Nota Política do PCB
A retomada de Cabul e
das principais cidades do Afeganistão pelo Talibã é o ponto culminante do
processo de desgaste da ocupação militar do país pelos Estados Unidos, OTAN e
seus aliados, a partir de 2001. É uma clara derrota do imperialismo
estadunidense naquela região do mundo.
Por sua vez, os Estados Unidos nunca tiveram como objetivo empreender ações sistemáticas para superar a miséria e o desemprego urbano que impera no Afeganistão, um dos mais oprimidos países periféricos do mundo. Efetivaram iniciativas de pequeno alcance, concentradas em Cabul e algumas cidades, como a construção de escolas e o fomento ao pequeno comércio, sem qualquer alteração no cenário de falta de infraestrutura econômica e social.
O país continuou sendo um dos mais pobres do
mundo, com elevadíssimos índices de desemprego e analfabetismo. A ocupação
militar manteve o domínio das antigas classes dominantes e lideranças políticas
regionais, não conseguindo derrotar o Talibã, que, pouco a pouco, foi
reconstruindo alianças políticas e reconquistando territórios.
A economia do país
manteve-se em torno da agricultura de subsistência e do cultivo da papoula, que
cresceu durante a ocupação imperialista. A papoula é a matéria-prima básica
para a fabricação do ópio e da heroína, e a renda auferida na sua produção,
organizada como um “capitalismo rural”, vai para os “senhores da guerra”
locais, que detêm grande poder político.
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A invasão do
Afeganistão se deu como uma resposta dos EUA aos ataques contra as torres
gêmeas e outros alvos desferidos pela Al-Qaeda naquele ano, que deixaram um
saldo de cerca de três mil americanos mortos e mostrou ao mundo uma imagem de
fragilidade do país. A alegação dos EUA para a invasão foi a de que o Talibã
dava apoio a Osama Bin Laden, líder da Al-Qaeda, que estaria em território
afegão, e a outras organizações muçulmanas terroristas antiamericanas. Na
realidade, a motivação de fundo para a ação foi a tentativa de recuperar a
imagem de força e a condição de principal potência do mundo, que os EUA já
vinham perdendo no cenário de multipolaridade que então se consolidava.
O Afeganistão tem uma
posição geográfica importante, fazendo fronteira com China, Paquistão, Irã,
Turcomenistão, Uzbequistão e Tajiquistão. Contando sempre com rotas comerciais
valiosas, foi alvo de invasões de persas, mongóis e outros povos, e esteve sob
controle da Inglaterra no século XIX, no processo de disputa com a Rússia pelo
domínio do território. A República foi alcançada em 1973, em meio a conflitos étnicos,
disputas religiosas e divisões tribais seculares.
A barbárie que se
manifesta e se materializa na conformação de um novo governo ligado ao
fundamentalismo islâmico no Afeganistão é resultado direto de décadas de
intervenção imperialista na região e da derrota da República Democrática do
Afeganistão (RDA) nos anos oitenta do século XX. Recordemos que a Revolução
Popular de Abril de 1978 (Revolução de Saur), realizada sob a direção do
Partido Democrático Popular do Afeganistão (PDPA), promoveu transformações
políticas, culturais, econômicas e sociais, tais como a Reforma Agrária,
garantia do acesso à educação pública, direitos fundamentais para as mulheres
afegãs, dentre outros.
Em 1979, após uma intensa crise política que contou com a ação de grupos armados de oposição ao novo governo de corte socialista, que culminou com o assassinato do presidente, a União Soviética forneceu ajuda militar ao país e manteve o apoio ao regime socialista, que contou com Brabak Kamal na presidência até 1986. A ajuda internacionalista do Exército Vermelho Soviético foi solicitada pelo Governo Afegão para combater a contrarrevolução apoiada pelos Estados Unidos e aliados da OTAN.
Houve forte
oposição aos governos socialistas por parte de setores conservadores da
sociedade afegã, principalmente contra as propostas de reforma agrária e de
libertação das mulheres, um ponto inegociável para as organizações comunistas
afegãs. O imperialismo apoiou, armou e treinou os Dusmanis (Mujahedins). Da
base social desses agrupamentos surgiram os Talibãs (formados nos campos de
refugiados e escolas islâmicas do Paquistão) e outras facções muçulmanas que se
orientam por uma interpretação própria e fundamentalista do Islã.
A URSS, sob comando
de Gorbachev, começou a retirar a ajuda internacionalista a partir de 1988,
deixando completamente o país em 1989 e, após alguns anos de guerra civil que
se iniciou entre grupos étnicos e religiosos, o grupo sunita Talibã tomou o
controle das principais cidades do Afeganistão e da capital, Cabul, em 1996.
Impôs-se um regime teocrático fundamentalista no país, que transformou escolas
em quartéis e promoveu execuções de “infiéis”, perseguição e extermínio das
lideranças comunistas e intensa repressão às mulheres – adultas e crianças.
Mantiveram-se, no
período da ocupação imperialista dos EUA, OTAN e aliados, governos artificiais
e corruptos, que empregaram uma pequena parte da população. Foi construído e
treinado um exército afegão, com cerca de trezentos mil soldados, cujo não
apoio aos invasores foi claramente demonstrado pela sua total inação e mesmo
adesão desses militares ao Talibã. A ofensiva para a retomada do poder contou
com alianças entre o Talibã, os grupos dominantes e líderes locais e não sofreu
oposição. Começaram a haver, então, negociações entre os EUA e as lideranças da
região para a retirada das tropas invasoras do Afeganistão. Houve também uma
série de acordos com o Talibã por parte da OTAN.
A retomada do poder
pelo Talibã, operada em paralelo à retirada das forças militares dos EUA e seus
aliados, foi mais um golpe para o imperialismo, que já havia sido derrotado na
Guerra da Síria. A decisão de retirar as tropas foi tomada por conta não apenas
do desgaste interno causado pelo impacto social das mortes de soldados, mas
também pelos gastos de trilhões de dólares realizados ao longo de duas décadas
para a manutenção da guerra, e já vinha sendo negociada com o Talibã havia
tempo.
A retirada não
interrompe o movimento de tentativa, pelo governo dos Estados Unidos, de
reposicionamento do país no cenário internacional, onde tenta retomar a
hegemonia política desgastada e se fortalecer para enfrentar a China e seu
bloco de alianças – com destaque para a Rússia – no mercado mundial e no campo
político. A retirada tampouco significa a redução das posturas belicistas e
intervencionistas que os EUA adotam, rotineiramente, em suas ações externas. É
provável que a aliança do novo governo Talibã com o bloco China-Rússia traga
investimentos econômicos e sociais para o Afeganistão, como se observa nas
ações chinesas com o seu aliado na Rota da Seda e outras iniciativas.
A nova liderança
Talibã no poder se apresentou inicialmente com uma postura mais moderada e mais
política em comparação com a dos anos 1996 – 2001, quando esteve no poder.
Busca algum reconhecimento internacional e anuncia que respeitará os direitos
das mulheres, as quais, segundo os pronunciamentos mais recentes dos novos
governantes, poderão estudar, trabalhar e andar desacompanhadas nas ruas, desde
que sigam as leis islâmicas, a sharia, na interpretação talibã.
Essa postura pode
indicar que as alas mais extremistas / obscurantistas foram afastadas, e que o
novo regime terá uma estrutura mais legalmente estruturada. Mas tudo leva a
crer tratar-se apenas de um jogo de cena, consubstanciado por um discurso mais
flexível, com vistas a atenuar as resistências contrárias ao novo governo e
dissuadir, entre outros, as organizações anti-imperialistas para que passem a
apoiar o Talibã.
O momento pede que as
forças revolucionárias, comunistas, socialistas e progressistas mantenham
atenção sobre a evolução dos acontecimentos no Afeganistão e a mobilização para
que a derrota do imperialismo naquele país seja acompanhada pela resistência
popular e a luta por um processo de construção de justiça e igualdade social,
com a superação da miséria, da opressão e do obscurantismo e a eliminação da
estrutura capitalista naquele país.
Comitê Central do
Partido Comunista Brasileiro (PCB)
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