Foto: Evaristo Sá/ AFP (via Getty Images) |
Yahoo Notícias, Matheus Pichonelli
sex., 17 de setembro de 2021
Se parar cinco minutos de sua esvaziada agenda de trabalho para ler e entender o retrato divulgado pelo último Datafolha, Jair Bolsonaro não vai demorar a perceber que tem apenas uma alternativa até outubro de 2022: governar.
A mensagem da pesquisa é clara. O
presidente que nos últimos meses apostou na escalada da retórica golpista não
conseguiu expandir sua base de apoio com ameaças. Pelo contrário. A escalada
seguida de recuo mostra oscilação para baixo em seu percentual de apoio. Era de
24% em julho e hoje o instituto marca 22%; sua reprovação, seguindo a
tendência, também oscilou dois pontos, mas para cima (de 51% para 53%).
Bolsonaro, adepto da doutrina de que a maioria deve se curvar à minoria, até o momento não deu mostras do que pretende fazer para reverter o ranço de um setor majoritário da população. O desenho da pesquisa mostra que o jacaré abriu a boca. A mandíbula foi acionada entre dezembro e janeiro de 2021, quando sua aposta na imunização de rebanho e a hesitação em comprar vacinas se mostrou uma tragédia. Resultado: as linhas de apoio e rejeição se cruzaram hoje seguem distantes.
Bolsonaro mantém percentual relativamente alto entre empresários (54% de aprovação), desiludidos com os partidos tradicionais (38%), evangélicos (29%) e moradores da região Sul (28%). Há, porém, sinais de erosão em alguns desses grupos. Muitos provavelmente afetados pelas suspeitas de corrupção que hoje envolvem o governo, incapaz até aqui de justificar as tenebrosas transações envolvendo estudos com cloroquina e atravessadores da aquisição de vacinas —alvos, aliás, da Polícia Federal.
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Entre evangélicos, por exemplo, o ex-capitão tinha 34% de apoio em julho. Hoje ele é rejeitado por 41% — quatro pontos a mais em relação à última pesquisa. Os índices de apoio resiliente podem garantir a ele um lugar no segundo turno. Ao menos enquanto o “projeto terceira via” não tiver um corpo. Mas eles hoje já não teriam peso suficiente para levá-lo à vitória. Seu principal desafiante, o ex-presidente Lula, mantém cerca de 20 pontos de vantagem nos cenários mais prováveis da disputa no primeiro turno. Em uma simulação de segundo turno, a vantagem do petista vai a 25% (56% contra 31%).
Entre agosto e dezembro de 2020, o
percentual da população que aprovava o governo Bolsonaro ainda era positiva. Na
época, a segunda onda (que se mostrou mais fatal) era ainda chamada de
“conversinha” pelo presidente e parte da população mais vulnerável estava
protegida da queda com o tecido do auxílio emergencial.
Hoje Bolsonaro é rejeitado por 56%
dos brasileiros que recebem até dois salários mínimos.
O passado recente mostra que, com o
avanço da vacinação e a engorda do Bolsa Família, prestes a ser rebatizado de
Auxílio Brasil, o presidente tem campo ainda a crescer. Para isso precisa fazer
o arroz-feijão nas relações com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, que
podem dar aval ou barrar a saída orçamentária costurada pela equipe econômica.
De algum lugar, afinal, o dinheiro precisa sair, e por isso a discussão sobre
os precatórios ganhou ares de final de campeonato.
Só não dá para fazer isso prometendo
mandar adversários ou possíveis aliados para a ponta da praia se não tiver voto
impresso em 2022 ou avisar a turma mais radical que não vai obedecer medidas
judiciais que lhe desagradem. O risco de desembarque no Congresso e o puxão de
orelha de atores-chaves do PIB, que não toparam o golpe, levaram Bolsonaro ao
recuo e a uma encruzilhada: apostar no caos, energizar a base e melar a disputa
do ano que vem ou tentar um acordo para reverter a moral com a população mais
pobre e chegar inteiro, e com chances, na disputa onde hoje não é mais
favorito. A ver.
Base para fazer a travessia ele tem.
Graças ao apoio sincero e desinteressado do Centrão, hoje instalado em
postos-chave de sua gestão, como Casa Civil, Secretaria de Governo,
Comunicações e Cidadania.
Ruídos políticos, na análise de seu
ministro da Economia, Paulo Guedes, já produzem efeitos práticos na vida da
população empobrecida pela alta do dólar, e consequentemente dos preços, a
morte de seus entes na pandemia, o risco de racionamento e o desemprego.
Bolsonaro em algum momento precisa
entender que quem mais sofre com os solavancos na economia, agravada por seus
ruídos e rugidos, não tem tempo nem dinheiro para comprar a camisa da seleção,
pegar ônibus, atravessar o estado e dizer na avenida Paulista que ele tem o seu
apoio.
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