(Foto: © Baz Ratner / Reuters) |
"As táticas russas atuais são o exato oposto
da teoria militar da força concentrada desenvolvida por Napoleão", escreve
Pepe Escobar (*)
28 de novembro de 2022
Pensem no fazendeiro polonês tirando fotos dos destroços de um míssil – mais tarde identificado como pertencente a um S-300 ucraniano. Então, um fazendeiro polonês, seus passos ecoando em nossa memória coletiva, talvez tenha salvo o mundo da Terceira Guerra Mundial – desencadeada por um complô calhorda urdido pela "inteligência" anglo-saxã.
Essa calhordice foi agravada pela tentativa
ridícula de esconder o malfeito: os ucranianos estavam atirando em mísseis
russos em uma direção de onde eles não poderiam estar vindo. Ou seja: a
Polônia. E então o Secretário da Defesa dos Estados Unidos, o mascate de armas
Lloyd “Raytheon” Austin, decretou que a Rússia, mesmo assim, era culpada porque
seus vassalos de Kiev estavam atirando contra mísseis russos que não deveriam
estar no ar (e não estavam).
Podemos ver isso como o Pentágono elevando a
mentira deslavada à condição de uma arte bem vagabunda.
O propósito anglo-americano, tramar essa fraude,
era gerar uma "crise mundial" contra a Rússia. O plano foi
desmascarado – desta vez. O que não quer dizer que os suspeitos de sempre não
venham a tentar de novo. Em breve.
A principal razão é o pânico. Os serviços de
inteligência do coletivo ocidental veem que Moscou, finalmente, está
mobilizando seu exército – pronto para entrar em ação no próximo mês – ao mesmo
tempo em que destrói a infraestrutura elétrica ucraniana como uma forma de
tortura chinesa.
Aqueles dias de fevereiro em que foram enviados
apenas 100.000 homens - tendo as milicias das Repúblicas Populares
Donetsk e Lugansk, mais os comandos Wagner e os chechenos de Kadyrov,
fazendo boa parte do serviço pesado – há muito terminaram. De modo geral, os
russos e os russófonos vinham enfrentando hordas de militares ucranianos –
chegando talvez a um milhão. O "milagre", em tudo isso, foi que
os russos se saíram muito bem.
Todos os analistas militares conhecem a regra
básica: uma força invasora deve ser três vezes mais numerosa que a força
defensiva. O exército russo, ao início da Operação Militar Especial
correspondia a uma fração dessa regra. O efetivo das Forças Armadas russas
talvez chegue a 1,3 milhões de homens. Obviamente eles poderiam ter utilizado
algumas dezenas de milhares a mais que os 100.000 iniciais. Mas não usaram.
Tratava-se de uma decisão política.
Mas a Operação Militar Especial chegou ao fim:
agora estamos em território da Operação Contraterrorista. Uma sequência de
ataques terroristas – tendo como alvo os Nord Streams, a Ponte da Crimeia
e a Frota do Mar Negro – finalmente demonstrou a inevitabilidade de ir além de
uma simples "operação militar".
O que nos traz à Guerra Elétrica.
Continue lendo.
Abrindo caminho para uma Zona Desmilitarizada
A Guerra Elétrica está sendo conduzida de forma
essencialmente tática – levando à uma futura imposição dos termos russos em um
possível armistício (que nem os serviços de inteligência anglo-americanos nem a
OTAN vassala desejam).
Mesmo que houvesse um armistício – que já vem sendo
anunciado há algumas semanas – a guerra não chegaria ao fim. Porque os
termos tácitos e mais profundos da Rússia – o fim da expansão da OTAN e a
"indivisibilidade da segurança" – foram plenamente explicitados, tanto
para Washington quanto para Bruxelas, em dezembro último, e subsequentemente
descartados.
Uma vez que nada – conceitualmente – mudou desde
então, somado a que a 'armamentização' da Ucrânia pelo Ocidente atingiu um
paroxismo, a Stavka da era Putin não
teve outra alternativa que não a de expandir o mandato da Operação Militar
Especial inicial, que continua sendo de desnazificação e desmilitarização. Mas
agora esse mandato terá que abranger Kiev e Lviv.
E isso começa com a atual campanha de
deseletrificação – que vai muito além do leste do Dnieper e ao longo da costa
do Mar Negro, chegando até Odessa.
O que nos leva à questão fundamental do alcance e
da profundidade da Guerra Elétrica, em termos de estabelecer o que viria a ser
uma Zona Desmilitarizada – com uma terra de ninguém e tudo o mais – a oeste do
Dnieper, para proteger as áreas russas da artilharia da OTAN, dos HIMARS
e dos ataques de mísseis.
Com que extensão? 100 quilômetros? Não basta.
Melhor seriam 300 quilômetros – uma vez que Kiev já pediu artilharia com esse
tipo de alcance.
O que é de importância crucial é que, ainda em
julho, isso já vinha sendo discutido em Moscou nos níveis mais altos da
Stavka.
Em uma longa entrevista de julho,
o Chanceler Sergei Lavrov entregou - diplomaticamente – o jogo:
"Esse processo continua, de forma consistente
e persistente. E continuará enquanto o Ocidente, em sua ira impotente,
desesperado para agravar a situação ao máximo, insiste em inundar a Ucrânia com
uma quantidade cada vez maior de armas de longo alcance. Os HIMARS, por
exemplo. O Ministro da Defesa Alexey Reznikov se gaba de já ter recebido
munição de 300 quilômetros. O que significa que nossos objetivos geográficos se
afastarão ainda mais da linha atual. Não podemos permitir que a parte da
Ucrânia a ser controlada por Vladimir Zelensky, ou quem vier a substitui-lo,
venha a possuir armamentos que representem uma ameaça direta a nosso território
ou às repúblicas que declararam independência e querem determinar seu próprio
futuro".
As implicações são claras.
Por mais que Washington e a OTAN estejam cada vez
mais "desesperadas para agravar a situação ao máximo" (esse é o Plano
A: não há Plano B), em termos geoeconômicos, os americanos vêm
intensificando o Novo Grande Jogo: o desespero, aqui, se aplica a tentar
controlar os corredores de energia e determinar seus preços.
A Rússia permanece impávida – ao mesmo tempo em que continua a investir no Gasodutistão (em direção à Ásia), a solidificar o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (CITNS) multimodal, juntamente com parceiros importantes como Índia e Irã, e vem determinando o preço da energia por meio da OPEC+.
O paraíso dos
oligarcas saqueadores
Os straussianos/neocons e neoliberais-cons que
lotam o aparato de intel/segurança – vírus transformados em armamentos – não
irão ceder. Eles, simplesmente, não podem se dar ao luxo de perder mais uma
guerra da OTAN – e, além de tudo, uma guerra contra a Rússia, a "ameaça
existencial".
Como as notícias dos campos de batalha ucranianos
prometem ser ainda mais funestas sob o General Inverno, pode-se, pelo menos,
encontrar consolo na esfera cultural. A farsa da Transição Verde, temperada, em
uma tóxica salada mista, com o ethos eugenista do Vale do Silício, continua a
ser o acompanhamento servido com o prato principal: a "Grande
Narrativa" de Davos”, anteriormente a Grande Reinicialização, que, mais
uma vez, ergueu sua feia cabeça no G20 de Bali.
O que se traduz como tudo indo muito bem no que se
refere ao projeto de Destruição da Europa. Desindustrializem-se e sejam
felizes, dancem a dança do arco-íris ao som de qualquer melodia politicamente
correta atualmente em voga, e congelem e queimem lenha enquanto abençoam os
"renováveis" no altar dos valores europeus.
Uma breve recapitulação para contextualizar o ponto
em que nos encontramos é sempre útil.
A Ucrânia foi parte da Rússia por quase quatro
séculos. A ideia de sua independência foi inventada na Áustria, durante a
Primeira Guerra Mundial, com o fim de enfraquecer o Exército Russo – o que
certamente aconteceu. A atual "independência" foi montada para que os
oligarcas trotskistas locais pudessem saquear o país quando o governo alinhado
à Rússia estava prestes a agir contra esses oligarcas.
O golpe de 2014 em Kiev, essencialmente, foi
montado por Zbig "Grande Tabuleiro" Brzezinski, para
atrair a Rússia a uma nova guerra partisan – como no Afeganistão – e foi
seguido por ordens vindas das haciendas petrolíferas do Golfo
para derrubar os preços do petróleo. Moscou tinha que proteger os russófonos da
Crimeia e do Donbass – o que levou a ainda mais sanções ocidentais. Foi tudo
planejado.
Por oito anos, Moscou se recusou a enviar seus
exércitos até mesmo ao Donbass a leste do Dnieper (historicamente parte da Mãe
Rússia). A razão: não se deixar atolar em uma outra guerra partisan. O
restante da Ucrânia, enquanto isso, vinha sendo saqueado por oligarcas apoiados
pelo Ocidente e mergulhados em um buraco negro financeiro.
O coletivo ocidental optou deliberadamente por não
financiar o buraco negro. A maior parte das injeções do FMI foram simplesmente
roubadas pelos oligarcas e a pilhagem transferida para fora do país. Esses
oligarcas saqueadores, é claro, eram "protegidos" pelos suspeitos de
sempre.
É sempre de importância crucial lembrarmo-nos que,
entre 1991 e 1999, o equivalente a toda a riqueza familiar da Rússia foi
roubada e transferida para o exterior, a maior parte para Londres. Agora, os
suspeitos de sempre vêm tentando arruinar a Rússia com sanções, desde que o
"Novo Hitler" Putin pôs fim ao saque.
A diferença é que seu plano de usar a Ucrânia como
nada além de um peão em seu jogo não está dando certo.
No terreno, o que vem acontecendo até agora são, na
maior parte, escaramuças, e poucas batalhas reais. Mas com Moscou arrebanhando
novas tropas para uma ofensiva a ser lançada no inverno, é possível que o
exército ucraniano termine completamente derrotado.
A Rússia não se deu tão mal, levando-se em conta a
eficácia de seus ataques de artilharia 'máquina de moer' contra as posições
fortificadas ucranianas, e os recentes recuos planejados, ou guerra posicional,
mantendo as baixas em um mínimo, ao mesmo tempo em que esmagavam o minguante
poder de fogo ucraniano.
O coletivo ocidental acredita que têm em mãos o
trunfo bélico na guerra por procuração. A Rússia aposta na realidade, onde os
trunfos econômicos são alimentos, energia, recursos, segurança de recursos e
uma economia estável.
Enquanto isso, como se já não bastasse a pirâmide
de provações causadas pelo suicídio energético da União Europeia, ela
agora, com toda a certeza, pode esperar ao menos 15 milhões de ucranianos
desesperados batendo a suas portas, depois de escapar de cidades com zero de
energia elétrica.
A estação ferroviária na Kherson temporariamente
ocupada é um exemplo da maior clareza: as pessoas ficam vindo a toda a hora
para se aquecer e recarregar seus smartphones. A cidade não tem
eletricidade, nem aquecimento, nem água.
As táticas atualmente empregadas pela Rússia são o
exato oposto da teoria militar da força concentrada desenvolvida por Napoleão.
É por essa razão que a Rússia vem acumulando significativas vantagens e, ao
mesmo tempo, "perturbando a poeira sobre um vaso de folhas de rosa".
E, é claro, "nós ainda nem
começamos".
(*) Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações
internacionais
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