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qui., 2 de setembro de 2021
Explosivo utilizado
no ataque em Araçatuba - Foto: Divulgação/Gate PM SP
Policiais militares do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) apreenderam cerca de 98 explosivos em Araçatuba na terça-feira (31/8). A cidade do interior paulista foi atacada por pelo menos 20 assaltantes fortemente armados, que espalharam bombas pelas ruas e fizeram reféns de escudo no início da semana a fim de roubar dinheiro de agências bancárias no dia anterior.
Três pessoas morreram e um ciclista teve os pés amputados
quando passava perto de um desses artefatos. De acordo com o G1, foram 100 kg desses
materiais, sendo 32 localizados nas ruas, 18 dentro de uma agência do Banco do
Brasil, 29 em um caminhão abandonado junto com 79 cartuchos de emulsão
explosiva e 19 artefatos em carros encontrados no município vizinho de Bilac.
Ao menos 16 haviam sido desarmados pela polícia.
O gerente de projetos do Instituto
Sou da Paz Bruno Langeani explica que os artefatos usados em Araçatuba são
conhecidos como IED (Improvised Explosive Devices – artefato explosivo
improvisado, em tradução livre) e que não são muito diferentes dos usados por
grupos terroristas, a depender do grau de sofisticação. “Eles usam uma emulsão,
que a gente chama de dinamite, que é um material que se usa na construção civil
para demolir casa, demolir prédio, que se usa em pedreira, em indústria de
mineração, e outros itens como o cordel, que é o fio que pluga no explosivo, a
espoleta, que é que dá o início da explosão”.
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Para Langeani, o rastreamento da
origem dos materiais que compõem esses explosivos pode demorar mais do que
deveria. Isso porque o Comando de Logística do Exército revogou três portarias
de março de 2020, cada uma para um tipo de regularização: armas,
munições e explosivos. A revogação foi determinada
pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em abril do ano
passado.
O gerente do Sou da Paz aponta que
a portaria 46 determina
uma série de procedimentos para controlar esses tipos de insumos, como
marcações em QR Code e outras internas que pudessem ser rastreadas mesmo com o
dispositivo detonado, e também a criação de um Sistema Nacional de Rastreamento
de Produtos Controlados pelo Exército para identificar toda a cadeia logística
desses insumos marcados. “Se você tira essas regras, você dificulta o trabalho
da polícia”, critica Bruno Langeani.
Ele destaca que alguns artefatos
encontrados pelo Gate não foram acionados, estavam abandonados, e poderiam ter
os insumos consultados no mesmo dia se o sistema fosse implantado. “Foram 100
kg de explosivos em Araçatuba. Se essa marcação já estivesse implantada e esse
sistema tivesse funcionando, na própria madrugada do crime, com o celular, os
policiais poderiam estar lendo o QR Code nesses explosivos e ir descobrindo de
onde saiu: quem desviou, quem fabricou, onde deveria estar e qual o último CPF
ou CNPJ ligado àquele artefato”, exemplifica. “Essas marcações, também internas
e químicas, no caso dos que haviam explodido, poderiam ajudar a perícia a
encontrar vestígios de quem fabricou”.
Sem a regulamentação, ele afirma que esse rastreamento pode demorar mais, por depender de solicitação de informações ao Exército, e não abarcar tantos detalhes que poderiam facilitar o trabalho de investigação. Além disso, ao extinguir as outras portarias, que tratavam de armas e munições e fazem parte do mesmo departamento, acaba favorecendo o crime organizado e dificultando o trabalho da polícia.
“Na prática, parece que
Bolsonaro quis atender um grupo privado, que são os CACs (colecionadores,
atiradores e caçadores), que são apoiadores, fanáticos por arma e com alto poder
aquisitivo porque é um hobby privado bastante caro”, pontua. “Claramente, o
presidente não se importa com as consequências disso para a política pública de
segurança, para o acesso ao artefato do crime organizado, se a polícia vai ter
mais dificuldade ou não, se vai acontecer mais ataques a cidades, se o PCC vai
ter mais acesso ou não, se o fuzil para o crime foi barateado”, critica.
Langeani também destaca a facilitação de acesso a armas, uma das principais bandeiras do governo Bolsonaro. Em julho, o Instituto Sou da Paz demonstrou preocupação com a suspensão do imposto para exportação de armas e munições. Os pesquisadores destacaram que ação pode gerar um efeito bumerangue, em que o armamento é vendido de forma legal para o exterior e retorna de maneira ilegal para o Brasil, corroborando para o tráfico de armas. “O acesso ao fuzil para grupos criminosos foi democratizado”, enfatiza.
“Eram poucas as quadrilhas que
tinham recurso para comprar fuzil porque custavam entre R$ 50 mil e R$ 60 mil
e, na maioria das vezes, tinha que vir de fora cotado em dólar ou ser roubado
de alguma força de segurança, o que encarecia essa arma, tanto que se tinha
muita locação de fuzil. Agora, temos a Taurus vendendo fuzil a R$ 14 mil e
prometendo entrega em casa no território nacional. Pós-Bolsonaro, a gente tem a
possibilidade do PCC comprar fuzil de forma mais barata do que tinha antes
correndo risco de ser preso por tráfico internacional, então é claramente uma
questão econômica”.
Por outro lado, o especialista pontua que também falta investimento na Polícia Civil para coibir esses crimes. “São Paulo ao priorizar investir em Baeps (Batalhões de Ações Especiais de Polícia) e investir apenas em polícia ostensiva, nesse policiamento dito especializado, tem-se deixado de investir em outras coisas, como, por exemplo, não ter nenhuma delegacia especializada em investigar tráfico de armas e munições e nenhum banco de dados de confrontação balística”, elenca. “Quando os roubadores de banco fogem, deixam um monte de estojos de munição balística disponíveis para a polícia.
Hoje, para o Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais)
ligar o caso de Araçatuba com o de Araraquara,
por exemplo, precisa um perito manualmente colocar esses estojos em um
microscópio eletrônico para fazer uma comparação e é inviável fazer isso quando
se tem 300 estojos ou até mais recolhidos em uma noite”, pondera.
Devido à importância das portarias,
Langeani aponta que foram feitos pedidos no STF (Supremo Tribunal Federal) e no
TCU (Tribunal de Contas da União) para que voltem a valer. No entanto, os
processos estão parados e ainda não tiveram decisão.
O que diz o
Exército
Procuramos a assessoria das Forças
Armadas sobre a extinção das portarias e aguardamos resposta.
O que diz a polícia
A reportagem também questionou a Secretaria de
Segurança Pública sobre investimentos na Polícia Civil e sobre a investigação
do ataque em Araçatuba e recebeu em resposta uma nota informando
que “equipes do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) realizaram em operação
no município para desarmar inúmeras bombas. Somente na terça, no bairro Água
Branca, em uma área de aterro sanitário, foram detonados 97 artefatos
explosivos restantes. A área central da cidade segue isolada para uma busca
minuciosa por possíveis artefatos abandonados”.
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