Bolsonaro, Soraya, Lula e Tebet (Foto: Reprodução/Band) |
Brasil 247 em 30 de agosto de 2022
"Ninguém em sã consciência desconhece que a
eleição será decidida entre uma liderança de esquerda moderada e um neofascista
alucinado", diz Valério Arcary (*)
A má notícia é que, depois do primeiro
debate, aumentou a probabilidade que as eleições presidenciais de outubro sejam
decididas em um segundo turno. O mais relevante do primeiro debate presidencial
não foi o descontrole misógino de Bolsonaro, as tergivesações de Lula para não
aumentar a taxa de rejeição, a “performance” de Simone Tebet, a exaltação
anti-estatista de Felipe D’Ávila, ou o delírio de imposto único de Soraia
Thronicke.
Análises “técnicas” do desempenho de cada
candidato, quando não estão contextualizadas pela relação de forças, e pelos
interesses de classe que explicam a luta pelo poder são, politicamente, diletantes.
O que está em disputa é imenso, dramático e muito perigoso.
Ninguém em sã consciência desconhece que a eleição
presidencial será decidida entre Lula, uma liderança de esquerda reformista
moderada e Bolsonaro, um neofascista alucinado. O país está dividido política e
socialmente. Lula é favorito, mas Bolsonaro expressa uma candidatura de
extrema-direita com influência de massas. O que interessa é saber é se será no
primeiro ou no segundo turno. Acontece que, se for no segundo turno, o perigo
das ameaças golpistas aumentam, desproporcionalmente.
O que terá, realmente, importância nas próximas
cinco semanas será o papel de Ciro Gomes. Ciro cumpre um papel perigoso nestas
eleições. A questão relevante, crucial, fundamental é que Ciro Gomes é hoje o
maior obstáculo para que Lula vença no primeiro turno. A intenção de votos que
ainda mantém será decisiva para que haja ou não um segundo turno. Se a maioria
dos, aproximadamente, cinco milhões que simpatizam com Ciro Gomes optarem pelo
voto em Lula para garantir a derrota de Bolsonaro não haverá um segundo turno.
Continue lendo
Estas eleições não são normais. Um neofascista
ocupa a presidência e vai tentar a reeleição. Quem não compreende isto não
entendeu nada, absolutamente, nada do que aconteceu no Brasil desde 2016. A estratégia
de Bolsonaro é garantir, sim ou sim, que haja um segundo turno, o que neste
momento é incerto. O plano de Bolsonaro é preparar a mobilização golpista de
sete de setembro para intimidar a justiça, aterrorizar a esquerda e conquistar
um impulso de arrastão eleitoral que garanta sua presença em um segundo turno.
Se for derrotado no primeiro turno, Bolsonaro não
poderá organizar, com a mesma desenvoltura, audiência e autoridade uma
campanha-denúncia de que a eleição foi fraudada, e colocar em marcha a mobilização
de sua base social mais radicalizada nas camadas medias exasperadas. Não
poderá, porque as eleições de dois de outubro são eleições gerais. Todos os
governadores, toda a Câmara de Deputados e um terço do Senado serão eleitos,
também. Entre eles, não poucos bolsonaristas. Na estratégia de Bolsonaro é
essencial levar a disputa da presidência para o segundo turno. Por isso, para
Bolsonaro, a candidatura de Ciro Gomes é, objetivamente, funcional.
Lula não precisa de 50% mais um dos votos no
primeiro turno para vencer. Basta que tenha mais votos válidos que a soma de
todos os outros concorrentes. Neste momento, Lula pode vencer no primeiro
turno. O que teria importância decisiva, diante das sucessivas ameaças de
Bolsonaro ao processo eleitoral, a constante mobilização contrarrevolucionária
nas ruas, desde o 7 de setembro até o 1º de maio, e o projeto bonapartista de
impor uma derrota histórica à classe trabalhadora e os aliados oprimidos.
“Diz, espelho meu, existe alguém mais honesto do
que eu? Diz espelho meu, existe alguém mais preparado do que eu?” Estas
brincadeiras são muito comuns quando se trata de Ciro Gomes, candidato pela
quarta vez à presidência da República. Ciro Gomes é uma liderança inteligente
que impressiona pelo seu grau de articulação e habilidades polêmicas. Estas
qualidades pessoais explicam o desempenho no primeiro debate das eleições de
2022. Mas não esclarecem sua insistência obtusa em se apresentar como
candidatura de uma “terceira via”
Teimoso e messiânico é um caudilho em busca de um
“destino”. Obstinado e personalista, o PDT é o sétimo partido pelo qual
concorre a eleições. Messiânico e até meio bonapartista, procura explicar a
viabilidade de suas promessas desenvolvimentistas na força simbólica do cargo
presidencial. O apelo do discurso de Ciro Gomes repousa na promessa de uma
“pacificação” política que não é possível enquanto a ameaça neofascista não for
derrotado. Mas Ciro Gomes já deixou claro que não considera que haja perigo
imediato e real.
Argumenta que, se eleito, renunciará à disputa de
reeleição para um segundo mandato e, com este gesto, poderia garantir apoio no
Congresso Nacional suas propostas. Apesar do episódio indesculpável da viagem
para Paris em 2018, ainda desperta um desconcertante fascínio sobre uma parcela
do povo de esquerda que admira seu estilo frontal, e guarda algum grau de
crítica, pela direita, centro e até pela esquerda, ao PT.
Alguns alimentam a ideia ingênua de que Ciro Gomes
se situaria “à esquerda” de Lula. Este tipo de avaliação depende da “régua”, ou
seja, dos critérios. Numa avaliação marxista, portanto, orientada por critérios
de classe esta opinião é indefensável. Quando consideradas opiniões
circunstanciais, é algo impossível de saber, porque os dois estão em “perpétuo”
movimento.
Mas, há uma diferença muito importante. Lula
cumpriu um papel insubstituível na construção do PT, preservando relações
orgânicas com os principais movimentos sociais, enquanto Ciro é um político
profissional errático.
A atração que Ciro exerce sobre uma parcela das camadas
medias assalariadas de escolaridade media e alta inclinadas à esquerda é
significativa. Não se explica somente pelas frustrações da experiência dos
treze anos de governos Lula e Dilma Rousseff. Ciro Gomes se apresenta como
terceira via defendendo um projeto desenvolvimentista inspirado na ideia de que
um capitalismo regulado pela ampliação do mercado interno turbinado pela
expansão de um crédito mais barato para consumo e investimento pode impulsionar
crescimento com justiça social e responsabilidade fiscal. Insiste,
obcessivamente, também, no perfil “mãos limpas” e tem um apelo.
Mas a estratégia de Ciro Gomes não parece ser a
disputa a sério da eleição de 2022, embora nunca se deva subestimar o grau de
autoengano narcisista. Mesmo no Ceará está em terceiro lugar, com menos de 10%.
O objetivo realista de Ciro Gomes não pode ser senão sobreviver. Ambiciona
manter posições e ocupar um lugar para o que der e vier em 2026, ou mesmo
depois. Trata-se de um cálculo personalista que repousa na avaliação de que,
mesmo não sendo competitivo agora, ainda tem tempo para um futuro.
Não Ciro, não é pessoal, mesmo.
(*) Valério Arcary é historiador e
membro da Coordenação Nacional do Resistência/PSOL.
Nenhum comentário:
Postar um comentário