ESTADÃO - Beatriz Bulla
Jair Bolsonaro subiu ao palco da 76a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas para repetir parte do projeto bolsonarista que apresentou ao mundo em 2019. Mas, desta vez, o presidente brasileiro chocou menos os líderes internacionais. Até porque eles já conhecem Bolsonaro e não esperam que o brasileiro assuma outra persona no curso de um só mandato. Também porque enxergam a próxima eleição brasileira pela janela e não acham que valha a pena se desgastar com um presidente que pode estar com os dias contados.
Por último, porque o cenário
internacional mudou e restou ao presidente do Brasil representar um
"trumpismo sem Trump", como definiu um chefe de Estado. E, sem Trump, acham que até o orgulhoso
"Trump dos trópicos" precisou se adaptar.
Ele estava na
crista da onda mundial em 2019. Podia – pois tinha respaldo no discurso que
viria logo após ao seu – ser puramente o populista de direita,
anti-instituições e anti-multilateralismo na abertura do encontro anual da ONU.
Com Joe Biden no comando da Casa
Branca, precisou assumir, por exemplo, que é possível reduzir o desmatamento na
Amazônia com maior fiscalização ambiental. É algo que não caberia no discurso
de 2019, no qual ele culpou os indígenas pelas queimadas na floresta.
"Se tirar
cinco ou seis parágrafos do 'estilo Bolsonaro', conseguimos ver a volta do
Itamaraty no discurso", diz o mesmo chefe de Estado, que não quer ser
identificado. O mesmo líder estrangeiro afirma que o mundo sabe que Bolsonaro
quer agradar uma base eleitoral, como Trump sempre fez e desta vez ainda mais,
pois se vê ameaçado por uma versão de Lula "recauchutada" e em
"uma forma impressionante". Se limpar o apelo à base, diz, é possível
ouvir a fala em um tom mais baixo do que o de 2019.
Para o diplomata de
outra delegação estrangeira, não surpreende escutar Bolsonaro atacar o
socialismo, se apresentar como um conservador ou defender a cloroquina. Desta
vez, segundo a mesma fonte, ao menos ele não se envolveu em ataques diretos a
uma outra nação, como aconteceu com o francês Emmanuel Macron, há dois anos.
Até saber o
desfecho da disputa de 2022, os países dizem querer trabalhar com Bolsonaro
apesar de Bolsonaro. Sem Ernesto
Araújo no Itamaraty, segundo todos eles, esse trabalho é um pouco mais
fácil. Biden, por exemplo, não quer sua imagem associada ao brasileiro, mas
conta com o alto escalão de seu governo para manter o canal aberto com
Brasília. A agenda de Washington é pragmática: eles precisam da adesão de
outros países em torno da agenda climática para que o democrata consiga se
credenciar como um líder ambiental.
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Chamam o novo
chanceler, Carlos França, de "razoável" e "pragmático", nos
corredores da ONU. Em uma reunião de mais de 45 minutos com o secretário de
Estado dos EUA, Antony Blinken, ele indicou ao americano que o governo fez uma
"inflexão" na pauta ambiental em abril, quando Bolsonaro prometeu
dobrar o orçamento do Ibama. Blinken, por sua vez, elogiou que o brasileiro
tenha voltado ao tema na abertura da ONU e reafirmado seus compromissos.
Mas França sai de
Nova York com gosto agridoce na boca. Diz em reuniões estar satisfeito com o
avanço de conversas bilaterais, como a com americanos, mas acumulou desgostos.
O principal é o fato de ter aparecido em um vídeo fazendo um gesto que parece
com a tradicional "arminha" de Bolsonaro e seus filhos. Ele garante a
assessores que não é o que parece e que apenas apontava para alguém da
comitiva. Os mais próximos afirmam que isso o deixou "devastado",
enquanto o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pareceu orgulhoso por mostrar o
dedo do meio a manifestantes contrários ao governo.
França também não
conseguiu emplacar a ideia de fazer Bolsonaro anunciar a doação de doses de
vacina a países da região, algo que acreditava que repercutiria positivamente
em meio aos constrangimentos passados pela comitiva brasileira em NY. O projeto
do Itamaraty prevê a doação de 3,9 milhões de doses de vacina contra covid-19 a
que o Brasil tem direito pelo consórcio Covax Facility. Falta o parecer
jurídico do Ministério da Saúde para colocar em prática. E Bolsonaro colocar
para a frente.
Quando terminou seu
discurso, o presidente brasileiro desceu do palco e sentou-se no plenário para
ouvir Joe Biden. Por mais de 30 minutos, escutou o americano defender o
multilateralismo, as soluções diplomáticas e a democracia. Ele sabe que o vento
mudou. E, nesta nova brisa, parece que o bolsonarismo é levado ainda menos a
sério entre os líderes mundiais.
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