Lula e Biden (Foto: Ricardo Stuckert | Reuters) |
"No mundo novo que pode se abrir, após a morte
da ordem unipolar ianque, a capa da Time mostra que Lula será essencial",
escreve Mario Vitor Santos (*)
5 de maio de 2022
Por Mario Vitor
Santos
Em reportagem de capa que, segundo o jargão
jornalístico, estava “na gaveta” desde março, a revista norte-americana Time
estampa em sua edição desta semana uma foto respeitosa de Lula, expressão
otimista, terno escuro e conspícua gravata verde-amarela. Uma capa
presidencial, um evento raro nessa importância, sobre um brasileiro incomum.
Uma capa positiva, que as congêneres brasileiras da Time hoje em dia
seriam incapazes de publicar.
O título ao lado da foto completa a capa: “O Segundo Ato de Lula”. E, abaixo dele, a chamadinha fatal: “O mais popular líder do Brasil busca uma volta à Presidência”. Tudo isso ainda vazado em inglês, sob o logotipo icônico da Time, num conjunto que aparece quase como esculpido em pedra.
A Time pode não ser mais o que já foi, como se apressaram a avisar jornalistas esbaforidos, mas ela segue sendo no imaginário geral uma ideia do que são e pensam os Estados Unidos, seu jeito de ver os personagens do mundo como expressão de uma certa opinião, em geral conservadora, de um jornalismo de abonação para a admiração geral do planeta.
As capas da Time são tão importantes que, muitas
vezes, nem se dá importância ao que a revista publica nas páginas internas. As
capas da publicação são um monumento em si, especialmente aquelas dedicadas ao
“Homem do Ano”. Estas são destinadas ao conhecimento geral das gerações, ao
distinguir um grupo exclusivo do que a revista declara ser os grandes expoentes
da humanidade. A revista pode até acabar um dia, mas suas capas talvez
sobrevivam a ela.
Na abertura da entrevista nas páginas internas, o
texto anuncia a possibilidade de Lula voltar à Presidência “para reavivar uma
economia debilitada, salvar uma democracia ameaçada e recuperar uma
nação”.
Continue lendo
A mídia conservadora ficou incomodada. O liberal
Caio Blinder, do ex-Manhatan Connection, disse que a Time não é mais
importante, é decadente. O UOL e a Folha destacaram criticamente declarações
corajosas e sinceras de Lula, feitas na entrevista, com reservas à atuação de
Putin e do ucraniano Zelensky, transformado em herói do chamado mundo livre.
Cumpre-se o mandamento de que, em se tratando de Lula, até o que possa ser
positivo e equilibrado terá que ser noticiado negativamente pela mídia
golpista.
Há, porém, sinais de um movimento mais relevante
que parece estar ocorrendo nos subterrâneos da política internacional e que tem
a ver com a capa da Time. Vale lembra que a capa da Time ocorre na semana do
anúncio da pré-candidatura de Lula, neste próximo sábado em São Paulo, em nome
de uma frente com diversos partidos e frações de esquerda.
Uma capa da Time com essa explicitude política não
ocorre sem considerações eleitorais junto ao establishment e mesmo setores do
governo estadunidense.
Ela coincide também com uma estranha visita ao
Brasil de Victoria Nulland, subsecretária de Estado dos EUA. Nulland, conhecida
por sua atuação nefasta no golpe de Estado de 2014 na Ucrânia, elogiou numa
entrevista à CNN a eficiência do sistema de votação brasileiro, gerido pelo
Tribunal Superior Eleitoral, o mesmo sistema que vem sendo continuamente
questionado pelo presidente Jair Bolsonaro e por próceres militares
indevidamente chamados a opinar sobre o assunto.
Ensaia-se uma aproximação do governo Biden com a
candidatura Lula? A aliança com Bolsonaro, aliado a Trump, é descartada. O que
se especula é que os Estados Unidos,por falta de uma alternativa mais
competitiva pelo lado preferido da chamada terceira via, e com o naufrágio da
candidatura do ex-juiz Sergio Moro, entraram em modo acelerado de decisão sobre
as eleições brasileiras lançando sinais que podem estar ancorados em contatos
informais.
Lula parece ser uma alternativa aceitável, já
provada, e que pode ser considerada instrumental a Washington no futuro.
Coincide com isso a necessidade de os Estados Unidos reordenarem sua política
com a América Latina (como parecem indicar recentes contatos com a Venezuela de
Maduro), região assediada pela China e pela alternativa russa.
Uma aliança de comércio pensada em termos mais
justos que a Alca, pode surgir no bojo de uma outra OEA, já que esta feriu-se
de morte sob sua mentalidade da Guerra Fria. São movimentos que dependem para
se concretizar da presença do Brasil e de Lula. No mundo novo que pode se
abrir, após a morte da ordem unipolar ianque, a capa da Time mostra que Lula
será essencial. Se eleito.
(*) Mario Vitor Santos é jornalista. É colunista do 247 e apresentador da TV
247. Foi ombudsman da Folha e do portal iG, secretário de Redação e diretor da
Sucursal de Brasília da Folha.
EM TEMPO: Convém lembrar que estará na ordem do dia, num possível governo Lula, o revigoramento do BRICS (Brasil + Rússia + Índia + China + África do Sul). Por outro lado, tanto a CIA, quanto pessoas influentes do governo Biden, já disseram que confiam plenamente no sistema eleitoral brasileiro. Sem apoio dos EUA, fica mais difícil Bozo dar um golpe. Observem que quando o tema é geopolítica a coisa fica complicada, uma vez que o governo Biden deve enfrentar a extrema-direita, liderada por Trump, nos Estados Unidos, nas eleições de novembro/2022 para o parlamento. A extrema-direita atua no mundo inteiro. Por contradição o governo Biden dar respaldo ao governo de extrema-direita da Ucrânia, com fortes ligações com os neonazistas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário