha de Ricardo Salles, que queria aproveitar as atenções da imprensa na cobertura da pandemia da Covid-19, em 2020, para “passar a boiada” da desregulamentação das normais ambientais.
Até
31 de dezembro, a boiada está liberada para pisotear o que resta do sistema
educacional brasileiro.
Isso em um momento em que o futuro governo negocia com o Congresso uma saída para manter os benefícios do Auxílio Brasil, inflados por Bolsonaro na tentativa de ganhar as eleições, a partir do ano que vem. Uma saída é tirar os recursos para o programa social do teto de gastos. O orçamento “raspado” dos institutos federais, como classificou a Andifes, mostra que a conta do Auxílio Brasil não é o único buraco orçamentário a ser fechado na transição.
Ao
assumir a Presidência, Jair Bolsonaro (PL) prometeu a apoiadores que seu
objetivo não era construir nada, e sim desconstruir muita coisa. Ninguém pode
dizer que ele não conseguiu.
A
gestão da educação nos últimos quatro anos é emblemática. Nada menos do
que quatro ministros (e meio) passaram por aquele
que deveria ser um dos ministérios mais importantes da Esplanada. Três saíram
pela porta dos fundos. Um, por incompetência; outro, por manifestar em voz alta
o desejo de prender ministros do Supremo Tribunal Federal; outro, por suspeita
de ter transformado o ministério em um balcão de negócios administrado em
parceria com dois pastores igualmente suspeitos. Um ex-futuro ministro fraudou
o próprio currículo e sequer chegou a assumir.
Em quatro anos, Bolsonaro jamais mostrou qualquer apreço por universidades e instituições de ensino. O desprezo por consensos científicos durante a pandemia rendeu a ele uma acusação formal de charlatanismo. Na campanha, ele chegou a “acusar” o adversário Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de querer substituir clubes de tiro por bibliotecas, como se alguém fosse prejudicado por isso.
A
herança maldita deixada por Bolsonaro no campo da educação ainda está para ser
dimensionada. Uma delas certamente é a apatia de estudantes que desistiram do
Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, e nem tentaram uma vaga para as
universidades nos últimos anos.
Isso
tudo não é descaso. É projeto e tem método.
Exemplo
dessa situação é o processo movido pelo Ministério Público Federal contra o
ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Ele é acusado de atentar contra
princípios da administração pública ao dizer que universidades eram locais de
“balbúrdia, arruaça”, plantação e fabricação de drogas – uma grande fake news
para deslegitimar as instituições públicas de ensino. Para quê? Talvez para
rebaixar o prestígio das universidades junto à opinião pública e vendê-las sem
resistência para a iniciativa privada em uma grande liquidação.
Com ministros do tipo, o governo Bolsonaro mostrou ser inimigo da educação brasileira desde o primeiro dia da gestão. Mas nem na mais pessimista projeção era possível imaginar que ele mandaria cortar a verba que ainda mantém as universidades de pé em dia de jogo do Brasil. Tem como ser mais cruel?
Saberemos até 31 de
dezembro.