(Foto: REUTERS) |
Por Jeferson Miola (*)
A Otan é um dos tantos esqueletos obsoletos da Guerra Fria que sequer deveria ainda continuar existindo no século 21
28 de fevereiro de 2022
A Otan é um dos tantos esqueletos obsoletos da Guerra Fria que sequer deveria ainda continuar existindo no século 21. Em termos lógicos e racionais, esta aliança, que é um braço militar dos EUA no Atlântico Norte, deveria ter sido extinta no mesmo instante que o Pacto de Varsóvia desapareceu, em fevereiro de 1991. A Otan só continua existindo, entretanto, porque é instrumental e útil aos EUA. Por intermédio desta Organização intercontinental, os EUA concretizam seus interesses estratégicos, aumentam sua influência e domínio territorial no leste da Europa, ameaçam a segurança e a defesa da Rússia e estabelecem um contraponto geopolítico à China.
Não parece curioso que a Otan, que é integrada pelo Canadá e EUA[1], tenha avançado e incorporado praticamente todo território europeu, com exceções como a Bielorrússia, a Rússia e a Ucrânia? Se o objetivo da Otan é expandir ao máximo seus domínios sem incluir a Rússia, significa que um dos propósitos da Otan é justamente se opor à Rússia.
Os EUA e seus aliados europeus descumpriram as promessas e compromissos de não-expansão territorial da Otan com o fim da Guerra Fria. Desde 1997 a Otan incorporou 14 países que antes integravam ou que se desmembraram de outros países do antigo Pacto de Varsóvia. Dentre estes 14 países, três deles são ex-repúblicas soviéticas, sendo que dois deles, a Estônia e a Letônia, fazem fronteira com a Rússia.
Do ponto de vista geopolítico, geoestratégico e militar, esta mudança no mapa faz muita diferença e alarma a Rússia, como alarmaria qualquer país embretado desta maneira. Com a dissolução da União Soviética, a Rússia perdeu 5 milhões de quilômetros quadrados e mais da metade da população, cerca de 150 milhões de habitantes. E agora se vê inteiramente flanqueada, à oeste, por um cinturão de países que aderiram à Otan.
Por isso, seria perfeitamente esperável que a Rússia reagisse a essa mudança da geografia política regional como de fato reagiu. Afinal, é uma potência nuclear que se sente acuada e ameaçada. Nos últimos anos, a Rússia não só recuperou seu poderio militar, como hoje inclusive possui um arsenal imbatível de mísseis intercontinentais hipersônicos. Por isso, neste enfrentamento com os EUA e aliados europeus, Putin se empenha no exercício do poder dissuasório.
Como ensinou o Conselheiro de segurança dos EUA
Zbigniew Brzezinski, a Ucrânia é crucial para a segurança, para a defesa e para
o futuro geopolítico da Rússia. Os EUA sabem perfeitamente que a adesão da
Ucrânia à Otan significaria, portanto, a ultrapassagem de uma linha divisória
considerada inaceitável por Moscou.
O presidente Joe Biden e os governos europeus desprezaram os apelos russos dos últimos oito anos e o ultimato de Putin em dezembro passado acerca da militarização da Ucrânia e sua integração à Otan. Ao contrário disso, agiram como se ansiassem pelo conflito e, devido a esta postura, têm responsabilidade pela sua instalação. Por outro lado, governo ucraniano descumpriu o Protocolo de Mink, de 2015. Contou nisso com a conivência da União Européia, que testemunhara a assinatura do referido acordo.
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O governo da China tem atuado na crise com a
moderação e serenidade que faltam aos EUA e a seus aliados europeus que, ao
invés de contribuírem para uma solução negociada para o conflito, apostam
na escalada do conflito militar e da guerra, como declarou a presidenta da
Comissão Européia Ursula von der Leyen.
Defendendo a posição de neutralidade da China, o
ministro de Relações Exteriores Wang Yi declarou que
A China afirma que a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas e protegidas e os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas devem ser observados seriamente. Esta posição da China é consistente e clara, e se aplica igualmente à questão da Ucrânia. Wang acrescenta que “As preocupações legítimas de segurança de todos os países devem ser respeitadas … [e] as exigências legítimas de segurança da Rússia devem ser levadas a sério e devidamente tratadas”.
O ministro das Relações Exteriores da China ainda
lembrou:
Vimos como a Otan agiu para pressionar a Rússia e destruiu a antiga Iugoslávia no passado. Se não houvesse essas pressões concretas de segurança e os destacamentos militares da Otan em torno do território russo, Moscou não precisaria realizar operações militares tão arriscadas para responder à ameaça da Otan. E, por isso, defende que “a Ucrânia deve funcionar como uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, não como uma fronteira em grande confronto de poder”. Wang clama pelo diálogo para “formar um mecanismo de segurança europeu equilibrado, eficaz e sustentável”.
Ao Global Times, o diretor do Departamento de Estudos Europeus do Instituto de Estudos Internacionais da China Cui Hongjian disse que: Se a crise da Ucrânia for tratada principalmente pela Europa, e não pelos EUA e pela Otan, talvez uma negociação pacífica já teria sido realizada muito antes de a Rússia perder a paciência e lançar operações militares. Pelo menos, não seria tão ruim como é agora.
A Otan tenta expandir continuamente seus domínios no leste da Europa porque é uma arma dos EUA para enfrentar a Rússia e a China e conservar seu poder imperial no mundo. A Otan, que ainda existe porque é útil aos interesses globais e estratégicos dos EUA, é parte da crise e, em consequência, obstáculo para a superação negociada e equilibrada da mesma.
[1] A
Guiana Francesa também integra a Otan, pois é uma região ultramarina da
França – eufemismo chique dos franceses para nominar a colônia que eles,
os modernos, civilizados e superiores aos latino-americanos,
euroasiáticos e chineses, ainda mantêm em pleno século 21.
Situada no nordeste da América do Sul e fazendo
fronteira com o norte do Brasil, do ponto de vista formal a Guiana Francesa
pode ser base de arsenal nuclear para eventual intervenção estadunidense e da
Otan no continente.
(*) Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto
Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial
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