FOLHApress - ANA LUIZA ALBUQUERQUE E JOÃO PEDRO PITOMBO
RIO DE JANEIRO, RJ,
E SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Completando sete anos à frente do governo da
Bahia, o governador Rui Costa (PT) diz que o enfrentamento às chuvas que
assolam o estado e já causaram ao menos 24 mortes é o maior desafio de sua
gestão. As enchentes destruíram estradas, inutilizaram estoques de medicamentos
e vacinas e deixaram mais de 90 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas.
Quatro ministros do
governo federal foram enviados à região, mas Jair Bolsonaro (PL), de férias em
Santa Catarina, não esteve por lá. Questionado pelo jornal Folha de S.Paulo se
aguardava a visita do presidente, Costa respondeu que não tinha essa
expectativa.
"O presidente
durante toda a sua gestão demonstrava desprezo em relação à vida humana (...)
Ele não demonstra nenhum sentimento em relação à dor do próximo", afirmou
o governador.
Em permanente
trânsito na última semana para avaliar os estragos das chuvas, Costa atendeu
chamada da reportagem na tarde desta quarta-feira (29), quando estava prestes a
embarcar em um helicóptero de volta a Salvador. Ele estima que os recursos
necessários para recuperar o estado cheguem a R$ 1,5 bilhão e espera que o
governo federal possa ajudar com valores significativos.
PERGUNTA - Havia
algo que o governo pudesse ter feito para mitigar as consequências dos
temporais? Como o sr. avalia a gestão estadual nesse desastre?
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RUI COSTA - Nós
temos uma estrutura e respondemos... Lógico que com o apoio de outros estados.
Nenhum estado sozinho tem a capacidade de responder a uma demanda dessa. Aliás,
essa é uma das coisas que falta ser estruturada no Brasil. Outros países do
mundo têm uma estrutura regional para o enfrentamento de grandes desastres, nós
não. Inclusive começamos a conversar no Consórcio do Nordeste para ter uma
aeronave, por exemplo, mais sofisticada de combate a incêndios, de resgate de
pessoas.
O governo federal
não tem nenhuma estrutura de ajuda aos estados para desastres. Os helicópteros
do Exército, da Marinha, são completamente inadequados para esse tipo de coisa.
São helicópteros para a guerra, não para sobrevoar áreas urbanas. Um
helicóptero daquele tamanho, quando baixa a uma altura mais reduzida, arranca
as telhas, é um desastre.
PERGUNTA - O que o sr. tem
achado da resposta do presidente a essa tragédia? Ele tem sido muito criticado
por estar de férias em Santa Catarina e não ter visitado o estado. O sr.
esperava a presença dele?
RC - O presidente
durante toda a sua gestão demonstrava desprezo em relação à vida humana. Se
você me perguntar: "O senhor esperava ele aí?", vou dizer que não.
Durante três anos, em nenhum momento, em nenhum outro desastre, na pandemia, ou
em qualquer situação que significasse prestar solidariedade à vida humana ele
fez qualquer gesto. É um presidente que não demonstra nenhum sentimento em
relação à dor do próximo.
PERGUNTA - O que o governo
federal poderia ter feito, mas não fez?
RC - O mínimo que
qualquer presidente pode fazer é dirigir uma palavra de conforto ao seu povo
num momento de sofrimento. Tem uma frase que diz que quando você não pode fazer
nada, pelo menos transmita uma palavra de conforto. Nem isso ele se preocupa em
fazer. Só tenho que lamentar. Tenho evitado falar disso porque num momento de
dor as pessoas não querem ver debate político.
PERGUNTA - Alguns ministros
estiveram no estado. Como foi essa conversa?
RC - Eu fiz um
apelo para que eles tenham um olhar diferenciado para esse momento que a Bahia
vive. Espero que eles tenham esse olhar e tratem, se não o estado, pelo menos o
povo baiano de uma forma respeitosa e digna.
PERGUNTA - O sr. já disse que
R$ 80 milhões não são suficientes para recuperar as estradas federais. Os
ministros deram alguma sinalização de mais recursos?
RC - Sinalização e
predisposição houve, de ajudar na reconstrução das casas, de ajudar os
municípios na reconstrução da infraestrutura. Estamos na expectativa de que
esses anúncios, ou de que esse sinal de boa vontade, venham a acontecer.
PERGUNTA - Se as estradas não
forem recuperadas rapidamente, qual deve ser o impacto na economia estadual?
RC - É um custo
indireto. O caminhoneiro vai procurando outros caminhos para poder chegar. Em
geral caminhos mais longos, que gastam mais combustível, aumentando o custo do
frete e reduzindo a margem para o produtor.
PERGUNTA - Esse foi o maior
desafio do seu governo?
RC - Sem dúvida.
Mas graças a Deus o principal a gente conseguiu, que foi evitar a tragédia de
vidas humanas perdidas. O prejuízo material, mesmo que leve mais tempo, você
recupera. A vida humana não.
PERGUNTA - O sr. esteve em São
Paulo no jantar com o ex-presidente Lula e com o ex-governador Geraldo Alckmin.
Como o sr. avalia essa possível aliança?
RC - O presidente
eleito terá um desafio gigantesco. São seis anos de instabilidade política,
jurídica e institucional que corroeram a credibilidade do Brasil. É preciso
passar a ideia de que o país vai estar unido, que vai ter uma grande
concertação a favor da reconstrução do Brasil, e não há como passar essa ideia
se a preocupação for apenas ganhar a eleição.
Eu acho que, desde
já, nós temos que nos preocupar em ganhar a eleição, fazer esse país crescer e
voltar a ser inclusivo. Isso é uma tarefa muito grande para ser tocada por um
só partido. É preciso promover a união dos brasileiros que querem reconstruir
nosso país. Por isso eu acho que o [ex] presidente [Lula] está correto em
buscar esta aliança. Alckmin foi governador de São Paulo quatro vezes. É uma
pessoa absolutamente experiente.
PERGUNTA - Não acredita que
esta união vai gerar ruídos?
RC - Se formos
restringir nossas alianças a quem nunca trocou críticas entre si, não teremos
união de ninguém. Poucos não trocaram críticas entre si nos últimos 20 anos no
Brasil. A situação do país requer responsabilidade, requer descer a vaidade de
cada partido, de cada pessoa, para colocar o Brasil em primeiro lugar.
Então, eu vejo
positivamente essa união. É uma excelente sinalização de que nós queremos
estabilidade e uma recuperação do Brasil de longo prazo. Não estamos
preocupados com projetos individuais ou partidários e sim com a reconstrução do
país.
PERGUNTA - Isso passa
necessariamente por uma aproximação de setores da direita? Passa também por
curar as feridas abertas nos últimos anos?
RC - Mais
importante do que rótulos ou estigmas, temos que discutir conteúdo. O que
faremos do Brasil? Quais são os projetos que nós adotaremos?
Acho que essa
aliança tem pouca base sólida com quem caminhou com o Bolsonaro na sua
integralidade, quem apoiou Bolsonaro, quem esteve e está até o dia de hoje com
ele. Mas podemos conversar com aqueles que têm demonstrado uma insatisfação
desde o início do governo Bolsonaro. Acho que esse é o limite. Até para também
não ser um negócio de mero oportunismo eleitoral. Tem que ter alguma
consistência de programa.
PERGUNTA - Como é que o sr. vê
um possível mandato caso o presidente Lula seja eleito? Será o retorno de um
Estado mais indutor na economia?
RC - Ele receberá
um país muito pior. Terá um Estado com menor capacidade de indução direta ao
desenvolvimento, visto que a poupança interna e a capacidade fiscal do governo
são muito piores hoje do que em 2003.
Considero que
haverá um papel fundamental do governo, não necessariamente como executor
direto, mas como indutor para o investimento privado no país. É fundamental que
o Estado participe. Quem passa confiança, credibilidade e segurança
institucional é o governo. Não podemos sinalizar que toda hora muda a lei para
tirar o presidente, muda a Constituição para dar um calote numa dívida. A
função do governo será restabelecer a confiança no país.
PERGUNTA - Qual a sua
avaliação sobre o cenário que se desenha para a eleição de 2022? Acha que a
eleição tende a polarizar entre Lula e Bolsonaro? Como viu a entrada de Moro e
Doria no tabuleiro?
RC - Não acredito
que haja espaço para crescimento de outras candidaturas. De um lado, teremos um
projeto que se mostrou desastroso para o país, que aumentou o desemprego, a
pobreza e diminuiu drasticamente o investimento externo. Com esse cenário, como
diz a música, o povo ficou com saudade do ex.
Então, acho pouco
provável que alguém consiga estabelecer um novo cenário que não seja a disputa
entre Lula e Bolsonaro. Não acredito em candidaturas do estilo do Sergio Moro
porque as pessoas preferem o autêntico do que o genérico. Moro nada mais é do
que um genérico do Bolsonaro.
Não acredito no
crescimento do Moro, em hipótese nenhuma. E acho pouco prováveis as outras
alternativas, até pelo tempo de campanha e a extensão territorial do país. Você
não fixa um nome apenas porque ele foi governador. É preciso que se estabeleça
algum tipo de vínculo, seja nas ideias, seja pessoal.
PERGUNTA - Como o sr. viu esse
movimento de aproximação do presidente com uma base mais fisiológica, caso de
partidos como PP e PL?
RC - O Congresso
desejava capturar o Orçamento federal. Uma parte disso é o tal do orçamento
secreto, que ninguém sabe a origem e qual o destino do recurso. As cifras são
astronômicas. Parte virou investimento puramente eleitoreiro, com muito ruído
de problemas de ética.
Por outro lado,
havia um interesse do presidente, que se viu ameaçado de um possível
impeachment e denúncias em relação a seus filhos, de ter uma proteção maior do
Congresso. Eu diria que juntou a fome com a vontade de comer: o desejo do
Congresso de capturar o Orçamento e o dele de buscar maior proteção para ele e
para família. Ele praticamente abriu mão de governar.
PERGUNTA - Essa aproximação
atrapalha a sua relação com esses partidos? Parte deles compõe a sua base
aliada.
RC - Não acredito.
O ruído pode acontecer nas opções feitas daqui para frente. Se algum dos
partidos da nossa base optar por Bolsonaro, eventualmente haverá
incompatibilidade de caminhos. Acho que vai ser uma eleição muito polarizada
nacionalmente.
A disputa do ano
que vem terá uma influência muito maior da eleição nacional nas disputas
estaduais. Eu espero que haja essa polarização porque é preciso eleger um
Congresso Nacional que, de fato, ajude a construção dessa identidade, dessa
unidade nacional.
Não dá para ter um
Congresso que vai repetir orçamento secreto ou essa chantagem com o presidente
da República. Com esse modelo que foi estabelecido do Congresso com Bolsonaro,
ninguém governa o Brasil. Esse modelo está destruindo o Brasil.
PERGUNTA - O potencial
adversário do PT na Bahia aposta no contrário. ACM Neto tem dito que a eleição
não deve ser nacionalizada e tenta se afastar de Bolsonaro. Acha que essa
estratégia funciona?
RC - Ele tenta um
milagre, que é o milagre de se desassociar da figura do presidente da
República. Ele fez campanha, pediu voto para Bolsonaro.
Tem vídeos e fotos
dele abraçado com o presidente. O ex-chefe de gabinete dele é ministro de
Bolsonaro. Até o dia de hoje, quem dá sustentação ao governo Bolsonaro são os
parlamentares do DEM, que na Bahia possuem a indicação de todos os órgãos
federais. Essa imagem é difícil de ele separar.
PERGUNTA - Auxiliares do
presidente dizem que ele deve ganhar terreno no Nordeste com a criação do
Auxílio Brasil e o aumento do valor do benefício. Acha que essa correlação tem
sentido?
RC - É o que eles
buscam. Algum impacto eventualmente pode ter, não vou dizer que o impacto é
zero. Mas é péssimo quando você muda completamente as políticas de governo.
Durante todo esse
governo, não teve um planejamento nem uma visão de longo prazo para a educação,
a saúde, a infraestrutura. Simplesmente, há uma ausência de governo, uma
ausência de planejamento. Tudo se transformou em medidas meramente eleitoreiras
e um imenso desperdício de recursos Brasil afora.
PERGUNTA - O PT vai completar
um ciclo de 16 anos na Bahia e apresentou a pré-candidatura do senador e
ex-governador Jaques Wagner ao governo. Não acha que seria hora de abrir espaço
para partidos aliados?
RC - Vamos defender
é que esse perfil de prioridades seja mantido, independentemente do nome e do
partido que esteja liderando esse projeto. Não tem nenhum veto para que outros
partidos possam liderar. Ainda estamos conversando. É possível que nesse grupo
que vai liderar tenham pessoas de partidos diferentes.
PERGUNTA - O sr. não construiu
um nome novo para sua sucessão na Bahia. Foi uma opção sua?
RC - Não foi opção.
Você não constrói nomes novos por decreto. As coisas acontecem e os nomes vão
se fixando conforme o cotidiano da política. Acho que temos nomes fortes. Mas
não há um nome novo consolidado.
RAIO-X
Rui Costa dos
Santos, 58
Nascido em Salvador
em 1963, é economista. Secretário da Casa Civil do governo Jaques Wagner,
concorreu e venceu o pleito estadual de 2014, reelegendo-se com votação recorde
em 2018. É casado e tem quatro filhos. É filiado ao PT desde 1982.
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